segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

"Austeridade", história de uma fraude


Como o pensamento económico conservador recorreu a um conceito cultivado por Aristóteles e inverteu seu sentido, para impor políticas que golpeiam as maiorias e enriquecem os nababos

Pedro Rossi, Esther Dweck e Flávio Arantes | Outras Palavras

O texto a seguir é um trecho do primeiro capítulo de “Economia para Poucos – Impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil”. Editado pela Autonomia Literária, o livro reúne vinte autores, que discutem as políticas de austeridade e seus cruéis efeitos sociais

A austeridade é uma ideia força, poderosa quando transformada em discurso, perigosa quando aplicada politicamente. O comprometimento dos governos com ajustes e consolidações fiscais, que reduz o papel do Estado e distribui sacrifícios à população, se apoia em um discurso, em argumentos teóricos e em uma literatura empírica. O objetivo deste capítulo é analisar – discurso, argumentos e literatura – e mostrar que a austeridade se sustenta em discursos falaciosos, argumentos morais e em evidências empíricas frágeis.

Na primeira seção do capítulo, analisa-se o conceito de austeridade e sua apropriação pelo discurso económico ao longo do tempo. Em seguida analisa-se a lógica subjacente à defesa da austeridade, evidenciando que ela depende de pressupostos teóricos questionáveis como a permanente disputa de recursos entre o setor público e o setor privado. Já na seção 3, descrevem-se os mitos que sustentam o discurso da austeridade como o mito da “fada da confiança” e a “metáfora do orçamento doméstico”. A análise da literatura académica internacional sobre os efeitos da austeridade é feita na quarta seção e, por fim, uma última seção aponta os elementos políticos e ideológicos por detrás da defesa da austeridade fiscal.

Sobre o conceito de Austeridade

A ideia de austeridade ganhou destaque após a crise internacional de 2008. Na Inglaterra, enquanto o líder conservador David Cameron proclamou que o país entrava na “Era da Austeridade”, o debate económico se dividiu entre defensores e críticos da austeridade. Em 2010, o dicionário Merriam-Webster’s, um dos mais importantes da língua inglesa, elegeu a palavra “austeridade” como a palavra do ano com base no número de pesquisas que a palavra gerou na internet. Com o aprofundamento da crise na Europa, e a imposição de planos de austeridade a países da periferia, crescem os movimentos anti-austeridade, assim como o debate acadêmico em torno do tema. Para além de inúmeros artigos académicos, diversos livros abordaram o tema com ênfases variadas como, por exemplo, na história intelectual e política do termo (Blyth (2016) e Schui (2014)), sobre seus impactos sociais (Rao, 2016) e na saúde das pessoas (Stuckler e Basu (2014), Kelly e Pyke (2017), Mendoza (2015)), assim como nos fundamentos econômicos, com em Atckinson (2014) e Skidelsky Fraccaroli (2017) e também uma literatura voltada para análise dos movimentos sociais anti-austeridade, como em Cammaerts (2018).

“Austeridade” não é um termo de origem económica, a palavra tem origens na filosofia moral e aparece no vocabulário económico como um neologismo que se apropria da carga moral do termo, especialmente para exaltar o comportamento associado ao rigor, à disciplina, aos sacrifícios, à parcimónia, à prudência, à sobriedade… e reprimir comportamentos dispendiosos, insaciáveis, pródigos, perdulários… Para Coelho (2014) o discurso da austeridade no campo económico tem profunda raiz cultural e traços religiosos, pois prega a redenção ou recompensa por sacrifícios prestados. Como veremos mais adiante, o discurso moderno da austeridade ainda carrega essa carga moral e transpõe, sem adequadas mediações, essas supostas virtudes do indivíduo para o plano público, personificando, atribuindo características humanas ao governo.

Como aponta Schui (2014) os argumentos em defesa da austeridade económica vêm de longa data e remetem a pensadores pré-modernos como Aquino e Aristóteles, associados à discussão sobre o modo de vida e o manejo dos recursos do indivíduo e das famílias para uma vida boa. O termo austeridade também ganha proeminência nas grandes guerras mundiais, quando é apropriado por um discurso do governo que busca legitimar o racionamento e a regulação do consumo privado em prol da mobilização dos recursos da sociedade para o esforço de guerra. No imediato pós-guerra, a austeridade continua em voga por conta da necessidade de priorizar a reconstrução de países destruídos pela guerra, as exportações, os investimentos, e o provimento bens públicos em detrimento do consumo privado (Zweinniger-Bargielowska, 2000). Nesse contexto, o discurso da austeridade não estava ligado à redução do gasto público mas, pelo contrário, tratava-se de conter o consumo privado para que o governo pudesse atuar fortemente na alocação de recursos. Curiosamente, na Inglaterra do pós-guerra, era um governo de esquerda, do trabalhista Clement Attlee, que defendia a austeridade, ou seja, a manutenção dos controles da economia de guerra e a contenção do consumo privado para direcioná-los para o provimento de bens públicos de consumo coletivo, como saúde, educação, moradia, etc. (Zweinniger-Bargielowska, 2000).

Segundo Blyth (2013), “o argumento moderno” pela austeridade se desenvolve a partir de um grupo de acadêmicos no qual o mais proeminente é Alberto Alesina. A intuição básica do argumento é que em tempos de crise as políticas fiscais restritivas (aumento de impostos ou, preferencialmente, redução de gastos) podem ter um efeito expansionista, de aumento do crescimento económico. O debate económico em torno dos efeitos da contração fiscal deu corpo ao conceito de austeridade que pode ser definido por seu instrumento (ajuste fiscal – preferencialmente corte de gastos) e seus objetivos (gerar crescimento económico/equilibrar as contas públicas). Nesse sentido, a austeridade é a política que busca, por meio de um ajuste fiscal, preferencialmente por cortes de gastos, ajustar a economia e promover o crescimento. Seus resultados e sua racionale são explorados na próxima seção.

