segunda-feira, 23 de julho de 2018

Cavaco mandou votar contra a libertação de Mandela em 1987


Republicação de artigo de dezembro de 2013. À época, o presidente falava da estatura moral e da universalidade do legado do líder sul-africano; mas em 1987, quando era primeiro-ministro, Portugal votou, ao lado dos EUA de Reagan e do Reino Unido de Thatcher, contra uma resolução que exigia, entre outras coisas, a libertação de Mandela

Em 1987, o governo português chefiado por Aníbal Cavaco Silva votou contra uma resolução que exigia a libertação incondicional de Nelson Mandela na ONU, Juntando o seu voto apenas aos Estados Unidos de Reagan e ao Reino Unido de Margareth Thatcher. A resolução pode ser lida aqui (em inglês).

A resolução da Assembleia Geral é a 42/23A e tem como título “Solidariedade com a Luta de Libertação na África do Sul”. Teve 129 votos a favor, 3 contra e 23 abstenções. A votação, país por país, pode ser conferida aqui (link is external).

Mandela ficaria ainda mais três dos 27 anos que passou na prisão.

Hoje [este artigo foi publicado em dezembro de 2013], o mesmo Aníbal Cavaco Silva que mandou votar contra a libertação do líder sul-africano, elogia a sua estatura moral e lembra o “extraordinário legado de universalidade que perdurará por gerações”.

Outra resolução

A mancha que essa votação ao lado dos últimos defensores do apartheid deixou em Portugal não desaparece pelo facto de o país ter votado a favor de uma outra resolução, mais moderada, mas que exige a libertação de Mandela. Numa comparação entre as resoluções A e G, salta à vista que esta última não se refere à legalização do Congresso Nacional Africano, de Mandela, partido que se encontrava banido. A resolução G pode ser lida no mesmo PDF que contém a A e a votação está aqui.

Seria interessante ouvir as explicações do então ministro dos Negócios Estrangeiros, João de Deus Pinheiro, sobre os motivos destas votações contraditórias, que ocorreram no mesmo dia. Os EUA e a Grã-Bretanha votaram contra as duas.

A memória não é curta

Numa nota no Facebook, Francisco Louçã lembrou este facto e comentou. “A memória não é curta”.

A eurodeputada Ana Gomes recordou uma outra votação das Nações Unidas sobre as crianças vítimas do apartheid: “Lembro-me de um episódio em 1989, quando tínhamos uma resolução sobre as crianças vítimas do apartheid apresentada pelo grupo africano. Vergonhosamente, tivemos instruções para votar com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, numa posição contrária a essa resolução”, disse à TVI24, acrescentando que “havia muita gente em Portugal que achava que os nossos interesses estavam do lado do apartheid”. O primeiro-ministro era, igualmente, Cavaco Silva.

- Em Carta Maior*Publicado originalmente na Esquerda.net

Angola | “Quero, posso e mando”, diz João Lourenço a Eduardo dos Santos…


O Ministério dos Transportes de Angola refuta os argumentos da empresa privada “Atlantic Ventures”, a propósito da polémica em torno do projecto de construção do Porto do Dande. Refutar, para além de ser um legítimo direito, não significa (pelo menos nos Estados de Direito) ter razão.

O Ministério dos Transportes reagiu ao comunicado que a empresa “Atlantic Ventures” tornou público na última segunda-feira, no qual anunciava que tomaria as medidas necessárias para a protecção dos seus interesses no caso que a opõe ao Estado, sendo que no caso Estado significa Governo.

Em causa está a revogação do Decreto Presidencial 207/2017, que autorizou a concessão do Porto do Dande, assinado pelo ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, pouco antes da entrada em funções do actual Governo.

No seu comunicado, o Ministério dos Transportes afirma ser “falso” que tenha sido, de facto e de direito, concessionado a esta empresa o investimento, o desenvolvimento e a implementação do projecto do Porto da Barra do Dande. Argumenta que uma concessão implicaria a celebração do respectivo ou dos respectivos contratos de concessão.

O Governo precisa que, no caso vertente, “não foram celebrados” contratos nenhuns entre a “Atlantic Ventures” e as entidades públicas legalmente competentes para o efeito, como é o caso do Porto de Luanda.

Segundo o comunicado, o que há, na presente data como na data da publicação do Decreto Presidencial 207/17, é tão-somente a intenção de implementar o empreendimento do Porto da Barra do Dande.

O Ministério dos Transportes desmente, ainda, que a “Atlantic Ventures” tenha sido constituída como uma parceria incluindo investidores privados nacionais e investidores estrangeiros líderes mundiais no sector portuário, e o Porto de Luanda que, em representação do Estado, titularia 40 por cento da empresa.

Segundo o comunicado, nem Isabel dos Santos, nem quaisquer investidores estrangeiros líderes mundiais do sector portuário fazem parte da estrutura accionista da referida empresa.

O Ministério dos Transportes desmente, também, que o Estado titule 40 por cento das acções, através do Porto de Luanda, contrariamente ao comunicado da empresa “Atlantic Ventures”.

Nos termos do comunicado do Governo, fica supostamente evidente que, pelo contrário, a sociedade “Atlantic Ventures” “terá sido propositada e especificamente criada como intermediária para concessão do projecto do Porto da Barra do Dande”.

Tal facto, de acordo com a comunicado, “encareceria o próprio projecto, cuja execução seria feita por outras entidades estrangeiras não vinculadas ao Estado angolano, com todos os riscos de incumprimento das obrigações contratuais”.

O Ministério dos Transportes considera grosseira e abusivamente falsa a afirmação de que, ao abrigo do Contrato de Concessão do Porto do Dande, está prevista a implementação de uma infra-estrutura sem recurso a dinheiro do Estado, e que o projecto será financiado inteiramente pela “Atlantic Ventures”.

A concluir, o Ministério dos Transportes reafirma o seu propósito de levar a cabo um concurso público aberto e transparente, cujas peças e procedimentos estão a ser trabalhadas, e que serão tornadas públicas em devido tempo.

O Presidente João Lourenço, que como ministro do anterior Governo acompanhou e subscreveu (sem qualquer rebuço) a decisão de entregar a obra à “Atlantic Ventures”, anunciou, em Estrasburgo, no seu discurso no Parlamento Europeu, no dia 4 deste mês, a anulação, em Angola, de contratos bilionários, com a construção e gestão de importantes infra-estruturas públicas, como o Porto da Barra do Dande.

João Lourenço justificou a medida com o facto de esses contratos não terem respeitado os mais elementares princípios da transparência e da concorrência. Isto é, o significado de “transparente” e respeitador “da concorrência” varia consoante se é ministrou ou Presidente da República.

Já na sua primeira entrevista colectiva, em Luanda, no dia 8 de Janeiro, à pergunta sobre se o modelo de adjudicação praticado para o Porto da Barra do Dande iria servir para outros tipos de obras públicas, o Presidente João Lourenço respondera: “É evidente que não”.

“Não só para outras obras públicas, mas mesmo para o caso concreto deste projecto do Porto da Barra do Dande, vamos procurar rever todo o processo, no sentido de, enquanto é tempo, e porque o projecto não começou ainda a ser executado, corrigirmos aquilo que nos parece ferir a transparência”, disse João Lourenço.

“Um projecto da dimensão como este, que envolve biliões, com a garantia soberana do Estado, não pode ser entregue de bandeja, como se diz, a um empresário, sem submissão de concurso público”, acrescentou o Presidente da República, contrariando aquela que foi a sua posição enquanto ministro.

JLo convoca todos os seus ventríloquos

Aposição relativa à construção do porto da Barra do Dande foi oficializada numa informação enviada em Maio aos investidores internacionais pelo Governo de João Lourenço.

No documento admite-se que o Governo “pretende construir um segundo porto comercial nas proximidades de Luanda”, na Barra do Dande, com capacidade para movimentar 3,2 milhões de toneladas de carga por ano.

Contudo, como recorda a mesma informação, até ao momento o Governo não emitiu a garantia do Estado aprovada pelo Presidente José Eduardo dos Santos, e refere que “ainda está em processo de avaliação dos aspectos técnicos do projecto”.

