sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Beirute ou São Tomé, porque usam as Mulheres?


Isabel de Santiago | Téla Nón | opinião

A expressão Afrogeringonça é de minha autoria. Agradeço ao líder da ADI, que não a use sem a devida referência nas suas entrevistas cansativas e repetitivas sem qualquer sentido. Sempre com o mar ao fundo, dando a ideia que São Tomé até tem Príncipe, com o seu “amigo-aliança” secreta To-Zé, no conhecido encontro da sala de aula evacuada para o efeito, na escola de Santo António. É que, a versão africana, democrática, da geringonça existente também em Portugal, vai ter inicio em breve, por mais engenharias apatriçadas ou acarvalhadas que possam vir a emergir. A Constituição da República existe, repito: existe, e vai ser respeitada. A primeira prova de fogo começou 4ª feira, dia 14 de Novembro.

Vamos ao que importa. São Tomé parece Beirute. Continua sem luz elétrica, as arcas frigoríficas descongelam destruindo os bens de primeira necessidade das mães, líderes das famílias santomenses. Viva a qualidade de São Tomé. Sem Príncipe. É que, em conversa telefónica na passada semana, Tó Zé Cassandra informou-me que “o Príncipe não tem problemas de energia.”

Vamos andar para trás, uns meses. Resolvi reler algumas notícias publicadas em Maio de 2017 e outras em 2018. Maio é foi e será um mês Mariano. E a questão que quero deixar, aos homens da política é a seguinte:

O que pensam que estão a (tentar!) fazer com as mulheres santomenses?

É preciso reavivar as memórias. Elas são deliberadamente esquecidas. Depois chegamos a uma conclusão: é que as Mulheres – repito – as MULHERES – foram determinantes em vários processos de democracia. Recordemos as Mulheres de preto em frente ao Paládio do ex Governador. Estavam a minha mãe e a minha avó negra.

Na última campanha política também constatei com Mulheres de fibra na forma como fizeram a mobilização do povo, seja a preparar reuniões ou conversas de esclarecimento, seja a mobilizar junto  das comunidades. As supermulheres palaês e grandes empreendedoras do país. Acreditem!, sem elas a economia do país pára. Simplesmente.

É verdade, há uns que falam menos bem delas: que cheiram a peixe ou a terra, cheiram à terra que as viu nascer e onde pisam o chão, sem cuidar dos seus pés, que endurecem como os maus tratos dos homens. Terra que nunca lhes ofereceu alternativa. Pois é aqui que deixo o desafio a Jorge Bom Jesus e à sua coligação.

Maio, Mariano, foi um mês em que os políticos machistas e do tamanho do seu egoísmo, começaram a recorrer às mulheres no apoio às suas políticas e, hoje, começam a digladiar-se para atingirem os cargos.

Maio foi o mês de encerramento do processo de recenseamento eleitoral dos santomenses. Muitas mulheres foram discriminadas. Sabemos que eleitores, não são apenas os 98000 recenseados. É que não interessava mais gente ao poder político. Sucede que nas estatísticas do INE apontam para cerca de 55/60% de santomenses do género feminino. O meu caso concreto: por mais desculpas que o Alberto Pereira tenha escrito nas suas cartas de (des)amor, nas “guerras de alecrim e manjerona”. Fui discriminada. O problema revelo e isso torna-se razão para ter sido tratada com a necessária deferência como contei em entrevista dada à Agência Lusa.

José Maria Cardoso escreveu em Maio de 2014 no Téla Nón que “as mulheres comungam da justeza suficiente de não serem responsabilizadas visivelmente pelos estragos que os homens vêm marginalizando o país, com testemunho de mais de duas centenas de governantes da história vendaval da Nação, apenas vinte mulheres – abaixo de 10% – já terem ocupado cargos nos variados executivos.” É absolutamente inaceitável que este país, continue num jogo desonesto liderado pelos homens que ainda se julgam as últimas coca-colas neste mato denso de mulheres! É preciso acordar abruptamente estas  consciências bacocas e já desinteligentes de homens que teimam em não valorizar o verdadeiro papel da mulher mãe, mulher educadora, mulher política mulher que ama, mulher guerreira e mulher  anónima, a que poucos homens consegue chegar aos seus pés. Ainda que sujos de tanto caminharem nos chão.  e que valem por mil palavras na desejada formatação de São Tomé e Príncipe.

E porque escrevo sobre este tão importante tema? Bem começando pelo parlamento: a vergonha está quase a começar. Não concordo que se continue a desrespeitar aquilo a que se chamam as quotas (de 30%) de mulheres nas listas elegíveis, repito: elegíveis! A sociedade de São Tomé tem atravessado crises sucessivas, mas a mais chocante foi a crise constitucional. Relembro que o Professor de Coimbra Jorge Miranda, pai da Constituição Política de STP confirma a vergonhosa inconstitucionalidade, levada a cabo pelo governo cessante de STP, a 4 de Maio 2018. O mesmo constitucionalista considerou triste a situação que o país vive, após a eclosão da crise político-institucional que resultou da exoneração dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça. Essa leitura foi bem projetada num artigo da agência de notícias de Portugal LUSA.

Vamos lá voltar às nossas Princesas, as mulheres santomenses porque os Príncipes estão a desaparecer e acreditamos que Bom Jesus defenda a constituição não permitindo que os velhos do Pico Cão Grande usurpem um papel que não é seu.

Por mais simpatia que possa ter pela figura, não me revejo num parlamento liderado por um homem que já teve o seu tempo e já desgastado na política, refiro-me a Guilherme Octaviano. Passou o tempo e qualquer capacidade de liderança.

Não acredito na liderança de Delfim Neves, pese embora animal político. Não tem uma imagem que ajude o país a ter força anímica de reunir financiamentos perdidos pela má gestão do governo que se primou pelo exercício autoritário do poder. Tarde demais.

Do mais votado ao menos. ADI elege apenas 3 mulheres em 25. Grandes infelizes machistas. Sai eleita a polémica Ilza Amado Vaz, Alda Ramos e Celmira Sacramento. O MLSTP-PSD pese embora com um novo líder que apostou nas gerações mais novas e limpas de nomes de “Armas e Barões assinalados” como cantou Camões, apenas conseguiu 3 em 23 assentos: a histórica e muito reconhecida internacionalmente Maria das Neves Batista de Sousa, Elsa Pinto e Filomena Monteiro. Finalmente, os partidos mais pequenos, a coligação PCD-UDD-MDFM, elegem 5 assentos, mas uns puros machistas que querem mais que merecem, elegeram apenas ZERO mulheres. O Movimento Caué conseguiu 2 assentos e aplaudo! Em dois, elegeu 50%, elegeu 1 mulher, Beatriz Azevedo.

Nestes termos, coloco a questão: para onde pensam as vossas excelências caminhar com este ridículo e bacoco machismo? Quem vão representar no parlamento? Os vossos interesses? Os vosso objetivos? Ou os do país onde se incluem mais mulheres que homens? As tais guerreiras. Lembrem-se do que a diáspora pediu: mudança. Não acham que devem as mulheres defender os direitos que são seus e das suas famílias? E nisso também incluem os homens?

Não se atrevam a não colocar uma figura feminina na Presidência do Parlamento ou vice-presidência.

Não queremos mais! www.maisdomesmo.st. Acredito que Bom Jesus tenha uma missão dificílima a gerir. Ele tem por hábito respeitar as diferenças E defender causas.