A lógica da austeridade

A defesa da austeridade fiscal sustenta que, diante de uma desaceleração económica e de um aumento da dívida pública, o governo deve realizar um ajuste fiscal, preferencialmente com corte de gastos públicos em detrimento de aumento de impostos. Esse ajuste teria efeitos positivos sobre o crescimento económico ao melhorar a confiança dos agentes na economia. Ou seja, ao mostrar “responsabilidade” em relação às contas públicas, o governo ganha credibilidade junto aos agentes económicos e, diante da melhora nas expectativas, a economia passa por uma recuperação decorrente do aumento do investimento dos empresários, do consumo das famílias e da atração de capitais externos. A austeridade teria, portanto, a capacidade de reequilibrar a economia, reduzir a dívida pública e retomar o crescimento económico.

No plano da teoria económica, esse efeito decorre do pressuposto de que o setor público e o setor privado disputam recursos, ou poupança, e que uma redução do gasto público abre espaço para o investimento privado. Como argumenta o economista de Chicago John Cochrane (2009), a cada dólar adicional gasto pelo governo é um dólar a menos gasto pelo setor privado, o impulso fiscal pode criar rodovias em vez de fábricas, mas não pode criar os dois. A austeridade expansionista dá um passo adicional nesse argumento ao propor que, dada a maior eficiência do gasto privado, a contração do gasto público gera um aumento ainda maior do gasto privado.[1]

Esses pressupostos são contrários ao que propõe John M. Keynes para quem essa disputa por recurso entre o setor privado e o setor público depende do ciclo econômico. Para Keynes é no boom e não na crise que o governo pode cortar gastos (Keynes, 1937). E o raciocínio do autor é bastante intuitivo: na crise, como os recursos da sociedade estão subempregados, um aumento do gasto público gera crescimento e emprego enquanto nos momentos de boom, os gastos públicos têm efeito menor sobre a atividade económica. Ou seja, quando a economia está aquecida, o corte do investimento em uma obra pública, por exemplo, pode não ter um efeito negativo na economia, uma vez que a empresa que seria contratada pelo governo provavelmente será contratada por outra pessoa ou empresa privada. Da mesma forma, a redução das transferências sociais pode ter impactos distributivos, mas não necessariamente contracionistas. Já o mesmo não ocorre quando há escassez de demanda, desemprego e excesso de capacidade ociosa na economia: nesse caso, a demanda pública aumenta renda e emprego.

Assim, os efeitos da austeridade podem ser entendidos de forma intuitiva. Gasto e renda são dois lados da mesma moeda, o gasto de alguém é a renda de outra pessoa: quando alguém gasta, alguém recebe. Quando o governo contrai o seu gasto, milhões de pessoas passam a receber menos, o que tem impactos negativos na renda privada. Quando o governo corta gastos com um investimento destinado a uma obra pública, por exemplo, o efeito é direto sobre a renda e o emprego, uma vez que a empresa que seria contratada deixa de contratar empregados e comprar materiais. Da mesma forma, o corte de gastos em transferências sociais reduz a demanda dos que recebem os benefícios e desacelera o circuito da renda. Dessa forma, é uma falácia pensar o governo independente do resto da economia.

Contabilmente, o gasto público é receita do setor privado, assim como a dívida pública é ativo privado e o déficit público é superávit do setor privado. Se no momento de crise o governo buscar superávits, esses se darão às custas dos déficits do setor privado o que pode não ser saudável para a estabilidade económica.

Além de gerar retração económica, a austeridade ainda pode piorar a situação fiscal. Em uma economia em crise, a austeridade pode gerar um círculo vicioso em que o corte de gastos reduz o crescimento, o que deteriora a arrecadação e piora o resultado fiscal, o que leva a novos cortes de gastos. Ou seja, em um contexto de crise económica, a austeridade é contraproducente e tende a provocar queda no crescimento e aumento da dívida pública, resultado contrário ao que se propõe.

Mitos da austeridade

O discurso da austeridade é acompanhado de duas ideias extremamente questionáveis conhecidas pelos críticos como (I) a fada da confiança e (II) a metáfora do orçamento doméstico.

Fada da confiança

O pressuposto teórico para o sucesso das políticas de austeridade é o aumento da confiança dos agentes privados. A austeridade é o instrumento e a solução para restaurar a confiança do mercado o que, por sua vez, seria causadora de crescimento económico. Na retórica austera, a busca pela confiança do mercado é muito presente tanto no exterior como no Brasil; são inúmeros os exemplos em que a equipe económica evoca esse tema como justificativa para cortes de gastos como em 2016, quando Henrique Meirelles estabelece que o “desafio número 1” é a retomada da confiança[2] ou, em 2015, quando Joaquim Levy declara que “alcançar essa meta será fundamental para o aumento da confiança na economia brasileira”[3] ou, ainda, em 2018, quando Michel Temer cita “confiança” como palavra-chave que permite a retomada do crescimento económico no país. [4]

Para Paul Krugman (2015), a crença de que a austeridade gera confiança é baseada em uma fantasia onde se acredita que, por um lado, os governos são reféns de “vigilantes invisíveis da dívida” que punem pelo mau comportamento e, por outro lado, existe uma “fada da confiança” que recompensará o bom comportamento. O autor ainda mostra evidências de que a os países europeus que mais aplicaram a austeridade foram os que menos cresceram (Krugman, 2015). Na mesma linha, Skidelsky e Fraccaroli (2017) mostram que a confiança não é causa, mas acompanha o desempenho económico e que austeridade não aumenta, mas diminui a confiança ao gerar recessão.

