sábado, 31 de agosto de 2019

Que diplomacia é essa, EUA?


Os EUA não procuram conflito nenhum com o Irã e querem colaborar diplomaticamente, declarou o secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper.

Na quarta-feira (28), durante primeira coletiva de imprensa após confirmação do cargo, o secretário de Defesa dos EUA destacou as intenções do presidente Trump de se encontrar com os líderes iranianos. Ele acentuou que, até hoje em dia, os países conseguiram evitar situações de conflito. "Nós esperamos que os iranianos concordem em se encontrar, falar e nos ajudar a resolver esses assuntos."

Durante a cúpula do G7, Donald Trump mostrou-se aberto para a proposta de Emmanuel Macron a organizar uma cimeira com o homólogo iraniano Hassan Rouhani.

Sputnik

A concentração de riqueza conduz o novo imperialismo global


Peter Phillips*
  
As mudanças de regime no Iraque e na Líbia, a guerra na Síria, a crise na Venezuela, as sanções a Cuba, Irão, Rússia e Coreia do Norte reflectem o novo imperialismo global imposto por um núcleo de nações capitalistas em apoio a triliões de dólares em riqueza acumulada pelos investidores. Esta nova ordem mundial do capital massivo tornou-se num império totalitário de desigualdade e repressão.

Os 1% do globo, constituídos por mais de 36 milhões de milionários e 2.400 bilionários, aplicam o seu excedente de capital em empresas de gestão de investimentos como a BlackRock e o J.P. Morgan Chase. As dezassete principais empresas de gestão destes triliões de dólares controlavam 41,1 triliões de dólares em 2017. Estas empresas investem todas directamente umas nas outras e são geridas por meras 199 pessoas que decidem como e onde investir este capital global. O seu principal problema é possuírem mais capital do que as oportunidades de investimentos seguros actualmente existentes, o que dá azo a arriscados investimentos especulativos, a um aumento com os custos de guerra, à privatização dos bens públicos e a pressionar para que se criem novas oportunidades de investimento deste capital por intermédio da mudança de regimes políticos.

As elites do poder que apoiam o investimento de capitais estão colectivamente imiscuídas num sistema de crescimento obrigatório. O falhanço do capital em continuar a atingir um crescimento contínuo leva à estagnação económica, o que pode resultar em depressão, em quebras bancárias, em colapsos de moeda e desemprego em massa. O capitalismo é um sistema económico que inevitavelmente se autoajusta por intermédio de contracções, recessões e depressões.

As elites do poder estão encurraladas numa rede de crescimento forçado que requer uma gestão global constante e a formação de oportunidades de investimento de capital em constante crescimento. Este crescimento forçado tornou-se num destino manifesto a nível mundial que procura o domínio total do capital em todas as regiões da Terra e além.

Sessenta porcento do núcleo duro dos 199 gestores da elite do poder global são naturais dos EUA, sendo este balanço arredondado por pessoas de vinte nações capitalistas. Estes gestores da elite e os um porcento que lhes estão associados participam activamente nos grupos de políticas globais e nos governos. Trabalham como conselheiros do FMI, da Organização Mundial do Comércio, do Banco Mundial, no Banco de Pagamentos Internacionais, na administração da Reserva Federal, nos G7 e G20. A maior parte deles participa no Fórum Económico Mundial. As elites do poder envolvem-se activamente nos conselhos privados para a política internacional, tais como o Grupo dos Trinta, a Comissão Trilateral e o Conselho Atlântico. Muitos dos membros da elite global dos EUA são membros do Conselho para Relações Estrangeiras e da Business Roundtable. O foco crucial destas elites do poder é proteger o investimento de capitais, assegurar o pagamento da dívida e criar oportunidades para aumentar o seu retorno financeiro.

"Legado da escravidão precisa ser combatido no Brasil", diz Laurentino Gomes


Autor de bem-sucedida série sobre o Brasil nos anos 1800, escritor volta a se debruçar sobre a história do país, abordando a escravidão em nova trilogia. Em entrevista, ele defende uma segunda abolição.

A primeira obra da nova trilogia do autor Laurentino Gomes, intitulada Escravidão, será lançada no começo de setembro e vai abordar desde o primeiro leilão de escravos africanos enviados às Américas no século 16 até a morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695.

"O Brasil foi o país no hemisfério que mais resistiu a abolir o tráfico negreiro e o que mais tempo demorou a abolir a própria escravidão. Mas, quando você olha os livros de história no Brasil, a escravidão aparece como se fosse um assunto quase secundário. O termo não aparece com a importância que teve", comentou Laurentino Gomes em entrevista à DW Brasil.

Para o autor, a discussão em torno da escravidão, assim como outros temas polêmicos, está saturada de opiniões inconsistentes dos pontos de vista histórico e científico.

"O grande problema é que o debate carece de racionalidade, porque está baseado em opiniões aleatórias, preconceituosas, sem fundamento, com o objetivo de manipular o público em favor de projetos muito bem alicerçados que estão sendo implantados de forma rápida no Brasil, envolvendo direitos sociais, trabalhistas, a proteção do meio ambiente. O meu livro chega para infundir alguma racionalidade no meio disso tudo", afirma.

Ainda sobre o momento atual, Laurentino Gomes defende o que chama de uma segunda abolição, fruto das desigualdades sociais brasileiras. Segundo dados do Atlas da Violência deste ano, 75% das vítimas de homicídio no país são negras.

"Vivemos um regime de exclusão, com uma elite pequena, que se beneficia dos recursos públicos, que consome, e do outro lado uma massa enorme de excluídos. Esse é um legado da escravidão que precisa ser combatido", diz.

Brasil | Passividade aparente


Não quero discutir a alienação, a incompreensão e o desleixo do andar de cima (na expressão do meu amigo Elio Gaspari) com o drama vivido por milhões de brasileiros desempregados ou sem trabalho.

João Guilherme Vargas Netto, São Paulo | Correio do Brasil | opinião

Mas busco explicação para a passividade aparente daqueles milhões que sofrem com o desemprego em uma sociedade cada vez mais desorganizada e não se manifestam com atos coletivos expressivos de resistência, de denúncia ou de revolta. Como explicá-la?

Um primeiro elemento de uma explicação ainda parcial é o colchão social sobre o qual a massa de milhões consegue amortecer o desamparo e se virar.

É a rede de relações de parentesco e amizade, é a rede de igrejas e suas filantropias, é o parco excedente acumulado ou o endividamento, é a rede pública de proteção e é o exercício de atividades económicas precárias e individuais.

Um outro elemento a se levar em conta é a estabilização do quadro económico e social do desemprego alto mas sem grandes e dramáticas acelerações.

A curva que descreve o fenómeno dispara verticalmente para cima nos anos 2014/2015 e a partir daí mantém-se em uma faixa relativamente estável. Para todos os efeitos a reação a esta subida abrupta, a “vingança”, se manifestou nas eleições de 2016 e 2018 e no impedimento da presidente Dilma.

Brasil | Joênia Wapichana, a voz indígena no Congresso em meio à crise na Amazónia


A primeira mulher indígena na Câmara, eleita deputada federal pelo Estado de Roraima, integra grupo de parlamentares que pede a destituição do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pelos incêndios na floresta brasileira

Na Câmara dos Deputados, os parlamentares mais velhos e as mulheres têm preferência para escolher o gabinete. Os primeiros, em deferência à idade. Em relação às segundas não está tão claro. O fato é que Joênia Wapichana (1974) não hesitou um instante. A primeira mulher indígena que se senta no Congresso federal escolheu o gabinete 231 em homenagem ao artigo da Constituição mais importante para ela e os seus, o que “reconhece a organização social, os costumes, as línguas, os credos e as tradições dos índios, assim como seus direitos originais às terras que tradicionalmente ocupam. A União tem a responsabilidade de demarcar essas terras, proteger e garantir o respeito de todos os seus bens”.