O povo põe, o povo tira. O Povo santomense saiu à rua, descontente com os velhos do Pico Cão Grande, numa noite, de um dia assim e tirou do poder o antigo PM. Mostrem agora senhores presidentes de partidos que são dignos da confiança que as mulheres depositaram em vós. E que vos ajudaram a ser eleitos. Nós não queremos, repito: nós não queremos homens velhos, cansados e bacocos a repetir a velha história. O Regimento existe e as regras são – nos termos da Constituição – para respeitar. Basta que em 55 assentos parlamentares apenas tenham colocado 7 mulheres em posições elegíveis. Onde param as restantes 11? Considero uma vergonha.

As regras do jogo vão ter que mudar antes do jogo começar. Queremos mais São Tomé. Porque o Príncipe tem zero mulheres eleitas! Mau exemplo…  Acredito que Bom Jesus tenha uma missão dificílima a gerir. Acredito na sua honestidade inteletual e sobretudo moral. Mas acredito mais que ele irá quebrar os laços desses Barões agora sem armas e desgastados. Terá que incluir mais membros n seu Governo do sexo feminino. As Mulheres – dentro e fora da diáspora – querem reconstruir um País, a sério. Potenciar quilo que são as fraquezas em potencialidades. Relembro o exemplo do micro país Singapura. Chave de Ouro: Educação. Acredito e vamos mudar. Chega de www.maisdomesmo.st.

Angola | Os deputados de Cabinda continuam surdos e mudos


Esta semana, os deputados cabindas nos partidos da oposição angolana, comummente chamados de deputados do círculo de Cabinda, ainda brilharam novamente por suas eminentes eloquentes intervenções no parlamento angolano, sob os olhos sonhadores de uma população cabindesa, cheia de esperança e que nunca perde a oportunidade de aplaudi-los sempre que falam ou denunciam a situação de miséria em Cabinda, que não data de ontem.

Osvaldo Franque Buela* | Folha 8 | opinião

Mas para além destas brilhantes intervenções que todos nós amamos, e que fundamentalmente falam ou denunciam apenas situações já conhecidas de antemão pelas autoridades angolanas, devemos, no entanto, perguntar-nos as verdadeiras questões fundamentais sobre a importância desta presença e de seu impacto na vida dos Cabindas.

A ajuda ou participação de Cabinda no OGE (Orçamento Geral do Estado) Angolano nunca deve ser vista, ou entendida como ajuda em que Cabinda teria que esperar pela ajuda proporcional dos angolanos, nos mesmos termos, como se fosse uma formalidade bilateral, não, é um erro político fundamental pensar dessa maneira.

Para as autoridades angolanas, os recursos naturais e outras riquezas de Cabinda são para eles um maná caído do Céu, uma doação de Portugal para satisfazer as necessidades das multinacionais, sobre qual angolanos se servem como bem entendem, como podem e não precisam de qualquer autorização dos cabindas, nem a obrigação de retroceder para Cabinda uma percentagem daquilo que exploram com toda impunidade em Cabinda.

Depois de três legislaturas num parlamento dominado por um único partido, por um regime cujo parlamento nunca resolve os problemas básicos dos angolanos, é surpreendente acreditar que este parlamento terá em conta as exigências dos deputados de Cabinda, quem, a bem ou mal, acreditam que é o lugar ideal para cantar as mesmas reivindicações de sempre em cada ano parlamentar.

A falta de medicamentos nos hospitais de Cabinda, a depravação do sistema educativo, o desemprego crescente, a falência e o empobrecimento de empresários locais, a falta de água e electricidade são os males cujos responsáveis são conhecidos, e são eles próprios promotores de esta miséria, e o momento seria para que todos possamos pensar de forma coerente, no exercício de reivindicações dos nossos legítimos direitos.

O silêncio de Bento Bembe e o caos que actualmente reina dentro do FCD prova que seu Memorando de Entendimento viveu o tempo que era necessário, com os milhões de dólares roubados e investidos no conforto individual e pessoal de seus fiéis companheiros.

Numa época em que o nacionalismo cabindês está-se tornando cada vez mais activo no seio dos jovens, os líderes políticos ou associativos cabindeses que somos deveriam redobrar seus esforços na luta pela resistência contra a crescente opressão militar, porque nossa luta é nobre e justa.

A FLEC, apesar da diversidade de opiniões dentro dela, como um movimento de luta pela libertação a não confundir como partido de oposição, não cederia de forma alguma às ofertas tentadoras de Luanda, para querer como solução, acomodar seus membros nas instituições do estado Angolano num processo que não leva em conta as reivindicações legítimas do povo, isto é, o direito do povo de viver como quiser; de escolhendo seus governantes, de escolher suas prioridades básicas e desfrutar a sua total e plena liberdade e soberania, não é um crime dizer e afirmar isso alta voz aqui.

Continuaremos a seguir as palavras do falecido Bispo de Cabinda Dom Fernando Madeca, como caminho traçado na resolução dos problemas de Cabinda, sempre que o governo de João Lourenço provasse a sua boa vontade pelo diálogo: quero dizer;

1. Um diálogo que deve abranger todas as forças vivas deste Enclave;

2. Evitar que o Problema de Cabinda se resolve no acomodamento de algumas pessoas no governo angolano, recebendo alguns encargos. Seria simplista de mais tentar resolver o conflito que dura mais de 40 anos por estas vias;

3. O diálogo deve ser franco, transparente e verdadeiro;

4. As resoluções devem ser sempre a expressão das aspirações do Povo de Cabinda e não de interesses particulares.

5. Recordar sempre que uma comissão negociadora é um aglomerado de mandatados e não tem legitimidade por si próprio;

6. Trabalhar sempre juntos e unidos, além de nossas diferenças de opinião.

*Chefe de Gabinete da Presidência da FLEC

Angola | Chefe de Estado realiza visita de Estado a Portugal


O Chefe de Estado, João Lourenço, realiza na próxima semana uma visita oficial a Portugal, a convite do seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, de acordo com uma nota da Casa Civil do Presidente da República.

A viagem decorre entre quinta-feira e sábado da próxima semana. Trata-se da primeira visita de Estado do Presidente João Lourenço a Portugal, desde que foi eleito em Agosto do ano passado.

Nesta missão, o Chefe de Estado angolano far-se-á acompanhar da primeira-dama da República, Ana Dias Lourenço, e de uma delegação ministerial e de membros do seu gabinete.

O programa oficial da visita prevê etapas na capital, Lisboa, e na cidade do Porto. Em Lisboa, destaca-se o encontro do Presidente João Lourenço com o seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o discurso que proferirá na Assembleia da República, em sessão solene do plenário. Na cidade do Porto, o Presidente da República vai participar no seminário económico Portugal-Angola, que juntará homens de negócios dos dois países.

A visita do Presidente João Lourenço a Portugal acontece dois meses depois de o primeiro-ministro português ter visitado Angola. Tratou-se igualmente da primeira visita oficial de António Costa a Angola, desde que assumiu a liderança do Governo português, em Novembro de 2015.

Durante a sua estada em Luanda, António Costa desenvolveu uma intensa agen-da de actividades, com destaque para um encontro, em privado, com o Chefe de Esta-do angolano.

Ao intervir no início das conversações oficiais entre delegações dos dois países, o Estadista angolano encorajou as autoridades portuguesas a sensibilizarem os investidores daquele país europeu no sentido de aceitarem o desafio de continuarem a investir no território angolano.

João Lourenço disse que os dois governos têm a responsabilidade de traçar políticas que garantam uma cooperação sólida em vários domínios.

Por sua vez, António Costa afirmou que as portas do mercado português continuam abertas para os investidores angolanos, ao mesmo tempo que existe o desejo do aprofundamento dessa relação reciprocamente vantajosa.