Nesse sentido também é intuitivo pensar por que um ajuste fiscal não necessariamente melhora a confiança; um empresário não investe porque o governo fez ajuste fiscal, e sim quando há demanda por seus produtos e perspectivas de lucro. E, nesse ponto, a contração do gasto público em momentos de crise não aumenta a demanda, ao contrário, essa contração reduz a demanda no sistema. Em uma grave crise económica, quando todos os elementos da demanda privada (o consumo das famílias, o investimento e a demanda externa) estão desacelerando, se o governo contrair a demanda pública, a crise se agrava.

Metáfora do orçamento doméstico

Na retórica da austeridade é muito comum a comparação do orçamento público com o orçamento doméstico. Assim como uma família, o governo não deve gastar mais do que ganha. Logo, diante de uma crise e de um aumento das dívidas, deve-se passar por sacrifícios e por um esforço de poupança. No caso brasileiro é comum a análise de que os excessos (de gastos sociais, de aumento de salário mínimo, de intervencionismo estatal, etc.) estão cobrando os sacrifícios necessários.[5] Como na fábula da cigarra e da formiga, os excessos serão punidos e os sacrifícios, recompensados. Nesse sentido, há um argumento moral de que os anos de excessos devem ser remediados com abstinência e sacrifícios e a austeridade é o remédio.

No entanto, essa comparação entre o orçamento público e o familiar não é apenas parcial e simplificadora, mas essencialmente equivocada[6]. Isso porque desconsidera três fatores essenciais. O primeiro é que o governo, diferentemente das famílias, tem a capacidade de definir o seu orçamento. A arrecadação de impostos decorre de uma decisão política e está ao alcance do governo, por exemplo, tributar pessoas ricas ou importações de bens de luxo, para não fechar hospitais. Ou seja, enquanto uma família não pode definir o quanto ganha, o orçamento público decorre de uma decisão coletiva sobre quem paga e quem recebe, quanto paga e quanto recebe.

O segundo fator que diferencia o governo das famílias é que, quando o governo gasta, parte dessa renda retorna sob a forma de impostos. Ou seja, ao acelerar o crescimento económico com políticas de estímulo, o governo está aumentando também a sua receita. E, como visto, o gasto público em momentos de crise económica, principalmente com alto desemprego e alta capacidade produtiva ociosa, incentiva/promove a ocupação da capacidade, reduz o desemprego e gera crescimento . Por fim, o terceiro fator não é menos importante: as famílias não emitem moeda, não tem capacidade de emitir títulos em sua própria moeda e não definem a taxa de juros das dívidas que pagam. Já o governo faz tudo isso.

Portanto, a metáfora que compara os orçamentos público e familiar é dissimulada e desvirtua as responsabilidades que a política fiscal tem na economia, em suas tarefas de induzir o crescimento e amortecer os impactos dos ciclos econômicos na vida das pessoas. A administração do orçamento do governo não somente não deve seguir a lógica do orçamento doméstico, mas deve seguir a lógica oposta. Quando as famílias e empresas contraem o gasto, o governo deve ampliar o gasto de forma a contrapor o efeito contracionista do setor privado.

Notas:
[1]  O que ficou conhecido como a tese da contração fiscal expansionista
[2] https://veja.abril.com.br/economia/meirelles-desafio-numero-um-e-recuperar-a-confianca/
[3] http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/11/novo-ministro-da-fazenda-fixa-meta-fiscal-de-12-do-pib-para-2015.html
[4]http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-04/temer-diz-que-confianca-permite-retomada-do-crescimento-da-economia
[5] Por exemplo, o Presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, afirmou em entrevista que “a atual recessão foi provocada por anos de excessos” http://www.josenildomelo.com.br/news/ desta-vez-e-diferente-cristiano-romero/.
[6] E esse reconhecimento avançou para além dos argumentos keynesianos, como em Wolf (2013) e Krugman (2015), para o campo da modelagem convencional, como em Farmer e Zabczyk (2018).

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Israel escuda-se em aviões civis para atacar a Síria. Onde está a ONU?

António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas. Foto de arquivo. Créditos/ Arbresh
A omissão das instituições internacionais é mais grave ainda nesta situação, uma vez que existe também a utilização das vidas de seres humanos inocentes como reféns de uma operação militar agressiva.

José Goulão | Abril Abril | opinião

A Força Aérea de Israel usou dois aviões civis de passageiros como escudos, no dia de Natal1, para poder bombardear regiões dos arredores de Damasco escapando aos efeitos do sistema electrónico de exclusão aérea montado sobre o território sírio. Apesar de a manobra traduzir uma dupla violação do Direito Internacional, nem o Conselho de Segurança da ONU nem o secretário-geral desta organização tomaram, até agora, qualquer posição sobre o assunto.

O ataque israelita, qualificado como uma «repelente cobardia» pela imprensa libanesa, não incomodou a comunicação social mainstream, apesar de ter posto em risco a vida de centenas de inocentes passageiros que se deslocavam para Beirute e Damasco. Só a contenção dos serviços sírios de defesa, ao evitar disparar mísseis que pusessem directamente em causa a segurança dos aparelhos civis, evitou aquilo que o ministro libanês dos transportes, Youssef Fenianos, qualificou como «uma verdadeira catástrofe».