O actual porto de Luanda, o maior do país e construído no período colonial português em pleno centro da capital angolana, é propriedade do Estado angolano, mas a operação dos seus terminais está entregue a oito empresas privadas.

O porto de Luanda movimenta aproximadamente 5,4 milhões de toneladas de carga por ano e recebeu obras de modernização de 130 milhões de dólares, concluídas em 2014. Antes disso, recorda o Governo, o porto de Luanda “estava altamente congestionado”, com um tempo médio de espera superior a 10 dias.

Foi noticiado em 29 de Setembro que o Governo deveria emitir uma garantia de Estado de 1.500 milhões de dólares (1.300 milhões de euros) a favor da construção, por privados, do novo porto da Barra do Dande, face ao esgotamento da capacidade do porto de Luanda.

De acordo com um decreto presidencial do mesmo mês, assinado por José Eduardo dos Santos e publicado seis dias antes de João Lourenço chegar ao poder, aprovando o projecto, o novo porto seria construído a cerca de 60 quilómetros para norte de Luanda, em regime de concessão por 30 anos, pela sociedade privada angolana Atlantic Ventures, a qual contaria com uma participação de até 40% pela empresa pública que gere o actual Porto de Luanda.

“O Governo pretende criar as condições necessárias para que a província de Luanda tenha um novo porto de dimensão nacional e internacional com capacidade de abastecimento para todo o país e que, estrategicamente, possa ser, também, um entreposto internacional de mercadores”, lê-se nesse mesmo decreto.

Refere ainda que o porto de Luanda, “de acordo com a evolução registada nos últimos anos nas operações portuárias” e face às “projecções de tráfego realizadas, não logrará, a curto prazo, satisfazer as necessidades de estiva e movimentação de cargas e descargas exigidas pelo comércio nacional e internacional”.

Para o efeito, foi definido pelo Governo (do qual, recorde-se, fazia parte João Lourenço), segundo o mesmo documento, o objectivo estratégico para instalação, na nova cidade do Dande (já na província vizinha do Bengo) do novo porto da capital, serviços associados e uma Zona Económica Especial, reservando para o efeito uma área total de 197,2 quilómetros quadrados e um perímetro de 76,4 quilómetros.

“O Governo considera a construção, a exploração e a manutenção do porto da Barra do Dande um empreendimento prioritário, de interesse nacional e público, considerando ainda que o empreendimento deve ser realizado com recurso a financiamento privado, de acordo com os princípios da eficiência da distribuição, partilha e gestão do risco pela parte que melhor o sabe gerir”, lê-se ainda no referido decreto.

Ficou ainda previsto que a concessão do futuro porto à sociedade “Atlantic Ventures” seja por um período de 30 anos, incluindo a tarefa de licenciamento, concepção, financiamento, projecto, desenvolvimento técnico e sua construção, “em associação com a autoridade do porto de Luanda”.

Transparência ontem, opacidade hoje?

A“Atlantic Ventures” garante que a concessão para construção e operação do porto da Barra do Dande foi feita com “total transparência” e sem violar a lei.

A empresa refere que a concessão do porto da Barra do Dande, “insere-se na concessão de serviços públicos portuários e está sujeita ao regime especialmente previsto, quer na Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas, quer na lei que estabelece as Bases Gerais das Concessões Portuárias”.

“Ou seja, a adjudicação da referida concessão cumpriu todos os requisitos legais à qual estava obrigada, ao abrigo da lei aplicável e respeitou escrupulosamente as leis vigentes em Angola, em todas as etapas do processo. A lei aplicável a este projecto é a lei das concessões portuárias e foi correctamente aplicada pelo anterior Executivo neste processo. A lei dos Contratos Públicos – que poderia ditar a realização de concurso público – não se aplica a contratos de concessões portuárias, ao contrário do que agora assume o actual Executivo”, garante “Atlantic Ventures” na matéria de facto que se presta para fazer chegar tanto aos tribunais nacionais como internacionais.

A ”Atlantic Ventures” salienta que, “uma vez que o valor do investimento não é pago pelo Estado”, sendo assumido pelos investidores, “não existe colateral ou garantia financeira do Estado e, por se tratar de uma concessão, a amortização do custo da obra” seria paga “com a rentabilidade da sua operação portuária, ao longo do tempo”, sem contribuir “para o agravar da dívida pública do país”.

“A lei das concessões portuárias é uma lei específica, com um procedimento próprio, que foi escrupulosamente cumprido, e, ao abrigo da mesma, foi realizada uma negociação entre o Estado e as partes que se propuseram investir, na qual foram discutidos e acordados os termos do investimento, bem como as condições que os investidores devem cumprir e o que devem pagar pela concessão ao Estado. Foi, assim, cumprido o objectivo de chegar a um resultado final que seja equitativo e equilibrado para todas as partes envolvidas”, sublinha ainda a Atlantic Ventures.

Para a empresa, esta concessão, revogada a 28 de Junho, “cumpriu todos os requisitos legais aos quais estava obrigada”, garantindo que “nenhum aspecto da lei de concessões portuárias foi violada e, por isso, todos os trabalhos desenvolvidos tiveram uma base legítima e legal”.

Recorde-se que o projecto do porto da Barra do Dande foi analisado e aprovado em reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros, em 2017, na qual esteve presente João Lourenço, então ministro da Defesa Nacional, e que não mereceu dele a mínima dúvida ou objecção.

“Este processo foi desenvolvido com a total transparência e participação de várias entidades”, garante a Atlantic Ventures.

O investimento neste projecto, segundo a empresa, seria suportado (em regime de construção e concessão por 30 anos) pela Atlantic Ventures e investidores privados, prevendo a construção de 1.600 metros de cais, numa área de cerca de 100 hectares e com uma capacidade para movimentar o equivalente a três milhões de contentores por ano.

Para sustentar a surpresa da decisão de revogar este processo, a empresa recorda que nos últimos meses já foram realizadas reuniões de apresentação com os administradores de todos os portos de Angola pela equipa projectista e líder mundial Royal HaskoningDHV Engineering, em representação dos investidores privados, além de outras duas reuniões técnicas com as restantes entidades envolvidas.

Foram igualmente realizadas reuniões com operadores portuários, um ‘roadshow’ para captar investimento internacional, executados projectos de engenharia, adjudicado o contrato de impacto ambiental à empresa angolana Holisticos e realizados os levantamentos dos dados oceanográficos pela empresa angolana Geosurveys.

“De realçar que, para o país, esta concessão significa ter um porto construído em 24 meses sem recurso ao Orçamento Geral do Estado, com operadores portuários a funcionar de forma eficiente, diminuindo assim os custos portuários e contribuindo directamente para reduzir os custos da importação e exportação”, concluiu a Atlantic Ventures, assumindo ainda, com desenvolvimento do novo porto e área adjacente, a criação de 5.000 novos empregos nos próximos anos.

Um retrato do desemprego em Angola


Em Angola, cerca de 46% dos jovens não tem emprego. Por isso, dezenas de angolanos foram este fim-de-semana para as ruas protestar. Governo reconhece o problema, mas diz que é preciso esperar por crescimento económico.

Frederico Kariongo está há quatro anos à procura de um emprego. O jovem de 27 anos diz que se farta de enviar candidaturas, mas a resposta é sempre negativa.

"Nunca me cansei de procurar emprego, mas não está a aparecer", conta Kariongo em entrevista à DW África.

"Você deixa um documento [na empresa], mas não chamam. Tenho atestado médico, atestado de residência e registo criminal - todos os documentos que pedem numa empresa, eu tenho, mas os documentos já vão caducar."

O Governo angolano reconhece que o nível de desemprego é preocupante no país. 20% da população em idade ativa está desempregada, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística divulgados no ano passado. Os jovens são os mais afetados - 46% não tem emprego.

Para sobreviver, alguns, como Frederico Kariongo, dependem de familiares; outros dedicam-se a negócios informais ou fazem biscates.

Crise económica

O desemprego piorou com a crise económica e financeira em Angola, desde 2015. O preço do crude caiu no mercado internacional, e, como o país está dependente das exportações de petróleo, entraram menos divisas. Muitas empresas foram obrigadas a fechar as portas e milhares de cidadãos ficaram desempregados.