Para o primeiro-ministro português, é uma parceria em que cada um contribui para a riqueza do outro e ambos beneficiam.

No quadro da visita, os dois Governos assinaram vários acordos, entre os quais uma convenção para o fim da dupla tributação e um memorando para a progressiva regularização de dívidas de entidades públicas angolanas a empresas portuguesas.

Os Governos de Angola e Portugal estabeleceram igualmente um plano de cooperação no sector da agricultura e assinaram um Programa Estratégico de Cooperação 2018/2022.

Angola e Portugal cooperam em vários domínios, quer a nível bilateral quer da CPLP, com destaque para os sectores político, económico, ambiental, construção, educação, energia e cultura, dentre outros sectores.

Desafios aos investidores

O embaixador de Angola em Portugal, Carlos Alberto Fonseca, incentivou, na terça-feira, em Lisboa, os investidores privados a procurar o mercado angolano.

O diplomata, que falava num encontro em que estiveram presentes governantes e deputados portugueses, destacou as condições criadas pelo Executivo angolano para o crescimento económico.

Carlos Alberto Fonseca assegurou que a abertura de Angola ao investimento privado visa  gerar mais emprego e rendimento.

Segundo o embaixador, citado pela Angop, esses factores (emprego e rendimento) estão a ser acompanhados com medidas de consolidação fiscal e de redução do défi-ce orçamental.

No quadro desta aposta, além de aumentar o investimento directo estrangeiro, o Governo angolano pretende também reduzir a bu-rocracia, segundo Carlos Alberto da Fonseca.
 “Com estas medidas, espera-se uma re-cuperação considerável dos sectores petrolíferos e não petrolífero no quadro de um programa acordado com o Fundo Monetário Internacional (FMI).”

Trata-se do Programa de Estabilização Macroeconómica que deverá permitir que o país tenha acesso mais favorável aos mercados financeiros mundiais, explicou o diplomata.

Para dinamizar a economia nacional, Angola conta também com as leis do Investimento Privado e da Concorrência. Com isso, o país prevê a institucionalização da autoridade da concorrência e a implementação de um programa de privatização de empresas.

Jornal de Angola

Brasil | Herói do financismo. Sombra de Paulo Guedes


Por que Joaquim Levy, futuro presidente do BNDES, agrada tanto aos que querem um Estado sem instrumentos para agir na Economia. Como sua habilidade política ameaça o ministro da Economia

Paulo Kliass | Outras Palavras

A divulgação do nome de Joaquim Levy para ocupar a presidência do BNDES pode ter sido mais uma importante decisão de Bolsonaro na composição do mosaico de seus mais estreitos colaboradores. Apesar de toda a bateção de cabeça que tem caracterizado as primeiras semanas posteriores à conformação da vitória eleitoral, o fato é que não se deve menosprezar a capacidade de articulação política do capitão.

Ao que tudo indica, sua equipe de governo deverá contar com alguns polos aglutinadores de poder. Em primeiro lugar, o núcleo militar no comando de áreas estratégicas, como segurança institucional, infraestrutura e uma presença firme por toda a Esplanada, além da vice-presidência com o General Mourão. Em seguida, o núcleo ampliado da economia, onde Paulo Guedes surgiu desde o início como o poderoso superministro, antes mesmo de ter sido anunciado o resultado das urnas. O terceiro eixo deve gravitar em torno do futuro ex-juiz Sérgio Moro, que foi muito bem recompensado por seus bons serviços prestados, em particular pelo impedimento da candidatura de Lula no pleito de outubro. Finalmente, o foco político no sentido estrito ficará a cargo do deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM/RS), a quem deverá ser destinada a Casa Civil.

No entanto, as disputas internas no que se refere à montagem do grupo, que vai iniciar o governo só em 1º de janeiro, sugerem o aparecimento de contradições em diferentes assuntos. É conhecida, por exemplo, a divergência das opiniões históricas do capitão a respeito de temas como empresas estatais, nacionalismo econômico e servidores públicos, por exemplo, e as do seu guru Paulo Guedes. Também são cada vez públicas as rusgas entre Moro e vários integrantes do futuro primeiro escalão, em temas como desarmamento, tipificação de ações dos movimentos sociais como “atos de terrorismo” e a permanência do estratégico Conselho de Administrativo de Defesa Econômica (CADE) no âmbito da Justiça.

Trapalhadas de Guedes antes do jogo começar

A imprensa tem estampado muitas das trapalhadas que se multiplicam a cada dia entre os integrantes do futuro núcleo duro do Palácio do Planalto. E nesse quesito parece que Paulo Guedes tem se esforçado em provocar ruídos e curtos-circuitos. Apesar de respeitado como um economista conservador pela alta direção do financismo, o fato é que ele parece desconhecer as regras básicas de funcionamento da administração pública brasileira. Ao misturar seu estilo de tratorar os interlocutores com uma arrogância típica de quem se sente chegando todo metido a empoderado a Brasília, o problema é que o economista parece não conhecer os meandros de como as coisas são resolvidas nos corredores ministeriais e congressuais.

Suas declarações a respeito do funcionamento da dinâmica de votação em plenário do legislativo revela uma ignorância imperdoável a alguém que pretende se transformar em um superministro. Guedes chegou ao cúmulo de afirmar em reunião com a cúpula de parlamentares que não se preocupava com a votação da Lei Orçamentária Anual (LOA) em tramitação no Congresso Nacional, pois ele encaminharia a “lei dele” no ano que vem. Ou então a sugestão de se alterar a mecânica de funcionamento do plenário das duas casas legislativas, com a novidade de uma suposta votação por bloco temático, sem que os partidos fossem chamados a se manifestar sobre as proposições. Tudo como se houvesse uma solução mágica para superar as mui conhecidas dificuldades para se compor uma maioria no interior de deputados e senadores.

Frente a essa inabilidade de Guedes em tratar de temas vinculados à administração da máquina do Estado, a vinda de Joaquim Levy tem um significado particular. Apesar de estar um pouco distante do centro da arena em disputa, sua formação econômica e sua experiência pregressa em postos importantes do governo podem contar positivamente para Bolsonaro. Antes de ter sido nomeado como ministro da Fazenda por Dilma em 2015, ele já havia ocupado o estratégico cargo de Secretário do Tesouro Nacional sob a gestão de Palocci, no primeiro mandato de Lula. Anteriormente a estas experiências em governos do PT, ele já havia ocupado posições de destaque nos ministérios da Fazenda e do Planejamento sob o segundo mandato de FHC. Além disso, seu currículo oferece passagens em conhecidas instituições multilaterais do financismo, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e o Banco Mundial, bem como a Secretaria da Fazenda do RJ sob o mandato do governador Sérgio Cabral.

Joaquim Levy: conservadorismo a serviço de todos

Caso Guedes continue com sua obstinação doutrinarista de um liberalismo descontrolado, é bastante provável que acabe por comprometer ainda mais a imagem de um governo que ainda nem começou. Assim foi com as declarações sobre a falta de prioridade com a agenda do Mercosul, as críticas veladas à política comercial chinesa, o desejo de uma “solução final” para as empresas estatais brasileiras, entre tantos atritos desnecessários criados em tão poucos dias. Nesse caso, a presença de Levy no comando de uma importante instituição de crédito pública como o BNDES pode operar um contraponto eventual ao estilo destrambelhado do poderoso Guedes.

É bem verdade que as falas comprometedoras não são exclusividade do chefe da economia. O capitão e outros colaboradores próximos também têm oferecido muitos argumentos para quem duvida da capacidade do futuro governo conseguir oferecer alguma resposta convincente para um conjunto tão amplo de expectativas criadas com sua eleição. E isso vai desde as incógnitas em como obter um crescimento sustentado da economia até o cumprimento das ameaças extremas no campo da “moral e dos bons costumes”, como se dizia nos tempos de nossos antepassados.