Devido ao sistema defensivo reforçado com que recentemente se dotou a República Árabe Síria, mediante sistemas russos de mísseis S-300 e dispositivos de guerra electrónica que criam uma zona de exclusão aérea sobre o território sírio, os Estados Unidos, os seus aliados ocidentais e Israel ficaram inibidos de prosseguir os bombardeamentos aéreos contra objectivos sírios.

Como consequências visíveis, Trump anunciou a retirada das tropas ocupantes do território sírio e Israel já não efectuava nenhum dos seus habituais bombardeamentos desde 18 de Setembro.

Um presente de Natal

No dia de Natal, seis caças F-16 israelitas começaram por invadir espaço aéreo libanês precisamente no momento em que dois aviões de passageiros aí se encontravam, ambos em manobras de aproximação aos aeroportos de destino, respectivamente Beirute e Damasco, que distam apenas 90 quilómetros um do outro.

Aproveitando o levantamento parcial do sistema de exclusão aérea sírio inerente à aproximação de aparelhos civis, os caças israelitas bombardearam instalações logísticas a menos de dez quilómetros de Damasco, atingindo um processo de embarque no âmbito da presença de forças do Hezbollah que apoiam a resistência síria contra a agressão internacional.

Os aparelhos israelitas dispararam várias bombas teleguiadas a laser GBU-39, de fabrico norte-americano; apesar das restrições, a defesa anti-aérea síria conseguiu interceptar a maioria dos engenhos: apenas dois chegaram aos alvos, ainda assim em condições de causar danos pessoais e materiais.


Em todas as declarações, estas fontes revelaram que as autoridades militares sírias deram prioridade à segurança dos aparelhos civis e por isso não combateram os aparelhos militares israelitas que deles se serviram como escudos. A atitude de Damasco poupou centenas de vidas humanas com as quais as forças as militares israelitas jogaram sem qualquer contemplação nem respeito pelos direitos humanos e os vários códigos de conduta estipulados pelas autoridades internacionais da aviação civil.

Um desmentido logo desmentido

As autoridades militares israelitas foram as únicas que desmentiram os factos relatados por Damasco, Moscovo e Beirute. Um comportamento padronizado e que nada tem a ver com a realidade. Aliás os factos falam, neste caso, muito mais do que as palavras, uma vez que, durante o ataque contra a Síria, Israel activou plenamente os seus sistemas defensivos, prevendo as respostas sírias.

Não é, aliás, a primeira vez que Israel adopta comportamentos semelhantes. Anteriormente, caças F-16 «esconderam-se» atrás de um avião de reconhecimento russo Il-20 para bombardear território sírio. Uma das respostas do sistema defensivo de Damasco atingiu o aparelho russo quando tinha como alvo o caça israelita agressor, o que provocou a morte dos ocupantes, 15 altos quadros russos.

Desta feita, o facto de a Síria não ter caído no engodo cobarde e traiçoeiro montado por Israel para tentar provar que pode driblar a zona de exclusão aérea poupou centenas de vidas. Um dos aviões aterrou calmamente em Beirute e o outro pousou incólume no aeródromo de Khmeimim, para onde foi desviado para escapar às bombas israelitas sobre Damasco.

Aliás, foi a manobra israelita escudando-se no aparelho Il-20 que provocou o reforço dos sistemas defensivos sírios, acordada entre as autoridades de Moscovo e de Damasco e que entrou recentemente em actividade plena, com efeitos palpáveis imediatos. Por exemplo, os bombardeamentos da chamada «coligação internacional» supostamente contra o Isis ou «Estado Islâmico», e que atingiam principalmente civis em regiões do Norte da Síria, reduziram-se em cerca de 80%. Além disso, o presidente norte-americano anunciou a redução do esforço militar próprio na Síria, embora outros aliados, designadamente a França, tenham revelado a intenção de manter-se no terreno, alegadamente procurando negócios que possam proporcionar compensações para o investimento feito na guerra – segundo explicou uma porta-voz do Quai d’Orsay.

Onde está a ONU?

O ataque israelita de dia de Natal ofende duplamente, no mínimo, o Direito Internacional. Em primeiro lugar, os caças israelitas em operações violaram o espaço aéreo libanês. É certo que tal não aconteceu pela primeira vez, podendo dizer-se que é até um velho hábito das forças militares israelitas, que usam realmente o Líbano como uma extensão territorial de Israel. Não é a frequência, porém, que «legaliza» o comportamento, baseando-se num qualquer direito de usucapião inscrito numa espécie de código jurídico próprio e exclusivo de Israel.

Um mau hábito enraizado também devido ao comportamento complacente das instâncias internacionais, que nada fizeram e fazem para o travar – e não lhes faltaram ocasiões para isso.

A omissão das instituições internacionais é mais grave ainda nesta situação, uma vez que existe também a utilização das vidas de seres humanos inocentes como reféns de uma operação militar agressiva. Se Damasco não tivesse manifestado contenção e os dois aparelhos fossem abatidos, apanhados no fogo cruzado resultante de uma guerra que a Síria não provocou, haveria centenas de mortos a registar; e talvez então, mesmo sem ser necessário recorrer a muita especulação, observaríamos a ira da «comunidade internacional», quiçá palavras revoltadas e compungidas do secretário-geral António Guterres contra um crime de amplas proporções.

Palavras que não se ouviram agora2. Nem da parte de Guterres, nem do Conselho de Segurança, nem de qualquer outro órgão normalmente tão eloquente, de Washington a Bruxelas, de Varsóvia a Londres, Paris, Madrid ou Lisboa.