Wapichana, que costuma usar vistosos brincos de penas coloridas e tem o sobrenome de sua comunidade, como é hábito entre os líderes indígenas, está ciente do peso histórico e político da cadeira que conquistou em outubro do ano passado. Foi nas eleições em que seus compatriotas elegeram como presidente Jair Bolsonaro, que pretende autorizar a exploração de minérios em terras indígenas para impulsionar a economia e assimilar seus habitantes. Agora, em plena crise dos incêndios na Amazónia, Wapichana pede, ao lado de outros congressistas, perante o Supremo Tribunal Federal, a demissão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por sua responsabilidade no desastre.

A deputada não gosta de rodeios e nem de perder tempo. Vai direto ao assunto, como os executivos de grandes empresas ou outras mulheres que compatibilizaram a universidade com a criação dos filhos. Essa advogada de cabelos e olhos cor de azeviche que fez mestrado no Arizona renunciou a uma confortável carreira de funcionária pública para defender as comunidades indígenas. Foram as do seu estado, Roraima, que a encorajaram. Queriam ter voz própria diante do poder em Brasília. A Constituição é a principal arma que Wapichana esgrime diante de um Governo que, enfatiza em seu gabinete, quer atropelar os direitos indígenas. Até hoje o único indígena entre os ilustres membros do Congresso era um cacique, Mário Juruna. Eleito nos anos 80, é lembrado por esse marco histórico e porque ia aos gabinetes com um gravador, para que as palavras dos brancos ficassem registadas, pois mentiam com frequência.

A água queima na Amazónia


Dal Marcondes, especial para a Envolverde

Pouco mais de 12% de toda a água doce de superfície escorre pela Amazônia. Há ainda aquíferos subterrâneos de grandes dimensões que se escondem sob suas matas, e sobre elas os rios voadores, que crescem sobre suas árvores e são bombeados para encher o pantanal brasileiro e o chaco boliviano e paraguaio, para depois fazer chover no Sul/Sudeste Brasileiro. Graças à combinação da imensa bomba d’água amazônica e a cordilheira do Andes a região de São Paulo/Paraná é uma das mais férteis do mundo. Em outros pontos do planeta, na mesma latitude de São Paulo/Paraná floresceram desertos. É o caso do Atacama, no Chile, o Kalahari, na África do Sul e o Deserto de Vitória na Austrália.

A floresta tropical da Amazônia é uma imensa bomba d’água que puxa umidade do Atlântico, circula essa umidade através da evapotranspiração das árvores e empurra a água em direção ao Sul através de Rios voadores. O desmatamento e o fogo retiram força dessa bomba d’água, reduzindo sua capacidade de oferecer os volumes de água necessários para o Pantanal e para o agronegócio pujante do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.

O que o Brasil, governo e sociedade precisam compreender é que o papel da Amazônia no desenvolvimento do país é muito maior através de seus serviços ambientais do que como terra de pecuária ou de madeira barata. O país se beneficia diretamente através do clima ameno e da rica economia das regiões ao Sul da Amazônia, onde se produz mais de 75% do Produto Interno Bruto do Brasil.

Quando os computadores eram gente

A máquna de Babagge
No século XVIII, na França, cálculos astronômicos e estatísticos eram feitos por proletários da matemática. Para eliminar o “fator humano”, fez-se a máquina. Hoje, Inteligência Artificial reedita a “utopia de automatização”. Aguentaremos?

Orlando Lima Pimentel | Outras Palavras

O termo “Computador”, hoje tão utilizado para designar nossos Desktops, Notebooks e afins, nem sempre foi o nome de uma máquina. Ele remonta primeiramente a uma atividade muito humana: o “computar” que, por sua vez, tem raízes etimológicas no latim computare, significando calcular, contar e avaliar. Se hoje em dia grande parte do processamento de cálculos e de dados é feita por máquinas de computação, nos idos do final do século XVIII, que é o período do qual falaremos nas próximas linhas, a atividade era feita por mãos e mentes humanas, através da exploração da força de trabalho de verdadeiros proletários da matemática e da estatística.

Chamavam-se “computadores” os profissionais – mulheres, homens e mesmo crianças – empregados na confecção de tabelas matemáticas que exigiam a reprodução de cálculos ou de classificações lógicas para os mais diversos interesses públicos e privados. Entre o século XVIII e XIX, esse tipo particular de mão de obra foi empregada em grande parte para o cálculo de efemérides[1] astronômicas e para a confecção de estatísticas ligadas diretamente ao interesse de controle Estatal.

Diferente dos matemáticos dedicados a atividades mais especulativas, do trabalho das computadoras e dos computadores era exigido apenas um conhecimento parco das operações básicas da aritmética, apenas o suficiente para poderem processar as informações que recebiam de seus superiores. Por muitas vezes iletrados e recebendo míseros soldos, os computadores, tal como proletários de uma fábrica ou manufatura repetindo movimentos braçais, reproduziam os mesmos cálculos tediosos e operações intelectuais durante extenuantes horas de trabalho. Também, ainda similarmente a trabalhadores de uma manufatura, eram organizados a partir de uma divisão específica de trabalho: aquela do processo de confecção de tabelas matemáticas.

Portugal | Há lodo no cais... E perguntar não ofende...


António Jorge * | Luanda

Lucubrações...

- Será que o problema dos motoristas de pesados de mercadorias e de materiais perigosos... se esgota na análise das eventuais irregularidades na formação do sindicato e das legitimas dúvidas sobre as reais intenções com este projecto sindical... por parte dos seus principais dirigentes?

Será que o sindicato, mesmo tendo uma origem, ilegal, pecaminosa e dúbia... os trabalhadores não tem razão para exigirem melhores condições de trabalho e para isso lutarem afincadamente por melhores condições salariais?

Sim... como foi possível tanta adesão dos trabalhadores a este neófito sindicato?

Os trabalhadores que a ele aderiram estavam sindicalizados noutro sindicato ou não... ou são de uma e outra origem?

Que razões sindicais explicam isto?

A adesão a este sindicato.

A acusação de partidarização do sindicato, não pega... é um argumento falacioso... porque afinal, todo o movimento sindical desde há algumas décadas, está partidarizado, como tudo na vida em sociedades democráticas.

Então... como explicar a perca dos valores dos salários ocorrido nestes anos de abundância... democrática?

Nos meus tempos de dirigente sindical... o SMN - Salário Mínimo Nacional... depois da sua promulgação no governo de Vasco Gonçalves em 1974... teve dois objectivos fundamentais:

1º. Abranger os trabalhadores das chamadas zonas brancas... os que não tinham convenção de trabalho especifica - ACT ou CCT.

Nomeadamente; trabalhadores de limpezas, empregadas domésticas, rurais e outros não definidos, etc. 

2º. Por via da aplicação do SMN, fazer subir indirecta e directamente as categorias dos maiores de 18 anos... pelo SMN, que nas suas convenções de trabalho, ganhassem menos do que o mínimo estabelecido nas suas convenções de trabalho. 

Continuando... A esmagadora maioria de trabalhadores portugueses, mais de 80%, ganhavam muito mais que o SMN... e no caso a que estou ligado, aos trabalhadores do comércio e serviços... mais do dobro nas categorias superiores e intemédias... caixeiros ou operadores.

O valor dos salários no tempo... foi completamente engolido... e hoje os trabalhadores, inversamente ao que se passava antes, até aos anos 80 (deixei o movimento sindical em meados dos anos 80) - vergonhosamente estão a ganhar um salário.... quase todos ao mesmo nível ou próximo do SMN.