Guedes & Levy devem compor uma boa duplinha dinâmica. Ao contrário de Meirelles & Goldfajn, pois estes últimos estavam em um governo que não conseguiu retirar sua popularidade do rastejante nível do rés do chão. É sabido que Levy não terá sob seu comando a definição da política monetária, pois estará um pouco distante do Banco Central. No entanto, é possível que sua maior intimidade com a lide da administração pública permitirá a ele um certo conforto na assessoria ao Palácio do Planalto. Na verdade, ele tem boa parte dos atributos que faltam ao Posto Ipiranga. Conhece bem a máquina estatal e possui sólida formação no campo da economia conservadora.

As resistências internas ao grupo do PSL e da base raivosa do capitão deverão ser facilmente vencidas. Apesar de ter ocupado postos estratégicos na economia por indicação do PT, não há quem em sã consciência possa acusá-lo de bolivarianismo ou lulopetismo. Levy é um economista liberal e que serve aos interesses do financismo. Como é uma pessoa pragmática, não faz objeção a quem o nomeia. O importante é ter autonomia para cumprir aquilo que considera a sua missão por essas terras. Suas prioridades parecem ser rigor absoluto na austeridade fiscal e adaptação do tecido econômico aos interesses do capital financeiro.

Caso consiga entregar o que promete, ele poderá se converter em sério candidato a substituto de quem não apresente os resultados espalhafatosamente anunciados por todos os cantos. Guedes que se cuide.

*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

Brasil | Manter os pobres "no seu lugar"

O então deputado Jair Bolsonaro
Elaine Tavares [*]

A lição é simples: se o capitalismo entra em crise significa que o lucro dos empresários diminui. Isso é inaceitável para eles. Qual a saída? Explorar o mais que puder os trabalhadores para manter o lucro no mesmo nível apesar da crise. Sendo assim, quando se fala em crise, é bom que se tenha claro que ela é só para os mais pobres. Os ricos pouco sofrem com crise. Já as camadas médias se arrebentam porque seus negócios não conseguem aguentar o rojão e vão à breca. Apenas os mais ricos conseguem se manter por cima da carne seca.

Basta estudar um pouco a história dos povos e já se pode comprovar essa verdade insofismável. A chamada crise de 1929, conhecida como a grande depressão, durou longos anos só terminando depois da segunda guerra mundial. Quem sofreu com ela: os pobres. Entre a elite muita gente enriqueceu naqueles anos e a própria guerra ajudou a aquecer a economia, alavancando a indústria das armas e uma série de outras que serviam para dar suporte ao conflito. Assim, enquanto massas de gente morriam de fome ou pela guerra, uma pequena porcentagem de empresários enchia as burras de dinheiro.

Outro momento de crise profunda foi agora, nesse século, em 2008, com a explosão da dívida imobiliária nos Estados Unidos, que levou a uma quebra geral nos bancos, todos devidamente salvos com dinheiro público, é claro. E, para salvar os bancos foi tirado tudo dos pobres. Esses perderam suas casas e seus investimentos. Tudo comido sem dó. Os bancos se reergueram, os grandes investidores seguiram lucrando e tudo acabou bem para eles. Para eles, apenas. Os sem-casa nos EUA seguiram sem poder recuperar seus imóveis e até hoje engrossam as fileiras dos desesperados.

Enfim, repetimos: a crise nunca é crise para os ricos. Não, para eles é sempre oportunidade de novos negócios e novos investimentos. Os pobres que se lasquem, essa sempre foi a palavra de ordem. Que fiquem no "seu lugar", que, para os capitalistas, é o de sustentar com seu trabalho o luxo de poucos.

Agora, o mundo vive nova crise do capital. Ela surge em ciclos porque justamente os capitalistas conseguem maquiar os efeitos por algum tempo, gerando novas crises, cada vez mais profundas e graves. É uma espécie de respiro para que os trabalhadores se recomponham minimamente e possam ser novamente arrochados até o osso. É um círculo vicioso, sem fim. A conta sempre vai parar na porta do trabalhador.

No Brasil, vamos presenciar mais um longo momento de arrocho e sofrimento para a maioria da população. Desde o segundo governo de Dilma Rousseff as coisas vêm se preparando para que o capital recupere seus lucros e se mantenha a salvo, pois estamos em mais uma onda de crise. Por isso as chamadas reformas. Elas vêm para legitimar legalmente o saqueio dos trabalhadores.

Durante o governo Temer já vieram a reforma do ensino médio, preparando o terreno para a mercantilização da educação de segundo grau, e a reforma trabalhista, que retirou direitos dos trabalhadores deixando-os totalmente vulneráveis ao longo processo de expropriação que deverá vir. O próximo passo agora é a reforma da Previdência, que vai liberar ainda mais o patronato e o estado capturado pelo capital, das obrigações com os trabalhadores. A lógica seguirá sendo a mesma da do século XVII:   manter os trabalhadores minimamente vivos para que possam ser explorados. Por isso a "ideia brilhante" de Armínio Fraga – brasileiro naturalizado estadunidense que já dirigiu o Banco Central – de uma aposentadoria universal. Igual para todos.

Em princípio, essa ideia de igualdade pode parecer legal. Mas, não se pode tratar de maneira igual os desiguais. A proposta é garantir 70% de um salário mínimo a todas as pessoas que passarem dos 65 anos. "Muito bom", dizem os incautos, acreditando que isso é justiça. Não é! Justiça seria garantir a cada um conforme sua necessidade. Se fosse assim, um trabalhador, ao fim da vida laboral, teria que ter garantida uma moradia digna, educação, saúde, segurança, alimentação de qualidade. Mas, sabemos que essa não é a realidade. Pelo menos não no mundo capitalista onde todas essas coisas precisam ser compradas a peso de ouro.

Não é o caso de Cuba, por exemplo, onde o salário é baixo, mas em compensação a pessoa não precisa pagar por saúde, educação, moradia, segurança e ainda tem uma cesta básica garantida. Mas, lá, é outro sistema. Não há comparação possível. Voltemos ao nosso mundo.

O novo governo eleito não chegou ao poder sem propostas. Isso é falso. Sempre foram muito claras as propostas do candidato. Ao referenciar suas falas nos exemplos dos Estados Unidos e Israel o candidato apontava claramente qual seria a linha de seu governo: tudo para os mais ricos, e os mais pobres pagando a conta. É por isso que a reforma da Previdência virá avassaladora, travestida de "igualdade". E, a considerar a campanha cheia de notícias falsas, nada deverá mudar. O bombardeio de mentiras continuará sem freio. Até que a grande ficha comece a cair muita coisa será destruída.

O novo governo nem começou e o desenho do arrocho já está dado. A fusão dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente é a cópia mal acabada do rechaço ambiental promovido por Donald Trump, um dos modelos do presidente eleito. A terra especulada até o último naco, aumentando ainda mais a proletarização no campo. A retirada das universidades do Ministério da Educação, jogando-as para o de Ciência e Tecnologia é outra medida contra os mais pobres. O ensino superior já não será mais educação e sim negócio, e nos dois sentidos: sendo negócio e produzindo negócio. Acabará com aquilo que os remediados, racistas e intolerantes jamais suportaram: os pobres na universidade. Os centros de produção de inovação ou formadores da elite serão apenas para os que podem pagar.