Não é novidade que a balança de António Guterres está mal calibrada em assuntos internacionais e também no Médio Oriente. A sua atenção, a sua pronta e dedicada solidariedade sempre que, de tempos a tempos, um atentado atinge Israel chegam a ser comoventes, por isso contrastando cruamente com o alheamento perante as arbitrariedades e as constantes violações de direitos humanos em Jerusalém Leste e na Cisjordânia e o ostensivo esquecimento devotado à permanente catástrofe humanitária em Gaza.

O crime do silêncio, neste caso, tem braços ainda muito mais longos e sem prazo de validade, uma vez que outorga a Israel as autorizações – aliás desnecessárias – para prosseguir impunemente os seus crimes, desprezando as vidas e os direitos elementares de seres humanos inocentes.

Notas:
1.Enquanto na Síria, no território sob controlo de Damasco, comunidades religiosas de diversos quadrantes, entre elas a cristã, celebravam pacificamente o Natal, o Estado de Israel escolheu esse dia para efectuar mais um dos seus ataques aéreos, pondo em sério risco, deliberadamente, a vida de centenas de civis inocentes.

2.António Guterres manteve-se em silêncio imediatamente após o ataque de Israel e apenas na noite seguinte, quando se levantaram vozes reconhecendo à Síria o direito de retaliar contra um ataque à sua soberania, optou por produzir um apelo às partes para evitarem «actos hostis» e «uma nova conflagração» no Médio Oriente.

O fascismo por ele mesmo: Francisco Franco


Em 1936, o futuro caudilho espanhol disse: 'Minha mão será firme, meu pulso não vacilará e eu procurarei alçar a Espanha ao posto que lhe corresponde conforme sua História e que ocupou em épocas passadas'

Opera Mundi publica, nesta semana, um especial sobre fascismo - contado pelos próprios fascistas. São discursos e entrevistas de Adolf Hitler (Alemanha), António Salazar (Portugal), Francisco Franco (Espanha), Rafael Videla (Argentina), Benito Mussolini (Itália), Emílio Garrastazu Médici (Brasil) e Philippe Pétain (França) que mostram como estas figuras pensavam as sociedades que governavam e justificavam os atos de seus regimes.

Francisco Franco (1892-1975) nasceu na cidade espanhola de Ferrol, região da Galícia. Desde cedo teve educação militar, estudando na Academia de Infantaria de Toledo. Durante sua jovem carreira como oficial, destacou-se em batalhas no Marrocos espanhol, onde atuou entre 1910 e 1927. Pelo prestígio conquistado nos conflitos na África, foi nomeado general de brigada.  Em 1931, começa o período republicano na Espanha, dando fim à era monárquica. Já integrante da alta cúpula do exército, Franco é imediatamente afastado, só retornando quando membros direitistas compõem um novo gabinete, em 1933. No ano seguinte, reprime violentamente operários mineiros de esquerda nas Astúrias, dando início ao que seria um período ditatorial violento. 

Já arquitetando um golpe de estado, desconhece a vitória do partido Frente Popular nas eleições. Em discurso proferido em junho de 1936, dias antes do golpe que liderou contra a República espanhola e levou o país à Guerra Civil (1936-1939), Franco busca colocar em descrédito as forças de esquerda e faz críticas ao marxismo e ao anarquismo. O ditador ainda exalta o partido Falange Espanhola Tradicionalista, que reunia partidos e movimentos que apoiavam o golpe contra a república e seria oficialmente fundado em 1937.

Pouco depois, é nomeado chefe do Estado Maior Central. A partir de 1936, estava instaurada a ditadura franquista na Espanha. Franco, que assume como chefe de estado e governo em 1938, conquista o apoio dos regimes fascistas na Alemanha e Itália, que foram essenciais para a permanência de seu regime. Outra base fundamental da ditadura espanhola foi o apoio da Igreja, que se aliou à classe militar e respaldou o discurso franquista. O regime dizimou milhares de pessoas durante os conflitos civis, torturando e perseguindo opositores, além de matar vários africanos e espanhóis resistentes nos conflitos em colônias espanholas.  Franco morre em 1975, aos 82 anos, já com as colônias em processo de independência na África e com a monarquia restaurada no país.

Amanhece na Espanha (01/06/1936)

Colocastes a Espanha em minhas mãos. Minha mão será firme, meu pulso não vacilará e eu procurarei alçar a Espanha ao posto que lhe corresponde conforme sua História e que ocupou em épocas passadas.

Uma revolução nacional transformou a fisionomia de nosso país e na Espanha Nacional foi estabelecido um novo regime que se baseia em princípios tradicionais e patriotas que são o nervo da nossa História, assim como nos princípios puros do direito, e há uma garantia efetiva para a sociedade e para as relações internacionais de todos os tipos, reinando com uma autoridade efetiva a tranquilidade e o bem-estar. Na Espanha vermelha não resta nada da legalidade pretendida; os estrangeiros mandam nos exércitos, a anarquia reina em seus campos e cidades, nenhuma das leis fundamentais da nação estão em vigor: não se respeitam nem a religião, nem a família, nem a propriedade, e as organizações anarquistas e marxistas assaltam, roubam, matam, muitas vezes com a cumplicidade do Governo.

Como o cavalo de Átila, o bolchevismo seca a erva e as cidades são somente ruínas, covardemente queimadas, e os campos são pilhagem e abandono. Mas nós saberemos reconstruir tudo. Se invocamos as grandezas da Espanha imperial é porque elas nos movem com seus ideais, seus empenhos de salvação e fundação.

Jovens

Sois a mais fiel expressão da nobreza espanhola. Vós que não possuís taras políticas, que estais totalmente limpos dos pecados que levaram a Espanha à situação caótica que sofremos, sereis os verdadeiros regeneradores da Pátria. Vós devolvereis à Espanha sua grandeza. Por isso, com toda a força de meus pulmões, grito convosco: Avante Espanha!
Não queremos uma Espanha velha e difamada. Queremos um Estado onde a pura tradição e substância daquele passado espanhol ideal se enquadre nas formas novas, vigorosas e heróicas que os jovens de hoje e de amanhã trazem nesta alvorada imperial de nosso povo.