Geraldo Wanga, presidente da Associação Nova Aliança dos Taxistas (A-NATA), diz que, só no seu setor, 2.335 jovens ficaram sem emprego.

"Fruto do contexto social e económico que o país atravessa, alguns empresários perderam o poder financeiro de investir no setor. Baixou consideravelmente a compra de veículos automóveis destinados à atividade de táxi e, em função disso, tem vindo a aumentar o número de jovens taxistas desempregados", diz.

Além da crise, uma questão que preocupa os jovens estudantes é o facto de, depois da formação, ser difícil arranjar emprego por causa da corrupção e de compadrios: "Há a questão do favoritismo, o 'primismo'; temos de pagar alguma coisa para estarmos empregados. As pessoas sem 'padrinho na cozinha' não conseguem ter o primeiro emprego", afirma Francisco Teixeira, presidente do Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA). 

Cumprir as promessas

No sábado (21.07), cerca de 40 pessoas saíram às ruas de Luanda para se manifestar contra o elevado nível de desemprego em Angola - houve também protestos marcados nas províncias do Bengo, Malanje, Bié, Benguela e Moxico.

Durante a campanha eleitoral, o Presidente João Lourenço prometeu criar 500 mil empregos até 2021. Mas o Governo não está a cumprir a promessa, segundo o ativista Arante Kivuvu, um dos membros da organização do protesto na capital angolana.

"Queremos pressionar o Governo para que altere as suas políticas, para que os jovens consigam emprego com urgência", disse Kivuvu.

"O desemprego traz consigo consequências, o jovem não se consegue realizar na vida. Enquanto o Governo não criar políticas sérias, vamos continuar a reivindicar até que o problema seja resolvido".

O ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, garante estar atento à situação, e tem um plano: impulsionar a formação profissional em Angola. Mas o governante avisa que o combate ao desemprego depende do crescimento económico.

"Não temos qualquer dúvida de que o sistema nacional de formação profissional pode contribuir de modo significativo para a redução da taxa de desemprego no país ao renovar os níveis de empregabilidade da população e, em particular, da nossa juventude. Sem crescimento económico, não há aumento de emprego", concluiu.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Para 82% dos guineenses, país está na direção errada


Sondagem inédita na Guiné-Bissau revela que grande parte da população não confia nos políticos. Estudo "Vozes do Povo" coloca PAIGC como favorito nas eleições legislativas.

82% dos guineenses não gostam do rumo que o seu país está a tomar, e 74% acham que a situação económica da Guiné-Bissau é má ou muito má. Os dados são da sondagem "Vozes do Povo", divulgada esta quarta-feira (18.07) pela organização não-governamental "DEMOS - Centro pela Democracia, Criatividade e Inclusão Social", que revela ainda que grande parte da população deixou de confiar nos políticos.

"O povo não gosta da injustiça social no país e não gosta de ver que uma classe política minoritária seja privilegiada, deixando de lado os seus interesses. Há uma preocupação de que as disputas políticas dêem origem a conflitos violentos na Guiné-Bissau. Há também um descontentamento grande na forma como os dirigentes dos partidos estão a conduzir o país", afirmou à DW África Miguel Carter, diretor do DEMOS.

A sondagem financiada pela União Europeia (UE) mostra que, se as eleições legislativas fossem agora, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) conquistaria 42% dos votos, o Partido da Renovação Social (PRS) ficaria com 20% e o grupo dos 15 deputados expulsos do PAIGC somaria apenas 3%.

O representante da UE na Guiné-Bissau, Vítor Madeira dos Santos, frisa que cabe agora aos atores políticos melhorar as estatísticas. "Os dados são indicativos e os atores políticos podem lê-los da maneira que quiserem. Agora, eles refletem, sim, e de uma amostragem com uma margem de erro bastante limitada, aquilo que os guineenses fariam se fosse hoje", diz.
   
Retrato social

Madeira dos Santos considera que o estudo é um instrumento importante para compreender a condição social da população da Guiné-Bissau. "Cerca de 30% dos guineenses não completaram sequer os estudos primários, mas isso é extremamente importante para a compreensão de questões mais complexas que a população não sabia responder", explica.

"Cerca de 50% dos inquiridos tiveram muitas dificuldades em responder o que é a democracia, mas aqueles que responderam sabem bem o que ela representa, e sabem, sobretudo, que não querem viver numa ditadura", acrescenta. 

O estudo "Vozes do Povo" é tido como uma pesquisa inédita, ao revelar as opiniões da sociedade guineense como um todo sobre um vasto leque de temas, incluindo a vida pública do país, a qualidade da governação e a sociedade. A pesquisa mostra, por exemplo, que um em cada quatro guineenses tem dificuldades em aceder a comida e metade da população tem problemas no acesso à água, sobretudo no interior do país.

A sondagem baseia-se numa metodologia do Afrobarómetro, que promove sondagens noutros 37 países africanos. A amostra foram 1.200 pessoas, residentes em 150 distritos, distribuídas por todo o território nacional. Os dados foram recolhidos entre 17 de junho e 8 de julho deste ano.

Braima Darame (Bissau) | Deutsche Welle

Guiné-Bissau: Recenseamento eleitoral arranca a 23 de agosto


O Governo guineense fixou as datas de 23 de agosto a 23 de setembro para o recenseamento de eleitores e reafirmou a sua determinação em realizar eleições legislativas no dia 18 de novembro.

Em comunicado a que a agência de notícias Lusa teve acesso, esta segunda-feira (23.07), a ministra da Administração Territorial, Ester Fernandes, adiantou que os locais e os horários do recenseamento eleitoral serão oportunamente anunciados, através dos órgãos de comunicação social.

Em conselho de ministros, o Executivo liderado por Aristides Gomes decidiu proceder ao registo biométrico de novos eleitores e dar-lhes um recibo que será substituído no momento da entrega dos cartões no GTAPE (Gabinete Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral) em Bissau e nas regiões. Em vez de cartões de eleitorais em plástico PVC (policloreto de polivinila) o Governo guineense decidiu emitir cartões laminados.

Ultimar as questões técnicas

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) projeta registar cerca de um milhão de novos eleitores.

Um conselho de ministros especial foi marcado para esta segunda-feira, tendo como pano de fundo ultimar as questões técnicas sobre o recenseamento eleitoral e, sobretudo, decidir como proceder para a aquisição de equipamentos do registo, indicou à Lusa fonte governamental.

A reunião vai decidir se o Governo aluga a uma empresa especializada ou pede emprestado os equipamentos do recenseamento eleitoral a Portugal, Timor-Leste ou à Nigéria.

Lusa | em Deutsche Welle

Ao serviço do porno-riquismo


Se as ideias dominantes são as ideias da elite dominante, se estamos numa forma de capitalismo histórico com desigualdades de novo pornográficas e com formas correspondentes de consumo ostentatório – o porno-riquismo –, então não é de espantar que os centros (re)produtores de conhecimento traduzam de formas cada vez mais variadas o estado de coisas fixado pelo dinheiro concentrado.

Por exemplo, já temos actividades ditas de formação para executivos na área do luxo, marcas de luxo, casas de luxo, todo o conhecimento ao serviço do egoísmo a que os ricos são atreitos, da emulação consumista assim gerada, do desperdício sistemático, da busca incessante, e de soma nula, de distinção e de posição sociais, em que para uns terem outros têm necessariamente de ser excluídos. Trata-se de um conhecimento ao serviço do porno-riquismo. Este tipo de conhecimento, ainda que de formas por vezes menos directas, é, na realidade, apanágio de toda a sabedoria económica convencional.

Existe hoje toda uma imprensa moralmente corrosiva que ecoa este conhecimento, idolatrando os ricos cada vez mais ricos, os que circulam frequentemente em busca de vantagens fiscais, os grandes beneficiários de paraísos fiscais, dos chamados vistos gold e de outras prebendas associadas à circulação sem entraves do capital. Esta liberdade de circulação foi reconquistada nos anos oitenta e noventa graças à integração europeia, não se esqueçam. A liberdade de uns é a submissão de outros. Os cada vez mais exigentes standards pecuniários dos ricos cada vez mais ricos infectam cada vez mais este país.