No campo da segurança o modelo é Israel, com a reprodução de todo o arcabouço racista e eugênico. A tal ponto de o governador eleito do Rio de Janeiro, da mesma turma dos racistas e antipobres, ter sugerido em público e sem pejo a eliminação de pessoas com o uso de "snipers", atiradores de elite.

Ou seja. Bastará ser negro e carregar um guarda-chuva para o sujeito ser atingido sem dó, e com a alegre aprovação da comunidade que prefere um inocente morto a correr riscos.

Soma-se a isso a proposta de perseguição política e física dos vermelhos, comunistas e afins, sugerida pelo próprio presidente eleito em nível nacional, e temos armado um triste cenário que vai cobrar bem caro à nação, ainda que boa parte dela esteja justamente esperando por isso, para gozar de prazer, assistindo pela televisão.

Assim que aos trabalhadores restará a reorganização e a luta, como sempre foi ao longo da história humana. Não há novas receitas nem novas fórmulas. Agora, terminado o frisson da eleição e da derrota cabe um profundo processo de avaliação e análise. Enfrentar o que virá vai demandar boas estratégias que só poderão se armar com pensamento crítico, conhecimento e compreensão certeira do que levou o país a esse momento dramático. Errar na análise leva ao erro na ação.

Por isso, enquanto o presidente eleito arma seu grupo para governar o Brasil, os trabalhadores também precisam armar os seus para o enfrentamento que virá. É tempo de pensar e reorganizar. Os poderosos querem os pobres "no seu lugar", ou seja, na senzala, fora da casa grande, no chão das fábricas, nas sarjetas. Mas, como sempre foi, os empobrecidos se levantarão e darão suas respostas. 

06/Novembro/2018

Ver também
  Capital fictício

[*] Jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC.

O original encontra-se em www.correiocidadania.com.br/ 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Manuel Loff. “O cavaquismo foi uma recuperação de muitos dos valores do salazarismo”


O historiador e professor universitário está preocupado com a contaminação das ideias de extrema-direita na sociedade 

Um dos autores do livro “Espectro dos Populismos - Ensaios Políticos e Historiográficos”, editado recentemente pela Tinta da China, Manuel Loff dedica-se a estudar o fascismo do século XX. Historiador e professor universitário, alerta que nos dias que correm o fascismo não avança sob as mesmas vestes de outrora, usando antigas narrativas mas diferentes instrumentos. “O fascismo do século XXI evita o golpe militar, a rutura da ordem constitucional, opta pela transição autoritária”. 

No livro os autores recusam sempre a existência de um populismo, afirmando existirem vários, mas quais são as diferenças?

O populismo é muito mal usado, muito mal aplicado. E com a mesma falta de rigor como se usa ‘terrorismo’ ou ‘totalitarismo’. Nele pode caber de tudo e tem-se popularizado a ideia de que existe um populismo de esquerda e outro de direita. À escala europeia, discordo da ideia dos dois populismos. Entendo que, no passado, o conceito foi concebido, desenhado e aplicado com rigor e de forma correta a fenómenos que são considerados populismos de esquerda e que têm uma relativa unidade entre si, como o varguismo no Brasil depois da ditadura de 1945; o peronismo na Argentina; no final dos anos 60, o regime de Velasco Alvarado no Peru. Na Europa, de toda a época contemporânea, a ideia de um populismo de esquerda parece-me inaplicável. O populismo emerge sempre à direita, entre aqueles que recusam a distinção esquerda/direita, que evitam posicionar-se no ponto de vista da discussão entre a prioridade dada pela igualdade social ou à da liberdade económica. A realidade europeia diz-nos isto. Um dos líderes políticos mais tipicamente populistas da direita foi Cavaco Silva com toda a sua retórica do antipolítico, da desconfiança dos intelectuais e promoção da ideia de uma liderança forte que quer trabalhar contra os entraves do regime democrático do Estado de Direito. 

Como caracteriza o Podemos espanhol, que inspirou ou tem inspirado grande parte da esquerda europeia?

Não o vejo de forma alguma como organização populista. 

Uma das características do populismo é a divisão da sociedade em dois campos antagónicos, os de baixo e os de cima, ou, no caso da extrema-direita, os nacionais contra os estrangeiros e elites. O Podemos usa muito a “casta” contra o povo. 

Usava mais do que usa agora. A ideia de ver a sociedade socialmente polarizada não é nem invenção nem exclusivo dos populismos. A esquerda faz exatamente a mesma coisa e fê-lo historicamente, da mesma forma como a direita o faz. 

A tradição marxista divide a sociedade em classes, enquanto o sujeito do populismo apenas se encontra na narrativa e não nas relações materiais da sociedade. 

Não sou partidário da tese de [Ernesto] Laclau e não me revejo na forma como descreve a realidade. Por mais que Laclau, Chantal Mouffe e outras pessoas se tenham impressionado com estas teses, acho que desajudaram claramente à construção de movimentos sociais com consistência suficiente para perdurarem no tempo e produzirem efeitos políticos que podem não passar pela vitória política a breve prazo, mas que podem e devem reunir condições práticas. Qualquer divisão da sociedade, mesmo que use o povo contra a casta, o que está é a reutilizar termos que o velho Marx já usava no passado e que evidentemente tem a ver com os explorados e a classe dominante. Não acho, honestamente, que tenha emergido uma alternativa social que ideologicamente se aproxime da esquerda e possa ser caracterizada como populismo de esquerda. O populismo, como retórica argumentativa e ideológica de relação entre grupos políticos e sociedade, é um outro nome para aquilo que é em geral as manifestações da extrema-direita e da direita mais reacionária depois da derrota histórica do fascismo, que é hoje um cadáver muito vivo. 

A Chantal Mouffe publicou agora um livro (“For a Left Populism, Verso Books”) a defender uma estratégia populista para a esquerda. Considera que o populismo pode ser útil e uma opção para a esquerda?

Não conheço o livro. Li coisas mais antigas dela e sei que o publicou. Caso concreto do Podemos: desde o momento em que surge até 2015 tem como proposta ser um movimento político e social, a partir da mobilização das camadas populares e, sobretudo, daqueles que nos últimos 30 anos estão mais afastados da participação política, evitando falar de esquerda. Posicionou-se em temas centrais do debate político e social ao usar conceitos e categorias não identificados na sociedade como de esquerda. Parece-me que não teve os efeitos que se pensava: produziu uma grande dose de ambiguidade e dificultou a articulação entre o Podemos e vários outros atores na sociedade espanhola. Fez com que houvesse, sobretudo a partir de 2016, uma viragem do discurso e, talvez, a estratégia de mobilização do Podemos, tornando-o num ator mais consistente. 

Agora, a direita atira à esquerda a ofensa de ser populista e, no caso português, diz que não há partido populista de extrema-direita por já existir o PCP e o BE. Um argumento que serve sobretudo a uma direita que diz: “tudo quanto ataque o consenso de Washington, de Copenhaga e da definição do que é a democracia centrada nos valores e nas práticas do capitalismo, é populismo”. Quando se teoriza à esquerda em torno da necessidade de um novo ator político populista está-se a partir de uma profunda desilusão com o percurso político e a capacidade mobilizadora da esquerda. Desde Thatcher e Reagan que se deu uma viragem à direita muito forte, da qual ainda não saímos. Bem pelo contrário, está a agravar-se com a extrema-direita. 

Porque é que ainda não vimos a emergência de forças populistas, seja à esquerda ou à direita, em Portugal?