Foram acolhidos os anseios da juventude espanhola e, assistidos pela organização da Falange Espanhola Tradicionalista e das J.O.N.S., corresponderemos aos sacrifícios de todos, formando a Espanha unida, grande e livre que levamos em nossos corações.

Reconstrução

A lei da História é que não se pode realizar nenhuma iniciativa cultural sem que se adiante a proeza das armas. Entretanto, a esta lei genérica, a Espanha soube dar uma nuance de beleza característica, pois nossos avanços nunca foram deixados ficar entre o triunfo da guerra e a ordem do trabalho na paz.

Quando, com seu exército vencedor da fadiga, Garay chega ao Río de la Plata, saca no ar a espada e planta uma árvore na terra conquistada para que, à sombra das armas, floresçam a primavera e a justiça. Movido por idênticos anseios ao ver que aqui, na terra natal, se destruía tudo o que nossos anciãos fundaram com esforço, e com a destruição material das cidades e a lei civil caída por terra, e tudo era desordem e anarquia, o Exército Espanhol, realizando prisões heroicas, sacou sua espada e, antes que termine esta guerra, ao acelerar as últimas etapas do triunfo, plantamos a árvore da justiça para o povo; para um povo que, apesar das custosas necessidades da guerra, sem o ouro roubado e esbanjado pelo inimigo, tem abundância de pão e certeza de justiça, porque o Estado, com armas, vela por ele.

Enquanto os soldados lutam e avançam na frente, o trabalhador trabalha na retaguarda, a ordem impera, a justiça atua, a cultura se estende e a produção, o comércio e a indústria se desenvolvem e prosperam. O comércio exterior prossegue, nossa moeda mantém seu crédito e o índice de vida não sofreu a menor alteração.

A Espanha se organiza dentro de um amplo conceito totalitário, mediante àquelas instituições nacionais que asseguram sua totalidade, sua unidade e sua continuidade. A implantação dos princípios mais severos de autoridade que este Movimento implica não possui justificativa de caráter militar, senão na necessidade de um funcionamento regular das energias complexas da Pátria. 

Na Espanha Nacional, vamos colocar em prática  essa política de redenção, de justiça, de engrandecimento que durante anos e anos os mais diversos programas vieram prometendo sem jamais cumprir suas promessas; as massas espanholas que se renderam à bajulação fácil do extremismo esquerdista, do socialismo e do comunismo para acabar explorados e enganados verão com clareza que é aqui, na Espanha Nacional, em nosso regime, em nosso sistema, onde a aplicação dos princípios e das normas autenticamente justas terão ampla realização. Eu quero que minha política tenha o profundo caráter popular que sempre teve na História da política da Grande Espanha. Nossa obra - minha e do meu governo - estará orientada com uma grande preocupação pelas classes populares, por essas que se têm chamado de "classes baixas", bem como pela tristeza da classe média. A vitória tem que abrir uma possibilidade de maior bem-estar e satisfação verdadeira a todos os espanhóis. Estamos lutando pelo povo da Espanha; isso não é somente uma frase, senão um propósito que levo no coração desde o primeiro dia de luta.

(*) Tradução: Lucas Estanislau

Presidente chinês ordena às forças armadas que estejam prontas para a guerra


Pequim, 05 jan (Lusa) - O Presidente da China ordenou às forças armadas para se preparem para o combate e a guerra, por considerar que o país enfrenta riscos e desafios sem precedentes, noticiou hoje o jornal South China Morning Post (SCMP).

De acordo com o diário de Hong Kong, o discurso de Xi Jinping foi proferido na sexta-feira, numa reunião de altos funcionários da Comissão Militar Central (CMC), também sob comando do líder chinês, e transmitido mais tarde na televisão nacional.

Xi Jinping exortou todas as unidades do Exército Popular de Libertação a "compreender corretamente as principais tendências da segurança nacional e do desenvolvimento" e a "reforçar os seus sentidos para adversidades, crises e batalhas inesperadas".

O líder chinês ressaltou ainda que esta é uma era de "mudanças drásticas", na qual crescem "riscos e desafios imprevisíveis".

"A preparação para a guerra e o combate devem ser aprofundados para garantir uma resposta eficiente em tempos de emergência", sublinhou.

Na mesma reunião, o Presidente chinês assinou o primeiro comando militar de 2019, que dará início a um ano de treino e exercícios militares reforçados.

FST // FST

Nova guerra fria e ameaças que emergem


John Pilger [*] - Entrevistado por Jipson John e Jitheesh P.M. [**]

O seu recente documentário, The Coming War on China, mostra como os Estados Unidos estão em guerra com a China. Pode explicar o mecanismo dessa guerra secreta? Acha que a Ásia-Pacífico será a próxima região de intervenção imperialista? Como ocorrerá essa intervenção e quais serão as consequências? 

É uma "guerra secreta" apenas porque a nossa percepção é moldada para ignorar a realidade. Em 2010, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, viajou a Manila e incumbiu o recém-empossado presidente filipino, Benigno Aquino, de tomar posição contra a China pela sua ocupação das Ilhas Spratly e de aceitar a presença de cinco bases de Marines dos EUA. Manila entendia-se bem com Pequim, tendo negociado empréstimos bonificados para infraestruturas que necessitava muito. Aquino fez o que lhe foi dito e aceitou que uma equipa jurídica liderada pelos EUA contestasse as reivindicações territoriais da China no Tribunal Arbitral da ONU em Haia. O tribunal concluiu que a China não tinha qualquer jurisdição sobre as ilhas; um julgamento que a China categoricamente rejeitou. Foi uma pequena vitória numa campanha de propaganda americana visando retratar a China mais como territorialmente rapace do que como defensiva na sua própria região. O motivo foi o crescente receio da elite de segurança nacional/militar/mediática dos EUA de ter deixado de ser a potência dominante no mundo.