Onde está a produtividade... até provocada pelo aumento da riqueza e dos meios tecnológicos, do crescimento da economia... para onde vai?

Onde está a reposição dos salários tendo em conta a inflação?

Mais ainda... como entender o paradoxo... no meu sector o comércio no meu tempo... era caracterizado por ter uma estrutura empresarial com uma média inferior a dois trabalhadores por empresa... os comerciantes na sua maioria, eram antigos caixeiros... e com este tipo de estrutura pobre se ganhava mais... muito mais do que agora?

O comércio hoje em Portugal é caracterizado e dominado pelas grandes superficies e marcas internacionais e redes de lojas e produtos... como é que se explica que uma estrutura comercial rica, com aplicação de métodos racionais de gestão concentrada e de tipo multinacional pagam menos... que os comerciantes portugueses do meu tempo... que ainda é recente e eram ex-empregados do comércio?

Por alturas do 25 de abril, os trabalhadores do comércio andavam pelos 200 mil... e comerciantes cerca de 300 mil... esta estrutura pobre herdada do fascismo pagava o dobro dos salários... e os trabalhadores do comércio ainda tinham fim de semana... a histórica conquista da semana inglesa, dos trabalhadores do comércio... e tinham direitos e garantias nos contratos específicos de trabalho e nas leis laborais de então.

Espero ver aqui expressas algumas explicações para eu perceber... o que entretanto se passou... Estive 24 anos em Luanda, existe um hiato de tempo, entre 1994 e 2017, que me pode escapar na análise desta realidade.

Mas uma coisa eu digo desde já:

- Se eu quando regressei de Angola e tivesse ainda de trabalhar no sector do comércio... também me determinaria a criar um sindicato do comércio... reinvindicativo... adaptado à realidade do Portugal actual, sem deixar de assumir, um sindicalismo de vanguarda, revolucionário, de massas e de classe!

Nota:
Em função das eventuais contribuições a este texto feito por mim ao correr da pena... voltarei de novo a este assunto para o aprofundar, por ser de importância relevante... e relacionado com as condições de vida dos trabalhadores e do povo... e desmistificar os contextos no pós abril... e do tipo de democracia em que vivemos... e claro... debater este momentoso assunto, de que aqui vos falo!

Ex-Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio do Distrito do Porto
Ex-Membro executivo da Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio e Serviços
Ex-Secretário da USP - União dos Sindicatos do Porto
Ex-Secretário Nacional e Ex-Conselheiro Nacional da CGTP-Intersindical

Portugal | O Costa Amnésico


Mário Motta | opinião

António Costa, atual e futuro primeiro-ministro de Portugal - as eleições são a 6 de outubro - está a causar fortes suspeitas de que sofre de amnésia ou de algo muito pior, que contradiz o que ele amiúde tem dito e, principalmente, quando se assume de esquerda e antifascista.

Com o pretexto de serem democráticos e "estudiosos da história", fascistas empedernidos e ressabiados pretendem fundar em Santa Comba Dão um pseudo museu do nazi-fascista Oliveira Salazar, responsável político e moral que assassinou, torturou e oprimiu os portugueses durante mais de 40 anos. Contra tal iniciativa já se manifestaram milhares de portugueses, assim como mais de 200 antifascistas ainda vivos que foram grandes vítimas em prisões do regime salazarista-nazi-fascista. Muitos milhares pronunciaram-se em petição e os mais de 200 antifascistas escreveram ao atual e futuro primeiro-ministro António Costa. Ele respondeu-lhes? Não. Alguma vez se pronunciou sobre o assunto? Não. Auto intitula-se socialista e anti-fascista? Sim. Com este e outros comportamentos é credível que seja o que diz ser? Não.

Um militante alegadamente socialista, presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão, que inclui Vimieiro - lugar de nascimento de Salazar - é um dos principais promotores da iniciativa do pseudo-museu Salazar, a reboque de um sobrinho do criminoso ditador...

Aquele autarca é um socialista-salazarista? Fascista? A militar num partido democrático dito socialista?! Afinal um companheiro de António Costa, assim como dos socialistas (e existem por lá uns quantos sem que se perceba porquê). Assim sendo, porque não tolhe, António Costa, a manifesta intenção do autarca e de outros nazi-fascistas saudosistas de fundar o referido museu na casa vimieirense do macabro ditador? Sabendo-se que a perspetiva é a de naquele local fazer ponto de reunião e adoração não só a Salazar mas também ao nazi-fascismo com que provavelmente foi parido.

Num assunto tão aviltante para os portugueses, principalmente para os que sofreram nas masmorras de Salazar, assim como para os seus familiares e para os que perderam entes queridos assassinados pelos algozes de Salazar, António Costa manifesta enorme amnésia e deixa andar para conclusão o projeto que até a ele o salpicará com o sangue das torturas e dos assassinatos salazaristas-nazi-fascistas.

Costa não tem de ir ao médico por causa da referida amnésia mas sim clarificar de que lado está. A democracia não pode baixar pontes levadiças quando se trata de projetos ou outras pretenções extremistas para ressuscitar mais extremismos que mais tarde ou mais cedo a destroem. Costa já devia ter clarificado a sua posição sobre o assunto com o seu companheiro de partido político, PS, autarca de Santa Comba. Aquela malfadada região onde foi parido tal criminoso, António de Oliveira Salazar.

Vai haver pseudo museu a honrar e glorificar o nazi-fascismo sob a forma de salazarismo? Vamos ter de ver as romarias de nazi-fascistas ao Vimieiro, local do pseudo-museu?

O que dirá Costa, que cobardemente se remete ao silêncio, menosprezando os que lutaram por Portugal democrático, livre do fascismo, livre do salazarismo, livre de nazis?

Onde está o António Costa que tanto se regozijava com a chamada "Geringonça" e ser primeiro-ministro de um governo de esquerda? Perdeu-se no caminho? Embriagou-se com o poder e enveredou por inverter para a direita?

Era muito bom que respondesse a questões prementes antes das eleições, sob pena de acabar por ser comprovadamente considerado desonesto nas declarações e no seu "auto-retrato". Arregimentando desiludidos pelas suas políticas e suas açoes.

Portugal | Não, senhor ministro


Inês Cardoso | Jornal de Notícias | opinião

É um mistério para mim que a sinistralidade rodoviária mereça tão pouca atenção política e da sociedade civil em Portugal, mas talvez uma das explicações esteja na opacidade e confusão causada pelas próprias estatísticas. Os relatórios anuais demoram muito a ser publicados e dificilmente um cidadão anónimo terá a perceção real das vítimas.

Primeiro são publicados os dados das mortes a 24 horas. Depois, as mortes a 30 dias - ou seja, incluindo os feridos graves que nos dias seguintes ao acidente acabam por morrer no hospital. Este é o relatório com os números mais reais, mas no meio de tantas estatísticas só os mais entendidos os apreendem em pleno. Este ano com uma agravante: embora a 24 horas o número de mortes em 2018 seja bastante idêntico ao de 2017, a 30 dias registaram-se mais 73, uma diferença abissal. Confuso? Bastante.

Portugal | Esquerda já vale mais do dobro da Direita em Portugal


PS continua no limiar da maioria absoluta (43,6%). BE consolida terceiro lugar (10%). Direita cada vez mais enfraquecida e fragmentada, com o PSD nos 20,4%.

Adivinha-se uma vitória contundente da Esquerda sobre a Direita nas próximas eleições legislativas. De acordo com uma sondagem da Pitagórica para o JN e a TSF, os três partidos da "geringonça" somariam neste momento um pouco mais de 60% das intenções de voto. Já os quatro partidos à Direita, valeriam menos de 30%.