Houve muitas microexperiências, a tentarem imitar mais do ponto de vista organizativo do que ideológico, o fenómeno do Podemos. Deram origem a muitas coisas de que o próprio LIVRE é representante, mas não tiveram qualquer representação eleitoral particular e capacidade para abrir um espaço num momento particularmente fértil, o da reemergência dos movimentos sociais, da resistência contra a austeridade e da devastação social nos anos da troika. Porque é que a extrema-direita não aparece? O fim da ditadura inibiu os partidos da direita de assumirem, pelo menos abertamente, uma grande parte da sua herança. Mas não existem valores, pessoas, indivíduos, posturas e análises que são típicas da extrema-direita em Portugal? Claro que existem. Estão dentro dos partidos da direita clássica. Cavaco Silva é uma belíssima representação daquilo que é o populismo, do ponto de vista do enunciado e discurso ideológico do cavaquismo enquanto governo. O cavaquismo foi em grande parte uma recuperação de muitos dos valores sociais, de organização da sociedade do próprio salazarismo. Há - houve sempre, continua a haver - muito neosalazarismo dentro do discurso das direitas portuguesas, que têm um grau muito significativo de pragmatismo  - e assistimos a isso na organização do sistema de partidos à direita -, ao não criar autonomamente organizações de extrema-direita que reivindiquem um determinado discurso sobre a nação, sobre o caráter intrinsecamente colonial da nação portuguesa. Toda a discussão em torno do Museu das Descobertas revela bem como uma mentalidade neocolonial permanece e não é exclusiva de uma pequeníssima extrema-direita. Está presente em toda a direita clássica e no que até se poderia chamar um certo liberalismo elitista, que, muitas vezes, se revê no PS e que no discurso reproduz quase ipsis verbis aquilo que qualquer ideólogo salazarista diria. A extrema-direita existe em Portugal e evoca, como fazem os populismos, uma espécie de figura mítica: o povo português. 

Se a extrema-direita está dentro do PSD e CDS, como diz, este novo movimento do André Ventura é uma tentativa de emancipação?

Sim, e até incluiria, com o pouco que sabemos, a Aliança de Santana Lopes. O caso do Ventura é muito mais patético do que, evidentemente, o do Santana Lopes, cuja ameaça de criar um partido é uma coisa antiga e, portanto, um pouco mais consistente. O Ventura deve ter sido vereador de Loures por um dia ou dois, mas Santana Lopes foi primeiro-ministro. Não é bem a mesma coisa. Em ambos os casos, existe essa tentativa e sabemos que quando seria minimamente viável do ponto de vista histórico, que foi o pós-Revolução e 25 de novembro em 1975, fracassou. Para além de organizações como o MIRN, pela independência e renovação nacional, associado ao Kaúlza de Arriaga, e aquilo que tentou ser uma frente de extrema-direita que se designou Frente Nacional nas eleições de 1980. Nada disso vingou. É a esse pragmatismo que me refiro. Durante anos, a extrema-direita não vingou em França. Por uma evolução própria da sociedade francesa, e por desgaste e incapacidade da direita clássica em continuar a representar uma grande parte da sociedade, a extrema-direita consolidou-se do ponto de vista eleitoral. Em Portugal, não há essa tradição. Auguro os piores resultados, quer para o Aliança, quer evidentemente para o Ventura. Foi sempre assim no passado. Estes não são os primeiros partidos dissidentes da direita. Quem dá dinheiro e tem paciência para militar nos partidos à direita é pragmático. E sabe que só há dois partidos consolidados em que é viável fazer luta política. O Ventura pode ser uma tentativa nesse sentido. É um puro produto de canais como a CMTV, a pura espuma dos dias, e é uma destas figuras dentro de qualquer sociedade atual que se limita a importar modelos estrangeiros e a pensar “é por aqui que posso ganhar espaço político”. Concentrou-se na etnia cigana, deverá fazer seguramente campanhas em torno de afrodescendentes, qualquer coisa dessa natureza, e, quando começar a falar da definição do que é ser português, vai voltar aos velhos mitos racistas do salazarismo.

Pensava-se que a Alemanha era imune ao fascismo pelo seu legado histórico, mas não o é. Tem medo que o populismo avance na Alemanha?

Claro que sim. Em vez de se usar o termo populismo, é a velha extrema-direita alemã a recuperar um espaço que foi perdendo. Foi dito nos média que é a primeira vez desde 1949 que a extrema-direita chegou ao parlamento. Não é verdade. Na Alemanha Ocidental, a extrema-direita governou em coligação com a CDU de Konrad Adenauer, democrata-cristão hoje descrito como uma espécie de grande pai da integração europeia. Adenauer não teve problema nenhum em governar por oito anos, entre 1949 e 1957, com a extrema-direita. A tese que enunciou é muito comum e tende-se a esquecer que a extrema-direita se reorganizou rápida e pragmaticamente. Não podia voltar ao poder nos mesmos moldes. É totalmente a-histórico julgar-se que o fascismo vai reaparecer com as mesmas vestes, estética e instrumentos dos anos 30. A AfD não é o primeiro. Já estiveram no parlamento federal e, na década de 60, partidos fascistas entraram nos regionais. Tendemo-nos a esquecer que em 1968, descrito como uma vaga ou maré jovem de viragem à esquerda, houve uma forte mobilização de extrema-direita. No caso português, deu origem a figuras como Lucas Pires ou Jaime Nogueira Pinto. Em 1968, todos eles estavam na universidade e todos eram neofascistas. 

Tenho receio, mas não é, como se comprova com o caso italiano do regresso da Liga ao governo, o regresso ao poder. A extrema-direita sempre esteve no poder. As três eleições que Berlusconi ganhou, ganhou-as sempre com a extrema-direita. Não há novidade nenhuma na extrema-direita chegar ao poder em Itália. O que me preocupa é precisamente isso. A extrema-direita já esteve dentro do governo ou na área do poder, ou seja, governos da direita clássica dependem de votos da extrema-direita no parlamento há 20/25 anos. Estou convencido que a AfD tão cedo não ganha umas eleições e governa sozinha ou lidera uma coligação. O problema é a contaminação, mais do que evidente, da batalha ideológica que a extrema-direita tem feito e ganho com os programas eleitorais aos governos da chamada direita democrática. O fascismo do século XXI evita o golpe militar, a rutura do sistema constitucional; opta pela via da transição autoritária. 

Em 2015, tivemos a maior vaga de imigração para a Europa desde 1945, mas depois diminuiu significativamente. A extrema-direita continua a usar a narrativa da ameaça da imigração e a CSU na Alemanha quer políticas mais duras em relação aos migrantes. Não estará o centro a adotar as políticas da extrema-direita e a legitimá-las?

Claro que sim. Houve uma grande vaga migratória em 2015, mas não tem comparação nenhuma, em proporção, com aquela que foi para o Líbano. O número de sírios no Líbano supera em dez ou 20 vezes o número de sírios que fugiram para a Europa. Mas é verdade que a Europa, e dentro da Europa, particularmente a Alemanha, percecionou 2015 como uma vaga migratória, que depois se estancou e poderia ter perdido esse impacto. A extrema-direita conseguiu aproveitar aquilo que foi a descrição, até em termos visuais, de uma invasão - massas comunais de desgraçados a caminharem milhares de quilómetros e a serem barrados numa primeira fronteira na Macedónia, depois em outra na Sérvia, outra na Hungria e outra na Áustria. Com essa perceção, que impressionou muitos europeus - numa das situações económicas mais graves que o conjunto da economia europeia sofreu desde 1929 - permitiu à extrema-direita retomar a sua mais velha teoria sobre as ameaças e os perigos para o Ocidente, para a cristandade. Uma descrição taticamente neomedieval que o nacionalismo romântico também já tinha. Criou a imaginação de uma Europa ameaçada por uma espécie de anticruzada que vem do leste - vem sempre do leste. A velha tese da extrema-direita é as nações terem, como no mapa político, uma cor unívoca, e de que com a migração a identidade nacional está ameaçada. Essa narrativa, de que vêm estrangeiros de outros continentes, cores de pele e religiões desvirtuar o corpo da nação, misturar e contaminar o sangue nacional é a mais velha das narrativas da extrema-direita. Não houve uma invasão da Europa, é uma narrativa totalmente exagerada. 