Numa homenagem certamente inadvertida ao economista institucionalista Thorestein Veblen, o Diário de Notícias (DN), em versão agora minguada, tem um suplemento mensal dedicado ao luxo chamado Ócio. Veblen foi o autor, em 1899, do agora clássico A Teoria da Classe Ociosa, que será em breve editado entre nós, cunhador aí da noção de consumo conspícuo e um dos seus analistas críticos mais lúcidos. Um livro de uma era anterior de porno-riquismo que nos deixa pistas bem úteis para esta nova era de desigualdades pornográficas.

Entretanto, a coordenadora de cursos universitários dedicados ao luxo, Helena Amaral Neto, que já naturalmente escreveu para este suplemento, tinha antes afirmado ao DN que a arrancada do luxo no país data por sinal do ano dois da troika, 2012, estando associado ao “movimento do imobiliário, que depois gerou turismo”. Todo um país desigualmente pornográfico, em modo Florida da Europa, começava a ser literal e mateforicamente reconstruído.

Aqui chegados, e para atar provisoriamente as pontas soltas, sugiro que revisitemos a declaração de Miguel Sousa Guedes, CEO da Amorim Luxury e marido da milionária-herdeira Paula Amorim: “não podemos ter pessoas de classe média ou média baixa a morar em prédios classificados”. É preciso não esquecer que o apelido Amorim está associado ao luxo, mas também ao rentismo fundiário e à especulação imobiliária, tendo a Herdade da Comporta agora na sua mira, sem esquecer o fundamental: a Amorim Energia, empresa sediada na Holanda para receber dividendos, com o mínimo de impostos, da Galp. Ou seja, estão sempre a beneficiar fiscalmente. E isto está ludo pornograficamente ligado pela integração europeia, o nome da globalização mais intensa em parte deste continente.

Ex-deputado do PSD ganha meio milhão num dia em negócio com o GES


António Preto, que foi deputado do PSD entre 2002 e 2011, fez a 2 de setembro de 2016 uma apetecível mais valia: no mesmo dia comprou um terreno na Amadora ao GES por 1,5 milhões e revendeu-o à empresa Dekra por 2 milhões

O advogado António Silva Preto, que foi deputado pelo Partido Social Democrata (PSD) entre 2002 e 2009, conseguiu em 2016 tornar-se “meio milionário” numa questão de horas: a 2 de setembro de 2016 comprou um lote de terreno a um fundo do Grupo Espírito Santo (GES) por 1,5 milhões de euros e logo de seguida revendeu-o à empresa de inspeções automóveis Dekra por 2 milhões.

O negócio foi alvo de uma queixa que a empresa Pharol SGPS enviou ao Banco de Portugal e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), denunciando a atuação da gestora do fundo em causa, a Gesfimo, como o Expresso noticia na sua edição deste sábado. A Pharol, recorde-se, é credora da Rio Forte (braço não financeiro do GES), por ter ficado com o crédito das aplicações de tesouraria que a antiga Portugal Telecom fez no GES, estando há vários anos a tentar recuperar o dinheiro.

O negócio que envolveu António Preto foi feito e escriturado num só dia, mas o advogado garante ao Expresso que antes das duas escrituras (a da compra do terreno ao Invesfundo e a da venda do mesmo imóvel à Dekra) houve um processo negocial que levou mais tempo.

O administrador da Dekra em Portugal, Sérgio Vitorino, disse ao Expresso que o terreno em causa tem 14.400 metros quadrados. O gestor confirma os 2 milhões pagos pelo imóvel, mas assegura que não sabia que António Preto o tinha adquirido por 1,5 milhões.

O interesse da Dekra no terreno, o Lote 3 do Marconi Parque, na Venteira, na Amadora, vinha já de 2014. Nesse ano, segundo Sérgio Vitorino, o Invesfundo pediu pelo imóvel 2,4 milhões de euros. O Invesfundo reporta no relatório e contas de 2014 que chegou a firmar em 2014 um contrato-promessa de compra e venda com a Dekra, mas no ano seguinte o contrato foi resolvido, alegadamente por incumprimento da Dekra.

Ora, em 2015 já o BES tinha colapsado: a medida de resolução do Banco de Portugal foi tomada em agosto de 2014. Segundo António Preto, isso provocou uma “alteração de circunstâncias”, da qual a sua empresa, a Barrocas & Preto, tirou partido.

Sérgio Vitorino conta que em 2015 a Dekra não não aceitou adquirir o lote, uma vez que tinha uma avaliação independente de 2,15 milhões de euros. O valor patrimonial tributário daquele terreno era de 2,01 milhões.

“No verão de 2016 a Barrocas & Preto propôs-nos a venda por 2 milhões de euros. Valor esse que aceitámos, considerando que o lote tem 14.400 metros quadrados e que nos permite construir um centro de inspeções e a sede da empresa com capacidade para 500 colaboradores. Ou seja, não tínhamos conhecimento do preço a que a Barrocas & Preto tinha comprado o mesmo”, explica o administrador da Dekra.

Já António Preto garante que o negócio foi feito com total transparência, uma vez que na escritura de venda à Dekra ficou referido que o imóvel tinha sido adquirido no mesmo dia pela Barrocas & Preto ao Invesfundo. “Eu quis fazer isto com toda a clareza, não usei nenhum tapume”, afirmou o antigo deputado ao Expresso. “Eu apareci quando o negócio estava morto e encontrei uma oportunidade de negócio”, acrescentou.

“O DINHEIRO ESTÁ NA MINHA CONTA, QUEM QUISER PODE VER”

Questionado sobre se o ganho de meio milhão de euros ficou exclusivamente para si ou foi partilhado com terceiros, António Preto garante que a mais-valia ficou para si. “O dinheiro está na minha conta. Quem quiser ir ver vê à vontade”, declarou.

As contas da Barrocas & Preto consultadas pelo Expresso revelam que depois do negócio de setembro de 2016 a empresa não voltou a ter nenhum negócio daquela amplitude. A empresa de António Preto fechou 2017 com capitais próprios de 697 mil euros.

António Preto disse ainda ao Expresso que as mais-valias na compra e venda de imóveis são “normais” e que o próprio ainda recentemente conseguiu alguns ganhos com a compra de imóveis de empresas em insolvência para posterior revenda.

Segundo as contas de 2016 da Barrocas & Preto, o resultado da empresa nesse ano foi de 536 mil euros, sobre os quais pagou um imposto de 8.167 euros. Em 2017 a empresa teve um lucro de 1677 euros, sobre o qual pagou IRC de 340 euros.

Miguel Prado | Expresso | Foto: António Pedro, por João Carlos Santos

Centeno reafirma alinhamento com imposições de Bruxelas


«O objectivo é cumprir o défice», disse Mário Centeno sobre a política orçamental do Governo e o trabalho do Ministério que dirige. Só depois refere como objectivos «que os serviços públicos funcionem e que haja verbas ao longo de todo o ano sem serem necessários orçamentos rectificativos».

As afirmações do ministro das Finanças surgem pouco depois de o seu colega de Governo Augusto Santos Silva ter assumido que o cumprimento das regras orçamentais da União Europeia é algo que o Executivo não questiona: «Não podemos avançar mais, de forma a pôr em causa os restantes compromissos que assumimos, designadamente as metas de défice orçamental», afirmou.

Centena procura ainda afastar aumentos salariais para os trabalhadores da Administração Pública no próximo ano, dizendo que isso não consta do programa do Governo, assim como um novo aumento extraordinário das pensões. No entanto, este último – que se verificou em 2017 e se irá concretizar de novo em Agosto próximo – também não constava do programa do Governo, o que não impediu que se viesse a materializar por proposta do PCP.

Mesmo com contas erradas, Governo insiste em violar OE2018

Sobre as progressões nas carreiras em que o tempo de serviço é o principal factor, o ministro das Finanças insiste no argumento financeiro para não cumprir o Orçamento do Estado (OE) para 2018, que impõe a contagem de todo o tempo de serviço em que estas estiveram congeladas: nove anos, quatro meses e dois dias.

Centeno admite, no entanto, que as contas que o Governo fez sobre o custo do descongelamento para os professores estavam erradas (agora refere 37 milhões de euros, em vez dos 90 milhões orçamentados), o que parece justificar o entendimento com a plataforma sindical para que as contas sobre o peso da contagem do tempo sejam refeitas.