No ano seguinte, em 2011, o presidente Obama declarou uma "viragem para a China". Isso marcou a transferência da maioria das forças navais e aéreas dos EUA para a região da Ásia-Pacífico, o maior movimento de equipamentos militares desde a Segunda Guerra Mundial. O novo inimigo de Washington – ou melhor, um inimigo de novo – era a China, que atingira extraordinários patamares económicos em menos de uma geração.

Os Estados Unidos têm há muito tempo uma série de bases em torno da China, da Austrália às ilhas do Pacífico, passando pelo Japão, Coreia e Eurásia. Estas estão em vias de ser reforçadas e modernizadas. Quase metade da rede global dos EUA, que conta mais de 800 bases, cerca a China "como o laço corredio perfeito", disse um responsável do Departamento de Estado. Sob o pretexto do "direito à liberdade de navegação", navios de baixo calado dos EUA entram nas águas chinesas. Os drones americanos sobrevoam o território chinês. A ilha japonesa de Okinawa é uma vasta base americana, com os seus contingentes preparados para um ataque à China. Na ilha coreana de Jeju, os mísseis da classe Aegis são apontados a Xangai, a 640 quilómetros de distância. A provocação é constante.

Em 3 de outubro, pela primeira vez desde a Guerra Fria, os Estados Unidos ameaçaram abertamente atacar a Rússia, a aliada mais próxima da China, com quem esta tem um pacto de defesa mútua. Os media interessaram-se pouco pela questão. A China está a armar-se rapidamente; de acordo com a literatura especializada, Pequim mudou sua postura nuclear, passando de um alerta baixo para um alerta alto.

Pessoas como Noam Chomsky dizem que o império americano está em declínio. Pensa realmente isso? Nos últimos tempos, vimos os Estados Unidos tentarem chegar a um acordo com a Coreia do Norte; antes, eles tentaram reestabelecer relações diplomáticas com Cuba. O que indicam esses episódios? Acha que o mundo se está a diversificar?

O império americano enquanto ideia pode estar em declínio, a ideia de uma única potência dominante e a dolarização da economia mundial, mas o poder militar dos EUA nunca foi tão ameaçador. Uma nova guerra fria conduz ao isolamento dos Estados Unidos e é um perigo para todos nós. No início do século XXI, Norman Mailer [jornalista e romancista norte-americano] escreveu que o poder americano havia entrado em uma era "pré-fascista". Outros sugeriram que já estamos lá.

Disse que um dos triunfos do século XXI em matéria de relações públicas foi o slogan de Obama "a mudança em que acreditamos". Disse também que a campanha mundial de assassínios de Obama foi sem dúvida a mais dispendiosa campanha de terrorismo desde o 11 de Setembro de 2001. Por que foi tão duro com Obama, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz? Que acha de Donald Trump e da sua presidência? 

Eu não fui duro com Obama. Foi Obama quem foi duro com grande parte da humanidade, ao contrário da sua muitas vezes absurda imagem mediática. Obama foi um dos mais violentos presidentes americanos. Lançou ou apoiou sete guerras e deixou o poder sem que nenhuma delas fosse resolvida: um recorde. Durante o seu último ano como presidente, em 2016, lançou 26.171 bombas, segundo o Conselho de Relações Exteriores. É uma estatística interessante; trata-se de três bombas a cada hora, 24 horas por dia, principalmente sobre civis. A técnica de bombardeamento adoptada por Obama foi o assassínio por meio de drones. Todas as terças-feiras, relatava o New York Times, ele escolhia os nomes daqueles que iriam morrer num "programa" de execuções extrajudiciais. Todos os homens em idade militar no Iémen e nas fronteiras do Paquistão eram considerados inteiramente como animais. Ele multiplicou as operações das forças especiais dos EUA no mundo, especialmente em África. Juntamente com a França e a Grã-Bretanha ele e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, destruíram a Líbia como Estado moderno com o falso e familiar pretexto de que o seu líder estava prestes a cometer um massacre de "inocentes". Isso conduziu directamente ao crescimento dos medievalistas Daesh [ou Estado Islâmico] e uma vaga de emigração de África para a Europa. Ele derrubou o presidente democraticamente eleito da Ucrânia e instalou um regime abertamente apoiado pelo fascismo – como uma provocação deliberada à Rússia.

A concessão do Prémio Nobel da Paz a Obama foi uma impostura. Em 2009, esteve no centro de Praga e prometeu ali ajudar a criar um mundo "livre de armas nucleares". Na verdade, aumentou o número de ogivas nucleares americanas e autorizou um programa de construção nuclear de longo prazo de US$1000 milhões. Processou mais denunciantes, reveladores da verdade, do que todos os presidentes dos EUA juntos. O seu principal êxito, pode dizer-se, foi pôr fim ao movimento anti-guerra norte-americano. Os manifestantes regressaram a casa dando crédito às mensagens de 'esperança' e 'paz' de Obama e começaram a acreditar nisso. A única diferença de Obama foi ter sido o primeiro presidente negro na terra da escravidão. Em quase todos os outros aspectos, ele era apenas outro presidente americano cuja constante afirmação era que os Estados Unidos eram "a única nação indispensável", o que presumia que outras nações seriam dispensáveis.