É uma Direita cada vez mais enfraquecida e fragmentada aquela que resulta do retrato político do mês de agosto. Enfraquecida, porque já só soma 28,1% - são menos 10 pontos percentuais do que o conseguido por Passos Coelho e Paulo Portas nas eleições de 2015; e menos seis pontos do que marcava em abril, data do arranque dos estudos da Pitagórica para o JN.

Fragmentada, porque há agora quatro partidos com hipótese de eleger deputados: o PSD, que continua em perda e está agora nos 20,4%; o CDS, também em queda, nos 4,9%; o Aliança a subir ligeiramente para os 1,5%; e o Iniciativa Liberal, que se estreia nestas projeções com 1,3%.


Assunção Cristas antecipou o cenário de fragmentação esta semana, admitindo a formação de uma "geringonça à Direita", depois das eleições de 6 de outubro. Mas foi naturalmente mais contida no que diz respeito ao enfraquecimento.

Se a líder do CDS se pudesse dar ao luxo de ser realista (estamos em campanha), não teria falado da hipótese de essa nova "geringonça" chegar aos 116 deputados, que asseguram uma maioria na Assembleia da República, antes da necessidade dos quatro partidos somarem pelo menos os 78 deputados que impedissem os três partidos de Esquerda de formar uma maioria constitucional de dois terços.

Será mais um fantasma lançado por alguns políticos à Direita do que uma hipótese credível - o PS está a um mundo de distância de BE e PCP em várias matérias. Veja-se o caso das leis laborais -, mas, como se diz a propósito de bruxas, "que elas existem, existem!"

Desentendimento à esquerda

Os últimos sinais políticos à Esquerda são aliás pouco promissores relativamente a entendimentos. Há a questão da atualização do salário mínimo, que o PS coloca fora de qualquer acordo futuro. Como há o ataque de António Costa ao BE. Que não será fruto do acaso. A sondagem da Pitagórica parece indicar que a luta pelas franjas que ainda sobram à Esquerda será sobretudo entre PS e BE. E no mês de agosto, foram os bloquistas que levaram a melhor.

É certo que a projeção para o PS aponta à eventual subida de 0,4 décimas, para os 43,6%. Mas o BE subiria quase um ponto percentual e chegaria aos 10%. A CDU ficaria com 6,6%, ou seja, manteria o mesmo patamar dos últimos quatro meses (com oscilações diminutas).

Os socialistas continuam, como já acontecera na sondagem de julho, no limiar da maioria absoluta. Faltarão poucas décimas, mas o resultado atual poderá não ser suficiente. Basta recordar que os 44% de António Guterres, em 1999, foram curtos (faltou um deputado para a maioria). Mas que os 45% de José Sócrates, em 2005, garantiram uma margem razoável (mais cinco deputados do que o necessário para uma maioria absoluta).

Mesmo sem o poder total, os socialistas poderão vir a ter mais uma hipótese de parceria. O PAN, partido animalista reconvertido em ambientalista, tem uma projeção de 3,2%. Baixa ligeiramente face a julho, mantém a hipótese de eleger vários deputados.

Rui Rio é quem mais sobe na taxa de rejeição

Más notícias para o líder do PSD no que diz respeito à sua candidatura a primeiro-ministro. Tal como partido, também Rui Rio, enquanto trunfo eleitoral, está em baixa. Na taxa de rejeição de voto, o social-democrata sobe quatro pontos: são agora 58% de inquiridos que asseguram que "jamais" votariam nele. O mercado eleitoral estreita-se a pouco mais de um mês das eleições e o fenómeno ganha visibilidade se compararmos os resultados desde abril, data de arranque deste ranking: em quatro meses, Rio acrescentou 13 pontos aos que o rejeitam.

Igual nesta má prestação só André Ventura, que também subiu 13 pontos desde abril, mas soma agora uma taxa de rejeição de 64%. Outros líderes partidários que estão a gerar rejeição são Catarina Martins (BE), que também cresce quatro pontos em agosto, e André Silva (PAN), que marca mais cinco pontos.

Ainda assim, o líder continua a ser Santana Lopes, que já foi primeiro-ministro, acabando demitido por Jorge Sampaio, em 2005. Talvez seja essa uma das explicações para a rejeição do eleitorado.

Quando se espreitam os resultados contrários, ou seja, a percentagem de eleitores que "de certeza" votaria em Rui Rio para primeiro-ministro, as notícias voltam a ser negativas: o líder do PSD perde três pontos de julho para agosto e já só tem três pontos de vantagem sobre Catarina Martins, do BE (em julho eram oito).

Quem lidera o ranking da firmeza de voto é, como sempre, António Costa: tem assegurados 26% dos eleitores. Acresce que o atual primeiro-ministro e recandidato pelo PS é também o líder com a taxa de rejeição mais baixa entre os nove que são avaliados no barómetro da Pitagórica para o JN e a TSF: soma 42%, mais um ponto que no mês passado.

Abstenção pode favorecer o PS e prejudicar PSD

A sondagem do JN apresenta evoluções aparentemente contraditórias, quando se comparam os resultados de julho e agosto: na intenção direta de voto, o PS recua (menos 1,2 pontos) e o PSD melhora (0,7 pontos); mas na projeção de resultados, é o PS que sobe e o PSD que está em perda. Como explica Alexandre Picoto, da Pitagórica, a análise que permite a projeção final inclui, para além da distribuição dos indecisos, o tratamento da abstenção, que se faz a partir de oito perguntas sobre hábitos, probabilidades e importância do voto. "Os prováveis abstencionistas são então retirados da amostra", acrescenta o mesmo especialista. Não há, portanto, uma contradição. O que se constata é que os eleitores socialistas estão mais motivados do que os sociais-democratas para ir votar. Mas se isso será mesmo assim, só será possível confirmar no dia das eleições, conclui.

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Um em cada cinco eleitores ainda está indeciso. São sobretudo mulheres, uma vez que a diferença para os homens é de quase nove pontos (23,7% face a 15,1%). Onde menos se hesita é no Grande Porto (apenas 11,2% de indecisos).

Rafael Barbosa | Jornal de Notícias

Portugal | Furto de Tancos, tragédias e "sangria de efetivos" marcou a área militar


O furto de material de guerra em Tancos, em 2017, teve impactos que ultrapassaram a área militar, marcando uma legislatura que termina com um ex-ministro arguido e, na Defesa, com o problema da falta de efetivos por resolver.

A falta de efetivos militares nas fileiras e a saúde militar continuam, ao fim de quatro anos, a preocupar as Forças Armadas, numa área que foi atravessada por algumas tragédias e várias polémicas, com o furto de Tancos a ditar a saída do primeiro titular da pasta na legislatura, José Azeredo Lopes.

O mandato de Azeredo Lopes no cargo de ministro da Defesa cessou a 12 de outubro de 2018, quando se demitiu sob pressão dos desenvolvimentos da investigação judicial à operação da Polícia Judiciária Militar que levou à descoberta do material furtado, três meses e meio depois do furto.

A 4 de julho, o ex-ministro foi constituído arguido no processo e confessou que considera a decisão do Ministério Público "absolutamente inexplicável" tendo em conta o seu envolvimento "que foi apenas de tutela política".

As Forças Armadas tiveram, nos últimos quatro anos, de enfrentar restrições financeiras ao seu funcionamento, mas é a escassez de pessoal para as fileiras que mais preocupa as chefias, que falam em "sobrecarga de esforço", segundo foi assumido num seminário promovido pelo Ministério da Defesa.