Os professores têm defendido que o valor em causa é significativamente inferior ao que o Governo difundiu, mas há ainda um outro elemento que fragiliza os argumentos do Governo – tanto em relação aos professores como a outras carreiras em que o modelo de contagem do tempo está em negociação: o que os trabalhadores estão a exigir é que seja cumprido o direito à carreira e que deixem de ser prejudicados pelas decisões deste e dos anteriores governos, que congelaram as progressões, até porque já passaram mais de nove anos sem progredir como deveriam.

Números preocupantes na Saúde e investimento, ministra olha para o lado

Mário Centeno entrou ainda na polémica sobre o orçamento da Saúde, dizendo que o OE2018 tem mais 700 milhões de euros para o sector do que o OE2015. No entanto, ainda no sábado o Expresso noticiava que, em percentagem do produto interno bruto (PIB), o orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é o mais baixo desde 2003.

Recorde-se ainda que, de acordo com dados recolhidos pelo AbrilAbril, mais de 40% da despesa do SNS não serve para pagar salários ou despesas de funcionamento, mas vai para o sector privado da Saúde: entre exames complementares de diagnóstico, parcerias público-privado e outras subcontratações, receberam 3,8 mil milhões de euros no ano passado.

Segundo dados do Jornal de Negócios, publicados em Fevereiro, 51% das receitas dos hospitais privados vêm dos cofres públicos, particularmente do SNS e da ADSE.

O ministro das Finanças revelou ainda que o Governo espera reforçar o investimento público com o lançamento da construção dos hospitais do Seixal e Lisboa Oriental, mas também na ferrovia. No entanto, Centeno  reconhece que este continua em níveis historicamente baixos essencialmente por uma razão: para cumprir os objectivos exigidos por Bruxelas, o corte no investimento público tem ajudado muito.

AbrilAbril | Foto: Stephanie Lecocq/EPA / Agência Lusa

ERA UMA VEZ O COMUNISMO, QUE DEU LUGAR AO CONSUMISMO COMPULSIVO



Um Curto muito curto de luz limitada contradiz o adágio composto por “Candeias à frente iluminam duas vezes”. Mas há candeias que não iluminam nada, ao princípio. Só lá mais para o fim.

Vai haver quem não goste nada de ler o atrás. Provavelmente nem o à frente. Paciência. Mas pior só a seguir. Provavelmente nem entendem nadinha do que está a ser aqui escarrapachado. Pois, é uma questão de interpretação. Explicar melhor? Não. Este é o Curto do Expresso e é para lá que vão. Estamos na época estúpida do ano nesta coisa das letras impressas e/ou online, nas notícias, nas férias, na dita falta de notícias… Mentira. Levantem lá o traseiro da cadeira e saiam para as ruas, para os casarios dos pobretanas, para os tais bairros sociais, reportem a miséria, as injustiças, os casos escabrosos. Ou embrenhem-se no interior do país e deixem de ver “bonito” o que é feio e um atraso de vidas. Deixem-se de merdas e trabalhem no duro. Ganham para isso e muito mais. Gastem menos com essas manias das grandezas. Pois. Quem? Ora, eles sabem quem. Só se pica quem tem as barbas na fossa deste consumismo desbragado, os cabeças tontas. E depois dizem que ganham pouco, apesar de contabilizarem mensalmente vários salários mínimos… Porra, e mesmo assim o dinheiro não chega? Têm de recorrer a empréstimos? A pagar juros e prestações disto e daquilo. 

Pois não chega, há por aí muitos que dias antes de receberem têm de limpar o “sim-senhor” a folhas de edições de propaganda dos supermercados e outras publicidades que encafuam nas caixas de correio, porque nem já há para comprar papel higiénico. Enfim, até que esta é a realidade de uns quantos (muitos) desses tais que dizem e choram-se por ganharem pouco apesar de contabilizarem mensalmente vários salários mínimos (repetição). Ganham pouco ou gastam à toa e demasiado? Pois. Manias das grandezas. Que tal visitarem o psiquiatra ou similar? Ou ganharem consciência da porcaria de sociedade em que estamos inseridos... Bem, há os que estão à margem. Os marginais.

Adiante. Adiante pode ler o Curto. Bom dia, boa semana. Saúde, sorte, dinheiro para gastos e boas festas aos animais. (MM | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Pedro Candeias | Expresso

O fim do comunismo, as capitulares de Trump, a retenção de crianças e os bebés por encomenda

No primeiro dia de 1959, o ditador Fulgencio Batista fugiu de Cuba para a República Dominicana – mais tarde fugiria para o Funchal –, o guerrilheiro Fidel Castro tomou o poder e o mundo mudou outra vez, desta vez a partir de uma pequena ilha comunista a menos de 400 quilómetros de Miami.

Inevitavelmente, porque o território era limitado e geograficamente desirmanado da Mãe-Rússia, Cuba acabou isolada numa bolha ideológica e física, fechando-se dentro dela com os cubanos, com o regime e os seus ideais, virtudes e defeitos.

Um deles, talvez o maior de todos, a intolerância à diferença, e poucas coisas a representaram tão bem como as UMAP, as Unidades Militares de Ayuda a La Produción, suavização para campos de trabalho forçado de 60-horas-semanais-a-sete-pesos-por-mês.

Era para lá que se enviavam os homens que não queriam cumprir serviço militar (daí, Unidades Militares) por objeção de consciência, mas também os homens religiosos, como Testemunhas de Jeová, e os homossexuais, que eram identificados nas ruas de Havana pelas calças apertadas, óculos escuros e sandálias.

A viril Cuba não podia permitir.

Há relatos de tratamentos de choque e de hormonas e maus tratos avulso; e há um filme extraordinário que explica as UMAP e que é, também, o título de um livro: “Antes Que Anochezca”, de Julian Schnabel com Javier Bardem, que conta a vida do escritor Reinaldo Arenas, homossexual e contestatário de Fidel, que fugiu do país durante o Êxodo de Mariel. 

Ora, porquê esta introdução de cinco parágrafos com histórias do passado?

Porque, aparentemente, Cuba deixou de ser comunista - e o mundo vai mudar um bocadinho mais.

Contexto: a Assembleia Nacional prepara o anteprojeto para uma reforma constitucional histórica com 87 novos artigos e 117 modificações aos anteriores.

Conclusão: esta nova “Carta Magna” prevê, entre outras coisas, o direito à propriedade privada e a figura do primeiro-ministro, lançando as bases para uma uma espécie de liberalismo económico – tudo, claro, devidamente condicionado e supervisionado pelos desígnios do socialismo cubano. Porque “isto não quer dizer que renunciamos às nossas ideias”, atirou Esteban Laz, presidente da Assembleia Nacional.

Por outro lado, a Cuba renascida reconhecerá as relações homossexuais, já que a “Carta Magna” revista fala em “casamentos entre duas pessoas” e não entre “um homem e uma mulher”. E sobre isso falou Mariela Castro, filha de Raúl e sobrinha de Fidel, que é deputada e diretora do Centro Nacional para a Educação Sexual. “Com esta proposta de regulação constitucional, Cuba situa-se entre os países da vanguarda ao nível do reconhecimento e da garantia dos direitos humanos”.

Contexto: Mariela Castro é a imagem do modernismo possível dentro de um país anacrónico. Acontece que ela é, digamos assim, ligeiramente ambígua, como este texto do El País explica: um dia, questionada sobre o escritor Reinaldo Arenas, falou em sobrevalorização cinematográfica de um autor mentiroso e pedófilo.
Conclusão: é complicado

P.S. O povo cubano irá ser consultado sobre esta nova constituição entre 13 de agosto e 15 de novembro.

OUTRAS NOTÍCIAS

A notícia foi manchete do “Público” de domingo, mas as reações mantiveram-na a pular de noticiário em noticiário até esta segunda-feira: o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras deteve vinte menores em 2017 no CIT (Centro de Instalação Temporária) no aeroporto de Lisboa; a jornalista descreve uma “bebé de três anos” que está “detida há mês e meio”, o que representa uma clara “violação da convenção dos direitos da criança”. A primeira reação foi do SEF: as crianças não estão “detidas” e sim “retidas” - uma questão semântica - alertando para um aumento de “indocumentados e fortes indícios de tráfico de menores”. Depois, o PSD, por Duarte Marques, que disse que “Portugal tem uma tradição e prática política” de acolher bem. E em terceiro, o BE, por José Manuel Pureza, afirmou “o Estado português é estado parte na Convenção dos Direitos da Criança e portanto ou leva a sério essa circunstância ou, se não leva, a situação é grave”. Acho que todos concordamos com isto.