Essa narrativa da extrema-direita parece ter tido algum impacto na esquerda alemã. A Sahra Wagenknecht avançou com um movimento de esquerda antimigração e afirma que o está a fazer para combater a extrema-direita.

É uma narrativa que os média têm feito do novo movimento dela. Não sei se é anti-migração ou se está a fazer uma interpretação sobre a situação em que o mercado de trabalho capitalista coloca os migrantes: a sua vida é tão precária em termos laborais e legais que tenderão a aceitar condições de trabalho que levarão à precarização do trabalho de todos os outros. 

Uma das propostas de Wagenknecht é intensificar o controlo das fronteiras. É um bocado na linha de Horst Seehofer, ministro do Interior alemão e líder da CSU da Baviera. 

Esta interpretação de natureza social - da forma como o mercado de trabalho capitalista incorpora e se aproveita da mão-de-obra migrante -, subscrevo-a. Mas não subscrevo, e até entendo ser uma traição aos princípios de esquerda, entrar na paranoia securitária. Isso é que é grave. A paranoia securitária não é apenas da extrema-direita, é em grande parte do conjunto da sociedade. Se é uma manifestação de populismo de esquerda ou não - e tenho muitas dúvidas sobre o conceito  -, não sei, mas deixou-se contaminar. Muitas pessoas da base social da esquerda deixaram-se, em muitos casos, contaminar pelo terror, pelo medo e relativo pânico da imigração. Na paranóia securitária vive Macron, o herói da resistência liberal contra o populismo de extrema-direita. A França, onde hoje não se aplicam várias cláusulas dos direitos humanos e onde se banalizou o estado de emergência que vigorou entre 2015 e 2017, há normas legais dirigidas em grande parte contra suspeitos de terrorismo e em muitos casos a imigrantes ilegais, implicando coisas que nem houve na ditadura salazarista. Ao abrigo das leis antiterroristas, a polícia pode deter por seis dias um suspeito sem o apresentar a tribunal ou lhe permitir aceder a um advogado. No primeiro ano em que o Estado de emergência vigorou em França, a polícia proibiu 95% das 600 manifestações convocadas por sindicatos e coletivos contra a reforma de trabalho que o governo de François Hollande queria fazer.

Não se pode comparar o fascismo da década 30 aos movimentos fascistas de hoje, mas quais são as principais diferenças? Fernando Rosas refere que o fascismo era um movimento de massas organicamente estruturado, enquanto hoje tende a focar-se nas redes sociais e a ter partidos de fachada. 

Desapareceram praticamente todos os partidos de massas. Seria um bocado absurdo esperar que o neofascismo dos nossos dias tivesse partidos de massas. A mobilização política do neofascismo - e o Rosas tem toda a razão - é, em grande parte, através das redes sociais. Continuo a ser partidário da tese de que o meio é a mensagem. Não é simplesmente veículo de mensagem. Não é um discurso reacionário sobre as redes sociais, é perceber qual o papel e a enorme ligeireza que têm. A mobilização nas redes sociais não é a mesma coisa que uma assembleia de militantes e ativista tem. Houve determinados momentos que foram de grande presença. As pessoas encontravam-se e faziam assembleias regulares à escala de bairro. Mas foram substituídas - e aí a extrema-direita não é diferente da esquerda - pelas redes sociais, com os ativistas a entenderem que as redes sociais substituem a prestação presencial. Agora, a capacidade que os movimentos de massas tinham no passado de fazer opinião, no caso da extrema-direita replica-se, aumentou, multiplicou-se, via redes sociais. Em segundo lugar, os neofascistas perceberam, como já o fizeram no passado, que podem contar com um liberalismo autoritário, com a ajuda de regimes constitucionais de aparência liberal-democrática; podem contar com a capacidade efetiva do poder e, em concreto, do braço policial e dos serviços de informação. O objetivo da extrema-direita é penetrar nesses instrumentos e sabemos que o está a fazer. Não é a primeira vez. Está a entrar no espaço material do poder depois de ter contaminado o discurso ideológico à sua esquerda, o da direita clássica, e sem precisar de encenar a tomada violenta do poder ou a eliminação sistemática dos seus adversários políticos.

O objetivo do fascismo é domesticar a classe trabalhadora e para o fazer precisa de destruir as suas organizações de classe.

Para domesticar as organizações de classe e sindicatos não precisa [da violência]. O neoliberalismo já o faz. 

Mas a eliminação física dos opositores contra o fascismo está descartada?

Não, não, de forma alguma. 

Se Hitler e Mussolini criaram milícias, Bolsonaro não o está a fazer, mas o seu movimento inorgânico está e há cada vez mais ataques isolados. 

A violência não desapareceu. Não há fascismo sem violência e a violência é intrínseca ao fascismo. Essa violência não tem de ser - por se organizar de forma orgânica - sob a forma da atuação de policias politicas. Mas não nos esqueçamos que um governo que não é tipicamente fascista, como o de [Michel] Temer [presidente do Brasil em exercício], ocupou militarmente o Rio de Janeiro. Bolsonaro já o prometeu e estou convencido que o fará. Existem milícias informais e não sei se têm qualquer ligação efetiva ao partido de Bolsonaro, o PSL. Não foi necessário haver um governo Bolsonaro para que tenha acontecido a militarização da sociedade, com a ocupação do espaço público, que é uma das manifestações públicas do fascismo. Quem implementou o mais longo estado de emergência em França com militares armados de metralhadora em todos os espaços públicos? Foi um governo socialista, liderado pelo coveiro do PS francês, Manuel Valls. Ninguém se lembraria de acusar Valls ou Hollande de serem fascistas. A banalização de sistemas de vigilância - atenção, legais -; a existência de Estados de emergência; a abertura de exceções à aplicação de direitos humanos e convenções internacionais; a ocupação militar do Rio de Janeiro, no caso do Brasil, não foi feita por governos fascistas. Quando Bolsonaro pegar nesses instrumentos e os estender, argumentará que os outros o fizeram. 

Nos anos pós-crise económico-financeira a esquerda ganhou força, mas há dois ou três anos perdeu-a e surgiu a extrema-direita. Em que é que a esquerda está a falhar, se o está?

Não estou completamente de acordo. Pode dizer-se que tem estancado. O que tem acontecido à esquerda é a implosão evidente da social-democracia depois de ter adotado, a partir de 1980, as perspetivas liberais da economia e abandonado a sua vontade e prioridade de representar as classes populares a que o Estado Social tinha melhorado as condições de vida. A implosão da social-democracia resulta essencialmente da sua traição ideológica, de ter abandonado o legado ideológico que dizia reivindicar desde o século XIX, e passado de armas e bagagens para o campo do liberalismo económico. 

Um dos riscos que corríamos em Portugal com a entrada, muito reduzida, na área do poder do BE e PCP era que se reproduzisse aquilo que tinha acontecido no caso do Syriza. Já tinha acontecido no passado em países com fortes partidos comunistas, em França e Itália. Sempre que organizações da esquerda, que continuam a reivindicar-se do marxismo, ascendem ao poder e compactuam e transgridem na política económica em nome de uma estratégia de quase frente popular - sem o dizerem -, para salvar o mínimo e a democracia contra a devastação social ou a ameaça fascista, sofrem gravíssimos riscos de perda de representatividade. 