A comunicação, única aposta da cimeira do G-7 em Biarritz


Thierry Meyssan*

O G7, que era originalmente um lugar de conversas entre dirigentes ocidentais para melhor compreender os pontos de vista respectivos, tornou-se uma questão de comunicação. Longe de expor à porta fechada os fundamentos do seu pensamento, os convidados tornaram-se actores de um show mediático onde cada um tenta fazer boa figura. O pior terá sido, desta vez, a surpresa inventada por Emmanuel Macron para os jornalistas e contra o seu convidado norte-americano.

Um clube, não uma organização decisória

Aquando da sua criação em 1976, por Valéry Giscard d’Estaing e Helmut Schmidt, o G-6 era um grupo de discussões informal, o Presidente francês e o Chanceler alemão pensavam trocar ideias com os seus homólogos para acertar as suas ideias no contexto da crise do dólar que resultou do fim da guerra contra o Vietname. Não se tratava de tomar decisões, mas de reflectir sobre o futuro da economia ocidental. Os convidados eram os mesmos que se reuniam com o Tesouro norte-americano, pela mesma razão, um pouco antes. No entanto, a reunião não juntava desta vez os Ministros das Finanças, mas os chefes de Estado ou de Governo e a Itália, que agora fora incorporada.

Com a dissolução da União Soviética e o fim da divisão do mundo em dois campos, o G-7 passou a abordar questões políticas, depois associou a Rússia às suas discussões informais. Mas assim que Moscovo se levantou, opôs-se à OTAN na Síria e recusou o Golpe de Estado na Ucrânia, a confiança foi quebrada e os Ocidentais decidiram reunir-se de novo só entre si, episódio que encerrou, também, qualquer veleidade de fazer participar a China.

Os últimos G-7 produziram inúmeras Declarações e Comunicados. Essa "literatura" não registou nenhuma decisão, antes elaborou um discurso comum, tanto mais prolixo quanto a política interna dos EUA era dominada pelo «politicamente correcto». Como sempre, quando não se tem consciência de ter contrapoderes, a separação entre a realidade e este discurso não parou de aumentar.

A irresponsabilidade das pequenas nações


Paul Craig Roberts* 

23 de agosto de 2019 "Information Clearing House" - Depois de acusar falsamente a Rússia de violar o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF), Washington repudiou unilateralmente o tratado. Assim, o complexo militar / de segurança dos EUA se livrou do acordo histórico alcançado por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, que desarmou a Guerra Fria.   

O Tratado INF era talvez o mais importante de todos os acordos de controlo de armas realizados pelos presidentes americanos do século 20 e agora abandonado no século 21 pelos governos neoconservadores dos EUA. O tratado removeu a ameaça de mísseis russos contra a Europa e a ameaça de mísseis americanos baseados na Europa para a Rússia. A importância do tratado se deve à redução da chance de uma guerra nuclear acidental. Os sistemas de aviso possuem um histórico de alarmes falsos. O problema dos mísseis norte-americanos na fronteira da Rússia é que eles não deixam tempo para reflexão ou contacto com Washington quando Moscovo recebe um alarme falso. Considerando a extrema irresponsabilidade dos governos dos EUA desde o regime de Clinton em elevar as tensões com a Rússia, os mísseis na fronteira da Rússia deixam a liderança da Rússia com poucas opções a não ser apertar o botão quando soar um alarme. 

Que Washington pretenda colocar mísseis na fronteira da Rússia e sair do Tratado INF para este único propósito agora é óbvio. Apenas duas semanas depois de Washington retirar-se do tratado, Washington testou um míssil cuja pesquisa e desenvolvimento, não apenas de implantação, foram proibidos pelo tratado. Se você acha que Washington projetou e produziu um novo míssil em duas semanas, você não é inteligente o suficiente para ler esta coluna. Enquanto Washington estava acusando a Rússia, foi Washington quem violou o tratado. Talvez esse ato adicional de traição ensine à liderança russa que é estúpido e autodestrutivo confiar em Washington sobre qualquer coisa. Todo país deve saber agora que os acordos com Washington não têm sentido.
 

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Ataque de longa distância a campo de petróleo saudita põe fim à guerra contra o Iémene


Hoje (17.08) afinal a Arábia Saudita foi derrotada na guerra contra o Iémene. Não teve defesas contra as novas armas que os Houthis no Iémene adquiriram. Essas armas ameaçam as linhas de sobrevivência económica dos sauditas. Esse foi hoje o ataque decisivo:

Drones disparados pelos rebeldes Houthis do Iémene atacaram no sábado um campo gigante de petróleo e gás, em área profunda no vasto território desértico da Arábia Saudita, causando o que o reino descreveu como “incêndio limitado” no segundo ataque recente desse tipo contra a sua crucial indústria de energia. 

A nota emitida pelos sauditas apareceu por vídeo, horas depois da declaração de Yahia Sarie, porta-voz militar dos Houthis, na qual os Houthis informam que os rebeldes lançaram 10 drones armados com bombas contra o campo, na sua “maior operação de todos os tempos”. E ameaçam que novos ataques virão.

Referendo Timor-Leste | Díli, 30 de agosto de 1999


O dia começou cedo. Eram umas quatro da manhã quando saímos da casa da família timorense onde estávamos alojados - eu, que estava em Timor peloDiário Digital, jornal online que tinha então pouco mais de um mês de vida, e o Albano Matos, veterano repórter do Diário de Notícias, falecido em 2015, uma asa protetora para esta recém jornalista, então com 23 anos. É do Albano a primeira memória que tenho desta viagem. Estávamos no aeroporto e, pela primeira vez, caiu-me a ficha: "Vou para Timor, vou mesmo para Timor". Deve ter-se notado. "Estás com medo?", perguntou o Albano. Sorri-lhe, sem responder. Respondeu ele: "Não faz mal".

Susete Francisco | Diário de Notícias | opinião

Na noite que antecedeu o referendo tinham-se ouvido tiros pela cidade o o que estava para vir nas horas seguintes era uma verdadeira incógnita. Os sinais dos últimos dias não eram bons - no domingo anterior (a votação foi numa terça-feira) um membro de uma milícia pró integração tinha sido morto em Becora, um bairro fortemente independentista da capital, e sucediam-se os rumores de possíveis/prováveis/iminentes retaliações das milícias pró Indonésia.

Quando chegámos às primeiras mesas de voto, ainda as urnas estavam longe de abrir e já havia centenas e centenas de pessoas nas filas para votar. A apreensão dos últimos dias dera lugar a uma impressionante calma. É a imagem mais presente que tenho daquele dia: pessoas a sorrir. Como se as preocupações de ontem estivessem adormecidas e as de amanhã ainda não encontrassem espaço para existir. Elas estavam lá - muitos timorenses tinham descido das montanhas, onde se tinham refugiado, e voltariam para lá depois de votar, com receio das milícias - mas aquele não era o momento para isso. Os timorenses tinham esperado 24 anos por aquele dia, 24 anos sangrentos. Entre os mais velhos, não faltava quem dissesse que agora já podia morrer em paz. E isto era dito em português, esse poderosíssimo laço emocional que é falar a mesma língua.

Em Becora, onde dois dias antes a tensão era quase palpável, o bairro parecia outro, as pessoas pareciam outras, estava toda a gente - toda a gente - nas filas para votar. A meio da tarde, havia mesas onde já não havia ninguém. Já todos tinham votado. Os resultados - esmagadoramente pró independência - viriam a mostrar que votaram 98% dos eleitores inscritos.

Apesar de alguns incidentes esporádicos, aquela foi uma terça-feira relativamente pacífica em Díli. Se ao início do dia os membros da UNAMET, a força das Nações Unidas designada para assegurar o referendo, desconfiavam de tanta calmaria, no final, com as urnas encerradas, também a equipa internacional era, toda ela, sorrisos.