O que também é grave para a generalidade do planeta, mas na singular cabeça de Donald Trump nem por isso, são as constantes informações que o vão colando a um grande esquema de conluio com a Rússia de Putin durante a campanha para as presidenciais. No domingo, a Administração Trump revelou documentos e transcrições de gravações confidenciais da investigação do FBI a um dos antigos conselheiros de Trump, Carter Page, com o objetivo de mostrar que o processo está inquinado desde o início. “É cada vez mais claro que a campanha de Trump foi ilegalmente espiada para ganhos políticos da Crooked Hillary Clinton e dos democratas”, lançou The Donald no Twitter. O New York Times escreve que o presidente deixou convenientemente de fora dos 280 carateres as suspeitas do FBI sobre Page, pois nos documentos está especificado isto: “O bureau acredita que Page foi um dos alvos de recrutamento da Rússia e que estava a colaborar e conspirar com os russos”. Adiante, que as miudezas não lhe interessam, apenas as capitulares do Twitter com ameaças musculadas ao Irão para criar cortinas de fumo – é que, na quarta-feira, Paul Manafort, outro antigo conselheiro sinistro, irá a julgamento.

Farto de julgamentos públicos, Mesut Özil deixou a seleção da Alemanha. Num longo comunicado, o internacional acusou de racismo o presidente da federação alemã de futebol e também alguns media e figurões da sociedade germânica. “Chamaram-me porco turco e violador de cabras e mandaram-me para Anatólia. Quando a Alemanha ganha, sou alemão,quando perde, sou turco”, escreveu Özil no comunicado. As críticas ao talentoso médio ofensivo aceleraram quando tirou uma fotografia com o presidente Erdogan.

Por fim, o pacífico, evoluído e democrata Canadá de Trudeau volta a não ficar bem na foto: um tiroteio em Toronto resultou em duas mortes (uma delas, a do atirador) e 13 feridos, sendo que, no meio destes, há uma menor ainda em estado crítico. Há relatos de 25 tiros um país em que, escreve o Expresso, as mortes por violência armada na cidade canadiana aumentaram 53% até ao momento, em relação a igual período do ano passado. Ainda de acordo com informações da polícia, divulgadas na semana passada, o número de tiroteios subiu 13.

Manchetes dos jornais:
“Jornal de Notícias”: “Rendas em atraso nos bairros sociais somam 48 milhões”
“Correio da Manhã”: “Centeno trava carreiras na função pública”
“Público”: “Professores? ‘O OE é para todos os portugueses’”
“I”: “Festivais obrigam os agentes a trabalhar em dias de folga”
“Jornal de Negócios”: “Idade média da reforma no privado sobre para 64 anos”

FRASES

“Nos anos 90 os árbitros eram compravam-se árbitros como se compram tremoços. Trios de arbitragem, não era só o árbitro” Manuel-decano-dos-decanos-José, em entrevista à Tribuna Expresso

“Atenção, este não é um movimento de apoio à minha candidatura, mas sim para garantir que todos os sócios poderão concorrer livremente às eleições de 8 de setembro” Bruno de Carvalho, no sítio do costume, a propósito de uma recolha de assinaturas que decorre esta segunda-feira

“Deputados nunca deviam ter feito acordo. Se Manuel Pinho não queria falar sobre isto, não ia. Tem algo a esconder” Marques Mendes, na SIC, sobre as não-respostas de Manuel Pinho, um clássico à portuguesa

“Não há nada pior para a estabilidade política do que ter políticos que, de repente, se tornam impacientes” Manuel-zen- Centeno, em entrevista ao “Público”

“Ronaldo é um pouco narcisista e infantil” John Carlin, fã assumido e irredutível de Messi e do Barcelona, entrevistado pelo “DN”

O QUE ANDO A LER

É impossível ignorar as premissas: hoje, é mais provável morrer por comer em demasia do que por fome, há mais gente a morrer por suicídio do que em guerras ou crimes violentos. Em “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”, a sequela de “Homo Sapiens”, o autor Yuval Noah Harari traça-nos cinicamente um futuro dominado pela tecnologia e pelo Homem que quer assumir o papel de Deus que matou, transformando o meio em que vive, transformando-se a si na busca pela perfeição.

Harari diz-nos que teremos bébés feitos por encomenda, sem dispensar a consulta prévia num catálogo; que seremos dominados pela fixação criada em torno das métricas e da análise obsessiva dos dados, a que ele chama “dataísmo”; que criaremos uma classe social saudável e com uma esperança média de vida longuíssima, mas perigosamente inútil, porque as máquinas vão substituir o trabalho humano e a isso se chama redundância e exclusão.

O autor traça-nos um cenário apocalíptico de seres supersaudáveis e indistinguíveis uns dos outros que irão querer viver para sempre – e eu não sei muito bem o que achar disto tudo enquanto escrevo este Expresso Curto com um portátil ao colo, um olho nas métricas do Google Analytics, e como aveia integral com fruta dita biológica, por causa das coisas.

VIVA O POVO SANDINISTA DA NICARÁGUA!


A REVOLUÇÃO SANDINISTA FAZ SUA PROVA DE VIDA!

 Martinho Júnior | Luanda

AS RAZÕES DE SANDINO, CONTINUAM A SER AS MAIS LEGÍTIMAS RAZÕES DE LUTA!

São muitos os textos contra Daniel Ortega e sua esposa e há muito que rever na Frente Sandinista de Libertação Nacional, todavia e enquanto houver fôlego anti-imperialista, enquanto a resistência existir no quadro da ALBA, enquanto a Doutrina Monroe for empenhada pelo domínio contra os povos da América, é com os povos que devemos resolutamente estar!...

Daniel Ortega inexoravelmente passa, mas fica o povo sandinista da Nicarágua que tantas provas de luta tem dado ao longo duma história de resistência à prova de império!...

A legalidade constitucional faz parte dessa essência e deve prevalecer honrando a própria democracia!


Por outro lado, o império da Doutrina Monroe, à falta de melhor, recorre às filosofias aplicadas do “golpe suave” ao jeito de Gene Sharp, ou seja, tenta impor uma vontade que nada, radicalmente nada, tem que ver com a Constituição democrática do país, muito menos com a revolução sandinista!

Há por isso que regar a floresta sandinista, manancial único inspirador dos povos da América Central, ainda que haja algumas árvores que tenham começado a apodrecer, ou indiciem estar a apodrecer!...

O tempo trará inexoravelmente a caducidade dessas árvores, por que os seres humanos estão de passagem pela vida e as provas de maturidade só os povos sabem dar, por que só as podem dar ao longo de gerações!

Por isso a floresta precisa manter-se viçosa, mesmo que haja tantas queimadas ao seu derredor, ou mesmo em alguns lugares intestinos!...

É dentro da FSLN e não fora dela que os revolucionários devem cerrar fileiras, por muito subversivo que seja o ambiente interno, onde os impactos neoliberais procuram a todo o transe abrir brechas, manipulando, subvertendo e dividindo!...


Os revolucionários não podem, nem devem ser masoquistas, devem-se inspirar respeitando seu próprio povo e devem ter sempre presente algo que um dia Agostinho Neto disse não só para Angola e os angolanos: AO INIMIGO, NEM UM PALMO DA NOSSA TERRA!...

...e isso ainda que se tenha perdido muito do terreno fértil da revolução!

A FSLN não pode ser uma concha cujo proprietário foi esvaziado para entrar uma outra criatura, uma criatura que advogue contra a sua própria natureza!

Por outro lado, há que levar na devida conta um dos segredos multipolares: quando uma articulação ficar débil, há que acorrer para, por via da luta da solidariedade, do internacionalismo e da clarividência, a reforçar!...

Só assim é possível um multipolarismo capaz de integração solidária, coerente, digna e inteligente!...