Isso não tem acontecido com a geringonça? Mesmo com o Bloco e o PCP a aceitarem a austeridade, mesmo que encapotada. 

O caso português é surpreendente. Os estudos de opinião dizem que não há perda de representação, a realidade social também o diz, nomeadamente a capacidade de representação do descontentamento social, isto partindo do princípio que muitas das greves organizadas em Portugal no último ano têm ativistas do PCP e BE. Mas, ao contrário do que aconteceu em França, Itália ou Grécia, não foram para o poder.

Não entraram, mas o défice tem descido significativamente e a Comissão Europeia aplaude. Não há aqui uma austeridade encapotada que vai contra todo o discurso do BE e PCP?

É evidente que há. Creio que se tem percebido em Portugal que a política austeritária de tipo liberal é uma das linhas vermelhas. O orçamento da defesa vai subir. Nesse sentido, o que se percebe - e a esquerda e as classes populares continuam a perceber - é a utilidade do voto. Os partidos à esquerda não participam diretamente no governo, mas influenciam-no a partir de fora, sem perderem autonomia política relativamente ao poder. 

O que caracteriza uma frente popular é a defesa da democracia liberal e a perda da independência política. Compara a geringonça a uma frente popular.

É uma frente popular sem o ser. Não acho que numa frente popular haja perda de autonomia política, não acho. Há prioritização absoluta de uma coligação negativa de resistentes. As frentes populares da década de 30 foram isso, uma prioritização da resistência. 

A prioridade da resistência da geringonça tem sido o retorno dos rendimentos e a defesa dos serviços públicos, se bem que…

E uma alteração na legislação do trabalho, onde os socialistas têm sido até agora intransigentes, como a precarização do trabalho. Desde o início que todos sabemos quais são as linhas vermelhas dos PS: não se toca nas relações externas, na política europeia e nas relações de trabalho. Se me pergunta, não é muito? É muitíssimo. Qual era a alternativa? Deixar a direita governar? Nesse sentido, se a direita continuasse a governar, numa espécie de quanto pior melhor, valeria a pena deixá-la acentuar as contradições do PS, fazê-lo implodir ainda mais e ter as condições para ter uma maioria social do BE e PCP?

A História mostra que não é pelas condições se degradarem que surgem alternativas. Acha que BE e PCP entraram na geringonça sem estratégia?

Não acho. 

Ou com uma estratégia errada?

Não acho, honestamente. Não acho que estas coisas se façam com uma estratégia a quatro anos. Também acho que nem o BE nem o PCP sabiam quanto tempo isto ia durar. Mas sabiam - e aprenderam com outros à escala internacional - que com as atuais condições sociais, na contração brutal dos direitos de rendimento e exasperação social à escala internacional (e que no caso português não havia memória desde meados dos anos 80), produziram não forças de esquerda, mas o reforço da extrema-direita. Essa esquerda que se reincidira do marxismo resolveu já no século XIX o problema sobre se devia ou não participar no governo. Esta é uma das formas de participar no sistema político e de descongelar o voto na sociedade portuguesa, porque 15 a 20% votam à esquerda do PS. Depois de anos de contestação e mobilização, e com a vaga de emigração, era necessário dar um sentido e utilidade a esse voto. Perdendo essa utilidade, para que se elege? Esse ceticismo, a descrença no sistema político, não é exclusivo do populismo de extrema-direita. A democracia da abstenção em que hoje vivemos manifesta-se muito bem nos meios populares. 

As estatísticas têm mostrado que muitos dos eleitores que votam na extrema-direita faziam-no na esquerda socialista, na social-democrata ou até comunista, como em França ou Itália. Porquê? A esquerda falhou?

Não estou de acordo. Não é estatisticamente verdade que sejam os mesmos eleitores que tenham votado nos socialistas ou comunistas os que hoje votam Frente Nacional em França. A extrema-direita aparece com votação elevada em zonas onde a participação eleitoral se derreteu como manteiga ao sol. Falamos de bairros onde a participação está nos 35%, 40%, 50%. Onde é que a esquerda falhou? Há uma velha discussão se a esquerda percebeu que iria ser vítima da alteração nas relações de trabalho, na sua precarização e participação sindical, associativa e política, tornando obsoleta e antiga a participação política orgânica. A esquerda demorou muito tempo e foi improvisando. O Bloco de Esquerda, criado em 1999, muito antes do 15 de Maio espanhol e do Podemos, surgiu da mesma forma. Já reparou que durante muitos anos o Bloco não falava de partido? “O Bloco não é um partido, é um movimento”. Hoje não tem tanta dificuldade em se definir como partido. O Francisco Louçã falava de uma esquerda moderna e depois das eleições de 2002, desgraçadas para toda a esquerda, o Bloco foi abandonando essa terminologia radical-democrática. 

Acha então que o BE já não é tão radical como no passado?

Pelo contrário, acho-o muito mais radical do que era. Por isso é que saiu quem saiu do partido. Pela esquerda, saiu Gil Garcia e Raquel Varela; são migalhas. Quem saiu do BE, e que os média evidentemente valorizaram, foi Rui Tavares, Ana Drago, Joana Amaral Dias. Pessoas que fizeram o percurso que nós sabemos. Rui Tavares é o campeão do europeísmo de esquerda em Portugal. Acha que mais do que esquerda/direita, a diferença está entre europeísta e antieuropeísta, engrenando na tese de que quem está fora do consenso de Copenhaga está fora da democracia. Não duvido que são pessoas que se reivindicam da esquerda, mas quem saiu achou que o partido estava demasiado parecido com o PCP, acharam que era demasiado do campo do social. Sou dos que acha que o Bloco virou à esquerda.

Ricardo Cabral Fernandes | jornal i | Foto: Mafalda Gomes

Portugal | Tribunal esqueceu-se de crime. Mais um ano de prisão para Oliveira e Costa


No total, ex-presidente do BPN vai cumprir 15 anos de prisão

O ex-presidente do BPN Oliveira e Costa foi esta sexta-feira condenado a mais um ano de cadeia, a juntar aos 14 anteriormente aplicados, por abuso de confiança, depois de o tribunal se ter esquecido de fixar a pena.

O coletivo de juízes do Juízo Central Criminal de Lisboa, presidido por Luis Ribeiro, reformulou hoje o acórdão do caso principal do BPN, atribuindo quatro anos de prisão a Oliveira e Costa por abuso de confiança, estipulando, no final, uma pena única de 15 anos de cadeia para o ex-presidente do banco.

Entendeu o tribunal que o fundador do grupo SLN/BPN se apropriou indevidamente de mais de três milhões de euros que estavam no Banco Insular de Cabo Verde.

A reformulação da decisão resulta de um recurso apresentado no Tribunal da Relação de Lisboa.

Em maio de 2017, Oliveira e Costa foi condenado a 14 anos de prisão, dos quais já cumpriu dois em preventiva, por falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada, burla qualificada e branqueamento de capitais.

Além de Oliveira Costa, outros três arguidos - Luís Caprichoso, Francisco Sanches e José Vaz Mascarenhas - foram condenados a penas de prisão efetivas, com o tribunal a considerar que as suas condutas foram especialmente graves.

Num outro processo que envolve ex-responsáveis do BPN e cujo acórdão foi conhecido na segunda-feira, Oliveira e Costa foi condenado a 12 anos de prisão por dois crimes de burla qualificada.

Lusa | em Diário de Notícias | Foto: Rodrigo Cabrita/Global Imagens

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