Vinte anos passados sobre aquele 30 de agosto há pormenores que já não retenho do turbilhão daqueles dias, mas há imagens que não se apagam. Nessa noite, a família que nos alojava foi buscar uma "relíquia" que guardava há muitos anos, se a memória não me trai, julgo que enterrada: uma bandeira portuguesa. O que foi impressionante não foi tanto a bandeira, foi a solenidade com que a trouxeram e mostraram, impecavelmente dobrada, sem uma ruga. Depois, voltou a ser escondida. O referendo estava feito, as preocupações do amanhã já tinham espaço para voltar, eram muitas, e como se veio desgraçadamente a demonstrar menos de uma semana depois, tinham toda a razão de ser.

Referendo Timor-Leste - 20 anos | Celebrações evocam símbolos da libertação


António Sampaio, da Agência Lusa

Díli, 30 ago 2019 -- Música que marcou momentos da luta de Timor-Leste pela independência, incluindo o tema 'Timor', cantado por Luis Represas, com focos de telemóveis a simbolizarem velas, marcou hoje as cerimónias oficiais dos 20 anos do referendo de 1999.

A cor musical e das danças tradicionais foi a tónica lúdica numa cerimónia onde se homenagearam os muitos que lutaram para Timor-Leste ser independente e onde se ouviu uma curta mensagem do secretário-geral da ONU, António Guterres.

Na sua mensagem, o português, à data primeiro-ministro, mostrou-se orgulhoso do seu papel e recordou que "Timor inspirou o mundo" e mostrou a importância do multilateralismo.

As cerimónias decorreram no recinto de Tasi Tolu -- cujo nome lhe é dado pelas três lagoas salgadas da zona -- e que tem acolhido alguns dos momentos mais marcantes das últimas décadas.

Foi ali que muitos dos líderes que hoje ainda continuam ativos, ainda que em cargos diferentes, testemunharam, a 20 de maio de 2002, e perante líderes do mundo interior, a subida da bandeira que marcou a restauração da independência de Timor-Leste.

Timor-Leste | PR recorda luta pela independência e pede esforço conjunto pelo futuro


Díli, 30 ago 2019 -- O Presidente da República timorense recordou hoje os principais momentos da luta pela independência de Timor-Leste, afirmando que continua a ser necessário um esforço conjunto para construir e consolidar o Estado.

"Ainda há um longo caminho a percorrer na construção e desenvolvimento da nossa democracia e do nosso Estado para garantirmos que o nosso povo expresse e desenvolva a nossa cultura e vontade política, e que continue a afirmar a nossa identidade nacional", afirmou hoje Francisco Guterres Lu-Olo

"Estas aspirações serão materializadas se conseguirmos garantir a participação democrática dos cidadãos e alcançar resultados económicos e sociais que beneficiem e tragam progresso para todos", afirmou.

Lu-Olo, que falava nas cerimónias oficiais dos 20 anos do referendo, disse que é necessário mais esforço em áreas múltiplas, desde as forças de segurança à justiça, da descentralização e reforma administrativa.

E em que são necessários "entendimentos e consensos" para responder aos desafios atuais, desde o aumento das receitas não-petrolíferas ao fortalecimento da economia, o combate à má-nutrição e a igualdade de género.

Um longo discurso proferido para uma extensa plateia, incluindo os principais líderes do país, o presidente da Assembleia da República portuguesas, chefes do Governo e ministros de vários países, incluindo Portugal, Austrália, Vanuatu, Indonésia e Cabo Verde, entre outros.

Três fundamentalismos modelam o Médio Oriente


Não basta a um Estado ter uma bandeira flutuando em Nova Iorque em frente ao palácio de vidro das Nações Unidas. É preciso haver terra livre onde o povo que nela habite seja senhor de todas as capacidades.

José Goulão | AbrilAbril | opinião

Três fundamentalismos político-religiosos continuam a modelar um novo Médio Oriente, perante a complacência do mundo, a inércia da ONU e a cumplicidade activa da União Europeia. A partir do eixo Washington-Telavive-Riade, os fundamentalismos cristão anglo-saxónico, sionista e islâmico tratam de eliminar os obstáculos à sua afirmação plena na região, seja na Síria, no Iraque, na Palestina. Percebendo-se assim por que o Irão está debaixo de fogo.

Em plena campanha eleitoral, o primeiro-ministro de Israel dispara em todas as direcções: investidas aéreas contra a Síria e o Iraque, chegando a atingir objectivos a mil quilómetros de distância, incursões de drones no Líbano, bombardeamentos contra Gaza.

Entretanto, os Emirados Árabes Unidos compram equipamentos de espionagem a um homem de negócios israelita e colonos sionistas são vistos em Jerusalém, junto ao Muro das Lamentações, agitando com emoção bandeiras da Arábia Saudita. A convergência regional entre os fundamentalismos sionista e islâmico instaura uma nova relação de forças no Médio Oriente em que as principais vítimas são os palestinianos e os seus direitos nacionais.

Portugal | Viva a “geringonça”, abaixo a “geringonça”

PS ainda mais à direita. Pega ou não pega?
Esta reta final está a mostrar que o PS vê a “geringonça” como uma camisa de forças da qual se quer ver livre.

Pedro Filipe Soares* | Público | opinião

A solução política que se alcançou em 2015 conseguiu um inequívoco reconhecimento popular. Os resultados das políticas seguidas transformaram o insulto “geringonça” numa palavra acarinhada pelo país. Os medos ou receios não se tornaram realidade, ficando apenas para assombrar os partidos de direita. Quatro anos depois, as pessoas fazem um balanço positivo.

O que pareceria uma benção para o Partido Socialista, está a transformar-se numa maldição para as ambições de António Costa. É certo que os últimos quatro anos serviram para fazer esquecer a governação de Sócrates e permitiram um lifting na imagem que o país tem do PS. O problema para o primeiro-ministro é que as pessoas reconhecem neste processo os méritos dos acordos feitos com os partidos de Esquerda e sabem como seria diferente se o PS tivesse governado sozinho. E esse é o grande obstáculo aos desejos de maioria absoluta que estão na mente dos dirigentes socialistas.

Carlos César foi mais explícito quando pediu uma “maioria clara” para evitar “exigências excessivas” de eventuais parceiros. Esta formulação é um inequívoco ataque ao espírito que levou à assinatura dos acordos em 2015. Neste grito pela autossuficiência do PS está implícita a morte de quaisquer diálogos, concluindo que acordos são já parte do passado, agora o tempo é de outras modas.

Portugal | É «moderno» aceitar a pobreza?


A ideologia dominante vai encontrando formas de perpetuar a exploração através do discurso. E é sobretudo aos jovens que tenta vender como «modernas» as «velhas» condições de precariedade a que muitos estão sujeitos.

A precariedade laboral tem consequências directas sobre aqueles que a sofrem. Nos últimos anos, pudemos ver como os meios de comunicação dominante normalizaram e tentaram classificar como «modernas» ou «ecológicas» – e até «anti-sistema» e «anti-consumismo» – as condições em que os trabalhadores com vínculos precários vivem.

O que se pretende é justificar, com uma suposta «modernidade», os retrocessos a que temos assistido, o generalizar da precariedade e os baixos salários. De acordo com essa «lógica», não seria este modelo económico nem os grandes grupos que o dominam os responsáveis pelas precárias condições de trabalho dos jovens. Estas novas gerações não teriam as mesmas necessidades, seriam «flexíveis», «aventureiras», «ambientalistas» e não fariam questão de adquirir casa própria ou um carro. Não seria este mundo do trabalho o obstáculo à emancipação dos jovens e a que estes construíssem a sua própria vida, mas seriam eles a não estar para aí virados.