Esse segredo deve ser cultivado quando há projectos com sinal multipolar de ordem geoestratégica, como o é, na Nicarágua, a construção do novo canal ligando o Atlântico ao Pacífico!

É imperioso que o ambiente anti-imperialista transfira todas as suas forças para uma lógica com sentido de vida que se deve saber transmitir aos povos mobilizando-os (essa é uma barricada intransponível quando a maré das adversidades capitalistas neoliberais, ou um avassalador domínio como o da Doutrina Monroe, cai sobre os povos) e, neste caso, cai, com todos os cacetes, sobre povo sandinista da Nicarágua!

Martinho Júnior - Luanda, 15 de Julho de 2018.

Ilustrações:
O império da Doutrina Monroe procura dividir e confundir o povo sandinista da Nicarágua;
Os golpistas afiliados às filosofias do “golpe suave” de Gene Sharp;
Ileana Ross, Marco Rubio e Mario Díaz-Balart, sustentáculos do “golpe suave” na Nicarágua

Textos de suporte:
Daniel Ortega traiu a Revolução sandinista – https://www.resistir.info/mur/nicaragua_12nov16.html
En Nicaragua, la operación Contra Bis está fracassando? – https://www.investigaction.net/es/en-nicaragua-la-operacion-contra-bis-esta-fracasando/

Nova Constituição cubana elimina termo “comunismo”


Membros da Assembleia Nacional começaram a debater texto da nova Carta do país, que prevê ainda o direito à propriedade privada e ao casamento gay. Projeto, entretanto, mantém monopólio do poder do Partido Comunista.

A Assembleia Nacional do Poder Popular de Cuba começou a debater neste sábado (21/07) o texto da nova Constituição do país. O rascunho do texto elimina o termo "comunismo" e inclui o direito à propriedade privada e ainda abre a possibilidade para a legalização do casamento de pessoas do mesmo sexo.

O anteprojeto constitucional, que está sendo submetido a debate pelos mais de 600 deputados da Assembleia, só menciona o "socialismo" como política de Estado, em contraste com o texto vigente desde 1976, que foi influenciado pela União Soviética e que em seu artigo 5 declara o "avanço para a sociedade comunista".

"Isto não quer dizer que renunciamos às nossas ideias, mas que em nossa visão pensamos em um país socialista, soberano, independente, próspero e sustentável", argumentou esta semana o presidente da Assembleia Nacional, Esteban Lazo, durante as sessões preliminares nas quais os deputados estudaram a proposta de reforma constitucional. As discussões devem se estender até segunda-feira.

Para defender a supressão do termo comunismo, Lazo também alegou que a situação atual de Cuba e o contexto internacional são muito diferentes em comparação a 1976, segundo apontou o jornal estatal Granma.

O artigo 21 do novo texto submetido a debate também reconhece "outras formas de propriedade como a cooperativa, a propriedade mista e a propriedade privada", e admite o investimento estrangeiro como "uma necessidade e um elemento importante do desenvolvimento".

Estas mudanças buscam adaptar a Constituição à nova realidade econômica de Cuba. Durante as reformas promovidas durante o governo de Raúl Castro surgiram vários negócios privados, mas a ilha ainda sofre com uma persistente crise econômica.

Os artigos dedicados à economia no novo texto marcam uma grande diferença com relação à atual Carta Magna, que só reconhece a propriedade estatal e a cooperativa agropecuária, em linha com o modelo de Estado comunista aplicado no país por Fidel Castro após a Revolução de 1959.

Mesmo assim, o anteprojeto submetido a debate a partir de hoje ratifica o papel do Estado ao estabelecer que "a empresa estatal é o sujeito principal da economia como gerador da riqueza do país" e que "a propriedade socialista de todo o povo é o núcleo fundamental".

No âmbito político, o texto da minuta confirma que não haverá mudanças no "caráter socialista do sistema político e social" e mantém como "força dirigente superior" o Partido Comunista de Cuba, embora institua a figura do presidente da República, limite seu mandato a dez anos e proponha a criação do cargo de primeiro-ministro.

Casamento gay

O projeto de reforma constitucional também propõe definir o casamento como "união entre duas pessoas", o que abriria a porta para a legalização das uniões homossexuais.

A Constituição vigente define o casamento "como a união arranjada voluntariamente entre um homem e uma mulher", o que impede por enquanto a aprovação de uma modificação no código de família para legalizar as uniões entre pessoas do mesmo sexo.

O secretário do Conselho de Estado da ilha, Homero Acosta, explicou aos deputados que o conceito de casamento será modificado de modo para "não especificar de que sexo são as pessoas que o formariam".

"Não diz que se trata de casamento igualitário, apenas rompe com essa barreira de maneira que no futuro se poderia incorporar", disse Acosta na emissora televisão estatal, que transmite com uma hora de atraso os debates no plenário da Assembleia Nacional, ao qual não tem acesso a imprensa estrangeira.

Acosta, veterano integrante da cúpula estatal cubana, ressaltou que "a nova Constituição não podia fugir deste assunto, que foi analisado e debatido" pela comissão encarregada da reforma da Carta Magna, dirigida pelo ex-presidente e líder do governante Partido Comunista de Cuba, Raúl castro.

"Não somos os primeiros, nem seríamos a vanguarda neste tema pois há cerca de 24 países que têm incorporado este conceito. Não podíamos dar as costas a este assunto ao elaborar um novo projeto constitucional", destacou.

Este seria um enorme passo a favor dos direitos LGTBI na ilha, uma sociedade ainda muito conservadora em temas de liberdade sexual e onde até algumas décadas atrás se perseguia os homossexuais para interná-los em campos de trabalho, as chamadas Unidades Militares de Ajuda à Produção (UMAP).

JPS/efe | Deutsche Welle

Demência em massa no establishment ocidental


– Donald Trump terá sido eleito pela Rússia? 

– Reacção dos media de referência à reunião Trump-Putin

Diana Johnstone [*]

Por onde começar a analisar a loucura dos media de referência em reacção à reunião Trump-Putín em Helsínquia? Ao concentrar-se na psicologia individual, a psicologia relegou o problema da insânia em massa, a qual agora subjugou o establishment dos Estados Unidos, seus mass media e a maior parte dos macacos de imitação europeus. Os indivíduos podem ser sãos, mas como uma manada eles estão prontos para saltar o abismo.

Durante os últimos dois anos, um grupo de poder específico tentou explicar a sua perda de poder – ou antes, a sua perda da presidência, pois ele ainda predomina no poder institucional – através da criação de um mito. Os media de referência são conhecidos pelo seu comportamento de manada e, neste caso, editores, comentadores, jornalistas apresentaram uma narrativa em que inicialmente eles próprios dificilmente poderiam acreditar.

Donald Trump terá sido eleito pela Rússia?

À primeira vista, isto é absurdo. Claro, os Estados Unidos podem forjar eleições fraudulentas nas Honduras, ou na Sérvia, ou mesmo na Ucrânia, mas os EUA são demasiado grande e complexo para deixar a escolha da Presidência a uma barragem de mensagens electrónicas totalmente não lidas pela maior parte dos eleitores. Se isto fosse assim, a Rússia não precisaria tentar "minar nossa democracia". Isto significaria que a nossa democracia já estava minada, em cacos, morta. Um cadáver em pé pronto para ser derrubado por um tweet.

Mesmo se, como é alegado sem provas, um exército de bots russos (ainda mais vasto do que os notórios bots do exército israelense) estivesse a assediar os media sociais com as suas calúnias nefastas contra a pobre e inocente Hillary Clinton, isto poderia determinar uma eleição apenas num vácuo, sem outras influências no campo. Mas havia muitas outras coisas a acontecerem nas eleições de 2016, algumas a favor de Trump e outras de Hillary, e a própria Hillary marcou deu próprio objectivo crucial ao denegrir milhões de americanos como “deploráveis” porque eles não se ajustavam na política de identidade dos seus círculos eleitorais.