O AbrilAbril aborda brevemente algumas das «tendências» apresentadas em diversos órgãos de comunicação para normalizar a pobreza e a precariedade.

Portugal | Jerónimo responsabiliza Governo PS pela ausência de respostas estruturais


O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, defendeu hoje que é necessário dar reposta a diversos problemas estruturais do país e reconheceu que é neste domínio que há grandes diferenças entre o PCP e o Governo do Partido Socialista.

"Desde o primeiro contacto que estabelecemos com o Partido Socialista defendemos que era preciso dar resposta aos problemas estruturais, do défice agroalimentar, défice demográfico, défice energético, da necessidade de investimento em serviços públicos essenciais, a pensar também nas regiões do interior", disse.

"Faltam respostas estruturais. E aqui começa a colisão e a diferença entre nós [PCP] e o Partido Socialista e os seus objetivos", acrescentou Jerónimo de Sousa, responsabilizando o Partido Socialista por não se ter ido mais longe na atual legislatura, tendo em vista a melhoria das condições de vida dos portugueses.

A política em tempos de cólera -- Boaventura


Em crise civilizatória aguda, velhas estratégias e táticas não servem. Surgiram dois horizontes. Num, é preciso proteger a democracia. Noutro, acolher novos projetos de política, afeto, produção e consumo, que emergem em especial entre os jovens


Apesar de haver máquinas de secar roupa, a maioria das pessoas do mundo (quase sempre mulheres) secam a roupa em varais de metal, de corda de cânhamo ou de madeira. Ramos de árvore também podem servir de varal. A técnica de estender a roupa varia de país para país, mas há certas regras de observância geral. Assim, a roupa tem de ser bem estendida para garantir a maior exposição ao sol e ao vento, o peso da roupa tem de ser calibrado com a resistência do varal, no caso de a roupa poder cair com alguma turbulência é conveniente segurá-la com um prendedor ou algo semelhante. Estender a roupa no varal é um trabalho minucioso que obriga a ter bem presente a roupa e o varal para a operação ter sucesso. Mas quem se habituou a estender a roupa no varal sabe que, ao mesmo tempo que se olha com atenção para o que está na frente dos olhos, é preciso ter presente a época do ano, a meteorologia, a incidência do sol, a força e a direção do vento, a poluição atmosférica e até a segurança do varal, se há a possibilidade de ladrões roubarem a roupa.

Todos os democratas do mundo, sobretudo os que têm o coração duplamente do lado esquerdo (físico e político), os que se sentem insultados com o enriquecimento exorbitante de uns e o empobrecimento injusto de outros, os que ficam revoltados com o crescimento desordenado do armamentismo e todas as outras faces da guerra, sejam elas os embargos, as sanções econômicas, o tráfico de drogas, de humanos e de órgãos, o assassinato de líderes sociais e políticos, o feminicídio, os que ficam assustados com o possível colapso ecológico, dado o ritmo do aquecimento global, do desmatamento das florestas, da contaminação das águas e da cegueira dos políticos a este respeito, os que ficam alarmados com o recrudescimento da extrema direita e das ideologias reacionárias, nacionalistas, hiperconservadoras, enfim todos os que não estão dispostos a desistir de lutar por uma sociedade mais justa, mais decente e mais digna, todos eles deviam aprender com as mulheres do mundo e a sua arte de estender a roupa nos varais.

Suspensão do Parlamento gera protestos no Reino Unido


Classificada de antidemocrática, medida adotada a pedido de Boris Johnson leva milhares de britânicos às ruas do país. Petição contra a manobra reúne mais de 1 milhão de assinaturas. Opositores veem tentativa de golpe.

A decisão do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, de forçarsuspensão das atividades do Parlamento britânico nesta quarta-feira (28/08), gerou revolta no meio político e protestos em diversas cidades do Reino Unido.

A medida, que deverá valer por cinco semanas a partir de 10 de setembro, é vista como uma tentativa de bloquear os esforços dos parlamentares contrários ao Brexit.

Milhares de pessoas saíram às ruas para condenar a atitude de Johnson, considerada por muitos uma ameaça à democracia no país. Manifestações ocorreram em Londres, Edimburgo, Cardiff, Manchester, Bristol, Cambridge e Durham. A maior delas foi realizada em frente à sede do Parlamento, na capital britânica.

Conte quer "recuperar tempo perdido" na Itália


Primeiro-ministro italiano é reconduzido ao cargo após acordo entre populistas e centro-esquerda. Em discurso, ele acena para União Europeia e promete governo de mudanças. Novo gabinete será anunciado nos próximos dias.

O primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, que renunciou ao cargo na semana passada, recebeu nesta quinta-feira (29/08) a incumbência de formar um novo governo, um dia após a confirmação de uma nova coligação entre o populista e eurocético Movimento Cinco Estrelas (M5S) e o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda.

As duas legendas, que viveram uma rivalidade ferrenha durante anos, vão agora governar juntas após o fracasso da coligação entre o M5S e a ultradireitista Liga, de Matteo Salvini. Bem avaliado nas pesquisas, Salvini anunciou o fim da coligação na tentativa de convocar novas eleições. A jogada política, no entanto, fracassou.

EUA são advertidos pela China para evitarem 'incidentes inesperados' em região disputada


Um porta-voz do Exército Popular de Libertação (PLA) advertiu que as "provocações" dos EUA no mar do Sul da China poderiam resultar em "incidentes inesperados".

destróier norte-americano de mísseis guiados USS Wayne E. Meyer, de classe Arleigh Burke, passou a 22 quilómetros dos recifes Fiery Cross e Mischief, as duas maiores ilhas que a China construiu como postos avançados no arquipélago Spratly, território disputado por diversos países do sudeste asiático.

Uma porta-voz da 7ª Frota dos EUA informou que foi uma das chamadas operações de liberdade de navegação em resposta às "reivindicações excessivas" de Pequim no mar do Sul da China.

"Advertimos a parte norte-americana a parar imediatamente esse tipo de ações provocativas para evitar que haja incidentes inesperados", comentou o coronel Li Huamin.
Segundo o jornal South China Morning Post, o coronel acusou os EUA de ignorar as leis internacionais e afirmou que foram tomadas "todas as medidas necessárias para defender com determinação a soberania e a segurança nacional e preservar firmemente a paz e a estabilidade no mar do Sul da China".

China rejeita acordo com EUA para eliminar mísseis nucleares por ser "injusto"


Pequim, 29 ago 2019 (Lusa) - Pequim rejeitou hoje a proposta norte-americana de negociar um tratado trilateral para a eliminação de mísseis nucleares de médio e curto alcance, que incluiria ainda a Rússia, considerando que não é "justo ou razoável".

Washington decidiu este mês não renovar o Tratado de Armas Nucleares de Médio Alcance com a Rússia, que existia desde 1987, e convidou a China a integrar "uma nova era de controlo da corrida às armas", com a negociação de um acordo entre as três nações.

"A participação da China em negociações trilaterais não é justo nem razoável. Os EUA são o país com o maior arsenal nuclear, devem aceitar a sua responsabilidade no controlo do armamento e criar condições para que outros países participem do desarmamento, em vez de se retirarem dos tratados", afirmou o porta-voz do ministério chinês da Defesa, Ren Guoqiang.

Ren lembrou que "logo após os EUA se retirarem do tratado, começaram a testar mísseis, o que prova que as ações não correspondem às palavras.

Polícia de Hong Kong confirma detenção de líderes partidários por reunião ilegal


Hong Kong, China, 30 ago 2019 (Lusa) - A polícia de Hong Kong confirmou hoje a detenção de Joshua Wong e Agnes Chow, dois líderes pró-democracia do território, noticiou o jornal South China Morning Post.

De acordo com o jornal de Hong Kong, que cita fonte policial, os dois ativistas foram acusados de "reunião ilegal" e detidos para interrogatório na sede da polícia em Wan Chai.

As detenções já tinham sido avançadas esta manhã pelo partido Demosisto, co-fundado por Wong, que defende a autodeterminação do território.

O mesmo jornal noticia ainda que o ativista pró-independência Andy Chan foi detido na quinta-feira à noite, depois de ter sido impedido de embarcar num avião no aeroporto de Hong Kong, por suspeitas de motim e agressão a um agente da polícia.

Os três são vistos como figuras-chave dos movimentos antigovernamentais em Hong Kong nos últimos anos.

Timor-Leste | Uma ilha atravessada na garganta


Isto foi mesmo assim, juro. A avó Ermelinda avisou-me: "Se fores a Timor, bebe muito gin tónico. Tem quinino. Protege-te do paludismo." Ela sabia, tinha lá vivido com o meu avô, ainda antes da II Guerra. Foi o que fiz quando embarquei, algures em março de 1992, em Darwin, no norte da Austrália, num ferry sobrelotado de ativistas e jornalistas que pretendiam rumar a Díli, na "Missão Paz em Timor", a bordo de um ferry chamado "Lusitânia Expresso". O objetivo era colocar uma coroa de flores no cemitério de Santa Cruz, em homenagem às vítimas do massacre que em novembro do 1991 tinha colocado Timor nas primeiras páginas da imprensa mundial (de onde nunca mais saiu até ao referendo da independência, em 1999).

João Pedro Henriques | Diário de Notícias | opinião

A água tónica acabou mas o gin não e portanto, obediente, continuei a consumi-lo, a bem da saúde. Admito que já estaria ligeiramente desfocado quando, durante a noite - infernalmente quente e húmida - percebi que começava a surgir no radar do nosso ferry um pontinho luminoso verde. Era a ilha cujos destinos eu acompanhava há apenas alguns meses, ao serviço da Agência Lusa. Estava muito escuro quando, num telefone por satélite, ditei a notícia, excitadíssimo mas tentando disfarçar a névoa do gin: "Timor já nos radares do Lusitânia Expresso". Que orgulho foi dar essa "cacha" ao mundo!

Depois amanheceu e a silhueta da ilha foi-se revelando. Ficou claro: as montanhas onde se escondiam Xanana e os seus guerrilheiros eram a sério, altas, abruptas, só para profissionais. Ao mesmo tempo percebemos todos que as luzes que nos tinham acompanhado a noite toda num trajeto paralelo ao ferry eram mesmo de duas fragatas da Armada indonésia, uma a estibordo, outra a bombordo.

Rapidamente chegou de lá a ordem: parem e deem meia volta. Lágrimas, raiva, fúria - e a ordem cumprida sem demora. Foi tudo demasiado rápido. No regresso a casa chamaram-me estúpido: o quinino do gin tónico está na água, não no gin. Poderia não ter continuado a beber. Mas apetecia-me: ficou-me encravada na garganta uma pequena ilha algures no sudeste asiático.

E passam sete anos, passamos para setembro de 1999. A minha redação já era outra, a do Público. O referendo de autodeterminação tinha sido em agosto - passam hoje 20 anos - e era necessário render o jornalista que lá estivera o ano todo: Luciano Alvarez estava à beira da exaustão, se não mesmo para lá disso.

Fora o orgulho do jornalismo português todo quanto, em conjunto com o José Vegar, Jorge Araújo e Hernâni Carvalho, ficara sitiado na Unamet (a entidade da ONU organizadora da consulta), em Díli, enquanto as milícias timorenses pró-indonésias, apoiadas pelas forças militares e de segurança da potência invasora, destruíam a ilha toda, vingando-se da derrota nas urnas.

A certa altura, quando os últimos da Unamet vieram embora, por absoluta falta de condições de segurança, o Luciano recuou para Darwin - e lá fui ter com ele, posto à pressa pela minha redação num vôo fretado pelo Governo português para levar até Díli uma missão de ajuda humanitária (bombeiros, sobretudo, numa escolha imbecil, visto que o essencial já tinha ardido e nem rescaldo era preciso).

Foram aí umas duas semanas de espera em Darwin até conseguir um avião que me pusesse em Díli - e o pesadelo era o de aquela ilha me escapar de novo por entre os dedos. O nó na garganta começava a ter a dimensão metafórica do Ramelau, a montanha mais alta de Timor - e que durante umas centenas de anos fora também a montanha mais alta de Portugal (2986 metros).

O avião que me levou era um pequeno Tupolev de uma coisa chamada "Air Vega", avião pilotado por dois ucranianos, que, imaginei, o teriam surripiado às Forças Armadas soviéticas quando o império colapsou. Aterrei em Díli numa manhã igual às outras todas de Díli: quente, húmida, sufocante. Nessa altura a ilha já estava "ocupada" por uma força armada da ONU composta essencialmente australianos. Mas os indonésios ainda não tinham saído. E nem Xanana (ainda em Jacarta) nem o bispo Ximenes Belo (em Lisboa) tinham voltado.

Vivia-se uma felicidade caótica e cheia de incerteza... A administração pública deixara de funcionar. A economia resumia-se a mercados de rua onde os agricultores vendiam as suas produções. Os chineses, entalados entre o racismo dos indonésios e o racismo dos timorenses, tinham fugido, fechando as suas lojas. A Indonésia desligara a rede telefónica (fixa e de telemóvel), o abastecimento de água não funcionava nem o saneamento básico, os políticos timorenses pró independência - alguns dos quais rapidamente convertidos à causa depois de anos de colaboração com as autoridades de Jacarta - entretinham-se em disputas idiotas sobre coisa nenhuma. Não havia um restaurante aberto, os dois hotéis de Díli estavam ambos semi destruídos (mas utilizáveis por ocupação à força das centenas de jornalistas que invadiram a cidade). A única instituição que funcionava era a Igreja - e foram freiras católicas que, a troco de meia dúzia de dólares de mensalidade, alimentaram muitos jornalistas durante semanas. Os cães nas ruas, esfomeados, comiam-se uns aos outros; os miúdos já não encontravam nenhuma fruta madura nas árvores. O Estado desaparecera; a economia privada também. E, pelo meio, restavam na sombra alguns timorenses das milícias pró-indonésias: um jornalista do Finantial Times foi assassinado em Díli logo nos primeiros dias da presença militar australiana.

Para todos ficou evidente: faltava tudo: economia, uma classe política digna desse nome, quadros técnicos (economistas, juristas, engenheiros, o que fosse) minimamente aptos, destino a dar a um número inexplicavelmente crescente de veteranos da guerrilha timorense, polícia, professores, tudo. Só existia a Igreja - e esta, depois de anos a proteger quem se rebelava contra os invasores indonésios, revelava agora a sua natureza profundamente conservadora, boicotando, por exemplo, as campanhas das agências internacionais de promoção da saúde pública que incluíam, por exemplo, a distribuição de preservativos. As Nações Unidas tinham uma longa missão ainda a desempenhar preparando o território para se tornar no primeiro país independente do século XXI.

Semanas depois Xanana chegou a Díli e soltou, para uma multidão à beira da histeria, o gutural "Viiiiiiiiiiiiiva Timor-Lorosae!" que nunca mais esqueceremos. Dias depois, o chefe dos timorenses foi ao aeroporto despedir-se dos últimos generais indonésios que regressavam a casa. Um deles protestou: "Chegou três horas atrasado..." Xanana respondeu: "E vocês partem com quase trinta anos de atraso."

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