Os russos nada podiam fazer para dar apoio a Trump e não há nem um indício de prova de que o tenham tentado. Eles poderiam ter feito alguma coisa para prejudicar Hillary, porque havia muito ali: os emails do seu servidor privado; a fundação Clinton; o assassinato de Gaddafi; o pedido de uma zona de exclusão aérea na Síria ... eles não precisavam inventar isto. Estava lá. O mesmo aconteceu com a promiscuidade do Comitê Nacional Democrata (CND), sobre o qual as acusações se concentram clintonitas, talvez para fazer com que todos esqueçam coisas muito piores.

Quando se chega a pensar nisto, o escândalo do CND centrou-se em Debbie Wasserman Schultz, não na própria Hillary. Berrar acerca de "russos a hackearem o CND" tem sido um diversionismo em relação a acusações muito mais séries contra Hillary Clinton. Apoiantes de Bernie Sanders não precisaram de tais revelações para deixarem de gostar de Clinton ou mesmo para descobrir que o CND estava a trabalhar contra Bernie. Isto sempre foi perfeitamente óbvio.

Assim, na pior das hipóteses, "os russos" são acusados de revelarem alguns factos menores referentes à campanha de Hillary Clinton. Grande coisa.

Mas isso é suficiente, depois de dois anos de falsificações, para remeter o establishment para um furor de acusações de "traição" quando Trump faz o que disse que faria quando estava em campanha, tentar normalizar relações com a Rússia.

Este berreiro vem não só do mainstream dos EUA como também das elites europeias as quais durante setenta anos foram domesticadas como caniches ou bassets obedientes do zoo americano, através da pressão intensa de "associações de cooperação" americanas transatlânticas. As ditas elites basearam suas carreiras na ilusão de partilhar o império mundial ao seguir os caprichos dos EUA no Médio Oriente e ao mudar a missão das suas forças armadas da defesa para unidades de intervenção externa da NATO sob o comando dos EUA. Não tendo pensado seriamente acerca das implicações disto durante meio século, elas entram em pânico à sugestão de serem deixadas por conta própria.

A elite ocidental agora sofre de demência auto-infligida.

Donald Trump não é particularmente articulado, navegando através da linguagem com um pequeno vocabulário repetitivo, mas o que ele disse na sua conferência de imprensa em Helsínquia foi honesto e mesmo corajoso. Tal como os cães ladram pelo seu sangue, ele muito correctamente recusou-se a endossar as "descobertas" das agências de inteligência dos EUA, catorze anos depois de as mesmas agências terem "descoberto" que o Iraque estava repleto de armas de destruição em massa. Como é que alguém no mundo poderia esperar qualquer outra coisa?

Mas para os media que se proclamam como referência, "a narrativa" na cimeira de Helsínquia, mesmo a únicanarrativa, foi a reacção de Trump às acusações forjadas de interferência russa em nossa democracia. Você foi ou não foi eleito graças a hackers russos? Tudo o que eles queriam era uma resposta sim ou não. A qual não poderia ser sim. Assim poderiam escrever suas notícias com antecedência.

Qualquer um que tenha frequentado os meios dos jornalistas mainstream, especialmente aqueles que cobrem os "grandes temas" nos assuntos internacionais, está consciente da sua obrigação de conformismo, com poucas excepções. Para conseguir o emprego, ele deve ter "fontes" importantes, o que significa porta-vozes governamentais desejosos de contar o que é "a narrativa", muitas vezes sem serem identificados. Uma vez que eles sabem o que é "a narrativa", estabelece-se a competição: competição no como contá-la. Isso leva a uma escalada da retórica, variações sobre o tema: "O presidente traiu nosso grande país entregando-o ao inimigo russo. Traição!"

Este coro enlouquecido sobre o "hacking russo" impediu mesmo os media mainstream de fazerem a sua tarefa. Até mesmo de mencionar, e muito menos analisar, qualquer das questões reais na cimeira. Para encontrar análises deve-se ir on line, longe das falsas notícias oficiais da reportagem dita independente. Exemplo: o sítio the Moon of Alabama apresenta uma interpretação inteligente da estratégia de Trump, a qual soa infinitamente mais plausível do que "a narrativa". Em suma, Trump está a tentar cortejar a Rússia para afastá-la da China, numa versão invertida da estratégia de Kissinger de quarenta anos atrás de cortejar a China para afastá-la da Rússia, evitando assim uma aliança continental contra os Estados Unidos. Isto pode não funcionar porque os EUA se demonstraram tão inconfiáveis que os cautelosos russos provavelmente não abandonarão sua aliança com a China em troca de sombras. Mas isto faz perfeito sentido como uma explicação da política de Trump, ao contrário dos miar de gatos que temos ouvido de senadores e de apresentadores na CNN.

Tais pessoas parecem não ter ideia do que é diplomacia. Elas não podem conceber acordos que fossem benéficos para ambos os lados. Não, para elas tem de ser um jogo de soma zero, o vencedor fica com tudo. Se eles vencem, nós perdemos e vice-versa.

Elas também não têm ideia do dano para ambos os lados se não concordarem. Elas não têm projecto, nem estratégia. Apenas odeiam Trump.

Ele parece totalmente isolado e todas as manhãs vejo os noticiários para ver se já foi assassinado.

É inimaginável para quaisquer moralistas maniqueus que Putin também estar sob fogo internamente por deixar de repreender o presidente americano pelas violações dos EUA direitos humanos em Guantanamo; ataques de drones assassinos contra cidadãos indefesos por todo o Médio Oriente; pela destruição da Líbia em violação do mandato da ONU, pela interferência nas eleições de incontáveis países por "organizações não governamentais" financiadas pelo governo (a National Endowment of Democracy); pela espionagem electrónica à escala mundial; pelas invasões do Iraque e do Afeganistão, sem mencionar a maior populacional prisional do mundo e os massacres de crianças de escolas. Mas os diplomatas russos sabem como ser polidos.

Ainda assim, se Trump realmente fizer um "acordo", poderá haver perdedores – não os EUA nem a Rússia, mas sim terceiros. Quando duas grandes potências chegam a um acordo, muitas vezes é a expensas de outrem. Os europeus ocidentais temem que sejam eles, mas tais temores são infundados. Tudo o que Putin quer é relações normais com o Ocidente, o que não é pedir muito.

Ao invés disso, o candidato número a pagar o preço são os palestinos, ou mesmo o Irão, de modos marginais. Na conferência de imprensa, indagado acerca de possíveis áreas de cooperação entre as duas potências nucleares, Trump sugeriu que os dois podiam concordar na ajuda a Israel:

"Ambos falamos com Bibi Netanyahu. Eles gostariam de fazer certas coisas em relação à Síria, tendo a ver com a segurança de Israel. Quanto a isso, gostaríamos absolutamente de trabalhar a fim de ajudar Israel. Israel estará a trabalhar connosco. Assim ambos os países trabalhariam em conjunto".

Em termos políticos, Trump sabe onde reside o poder e está contando com a influência do lobby pré Israel, o qual reconhece a derrota na Síria e a crescente influência da Rússia, para salvá-lo dos imperialistas liberais – uma aposta ousada, mas ele não tem muita escolha.

Acerca de outro assunto, Trump disse que "nossos militares" entendem-se melhor com os russos "do que os nossos políticos". Trata-se de outra aposta ousada, sobre o realismo militar que poderia de algum modo neutralizar o lobby no Congresso do complexo militar industrial por cada vez mais armas.

Em suma, a única probabilidade de finalizar a ameaça da guerra nuclear pode depender do apoio a Trump de Israel e do Pentágono!

Os histéricos globalistas neoliberais parecem ter descartado qualquer outra possibilidade – e talvez esta também.

"Diálogo construtivo entre os Estados Unidos e a Rússia adianta a oportunidade de abrir novas vias rumo à paz e à estabilidade no nosso mundo", declarou Trump. "Eu antes assumiria um risco político em busca da paz do que arriscaria a paz em busca da política", acrescentou.

Isso é mais do que os seus inimigos políticos podem reivindicar.

20/Julho/2018

Da mesma autora: 

[*] Autora de Fools' Crusade: Yugoslavia, NATO, and Western Delusions . Seu novo livro é Queen of Chaos: the Misadventures of Hillary Clinton . As memórias do pai de Diana Johnstone, Paul H. Johnstone, From MAD to Madness , foram publicadas pela Clarity Press com comentários seus.   diana.johnstone@wanadoo.fr . 

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... 

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