Talvez a inteligência de Obama residisse na imagem que ele próprio e outros fabricaram e cultivaram com sucesso. Donald Trump também pode ser descrito como apenas outro presidente americano (violento). O que o distingue é que ele é uma caricatura. Muitos membros da elite americana detestam Trump, não por causa de seu comportamento pessoal, mas por causa de um embaraço muito mais profundo; ele é a imagem crua da América, sem a máscara.

O seu filme The War on Democracy documenta o golpe de Estado orquestrado pelos Estados Unidos contra Hugo Chávez, que se opunha ao imperialismo, com a ajuda da burguesia de direita e capitalista da Venezuela. Isso não era novo para a maioria dos países latino-americanos. Hoje, porém, vemos cada vez mais países do continente resistindo ao imperialismo americano. Fora de Cuba e da Venezuela, governos de esquerda estão no poder em países como a Bolívia e o Equador. Qual é o significado disso? Hoje em dia, também ouvimos histórias de ofensivas de direita em países como a Venezuela e o Brasil. Como avalia o actual cenário político latino-americano?

Não concordo que "mais e mais países [na América Latina] estejam a resistir ao imperialismo dos EUA". Pode ter sido verdade quando Hugo Chávez ainda estava vivo; mas mesmo então, os Estados Unidos nunca desistiram da sua influência no continente. Hoje, há apenas Bolívia, Nicarágua e, claro, Venezuela, a Venezuela em luta pela sobrevivência. A maior parte da América Latina está de volta à influência de Washington, especialmente o Brasil. O Equador, anteriormente esclarecido, é outro exemplo eloquente. O governo obsequioso de Lénine Moreno convidou as tropas norte-americanas a voltarem e ameaçou abandonar Julian Assange. A opressão económica do FMI está novamente a prejudicar a Argentina. Versões do Consenso de Washington, conhecido como neoliberalismo, dominam quase todo o continente. Cuba está calma, o que é compreensível.

Nos últimos anos, vimos denunciantes como Julian Assange e Edward Snowden revelarem documentos confidenciais que mostravam como funciona o sistema de poder. Notará que o WikiLeaks não fez nada mais do queThe New York Times e The Washington Post haviam feito num celebrado passado – revelaram a verdade sobre guerras de rapina e as maquinações de uma elite corrupta.

Disse que "o WikiLeaks é um marco no jornalismo". Qual é a importância dessas revelações? O que é que elas nos ensinam?

O WikiLeaks fez muito mais do que o New York Times e o Washington Post com todos os louros que estes têm. Nenhum jornal conseguiu igualar – ou chegar perto – os segredos e mentiras do poder que Assange e Snowden revelaram. O facto de os dois homens serem fugitivos testemunha o recuo das democracias liberais em relação aos princípios da liberdade e da justiça. Por que o WikiLeaks é um marco no jornalismo? Porque as suas revelações nos disseram, com 100% de precisão, como e porquê uma grande parte do mundo é dividida e dirigida.

Como analisa a evolução do panorama dos media na era digital? Por um lado, a Internet abriu uma vasta via de espaço livre ou de plataforma independente. A Internet oferece um espaço contra-narrativo, ao qual os grandes media corporativos não prestam atenção. Mas, por outro lado, grandes monopólios digitais controlam o espaço digital. Como vê a situação? Quais são os desafios a enfrentar?

Os desafios são tão grandes quanto os povos o permitem. Os dados digitais são a nova corrida ao ouro do capitalismo; a vigilância digital é o novo adversário da democracia. Ambos diferem apenas na forma e na escala das infinitas variedades de poder a que os povos tiveram de resistir desde o início da história. Hoje, todos nós temos um pé no mundo digital; temos a Internet, que é poder. A maneira como aplicamos este poder, ao invés de o banalizar, depende da nossa vontade de adoptar princípios imemoriais de resistência.

Está envolvido em reportagens de guerra há mais de cinco décadas. Cobriu a maioria das grandes guerras, incluindo a Guerra do Vietname, a guerra no Iraque e a guerra no Afeganistão. Um certo número de países pratica uma política de armamento crescente como política económica. O papel das grandes empresas de venda armas também é importante. O que é a economia política da guerra?

A economia política da guerra na era moderna é a economia política dos Estados Unidos. Os Estados Unidos privam cerca de 80 milhões dos seus cidadãos de cuidados de saúde adequados e gastam quase 60% do seu orçamento discricionário federal na preparação para a guerra. A Índia também tem uma economia de guerra. Em 2018, a Índia ficou entre os cinco países que mais gastaram no campo militar, com um orçamento militar de US$63,9 mil milhões, o que supera o da França. Quase metade do orçamento nacional é dedicado a gastos militares. Quando fui à Índia pela primeira vez, descobri outro mundo dentro de bases militares, habitado por pessoas saudáveis e bem nutridas, com água potável e crianças educadas. No exterior dessas bolhas magníficas, a Índia conta mais crianças subnutridas do que qualquer outro país do mundo.

Síndrome do Vietname

A Guerra do Vietname foi um dos capítulos mais sangrentos e mortíferos do pós-guerra. Começou as suas reportagens de guerra no Vietname. Esta foi a primeira guerra televisionada. A Guerra do Vietname é a história do massacre de mais de três milhões de pessoas. Poderia falar-nos do horror que viu no Vietname? Qual foi o papel dos media ocidentais no Vietname? Recentemente, captou a tentativa de reescrever a história da Guerra do Vietname em manuais escolares norte-americanos. A própria recordação do Vietname assombra o Estado mais poderoso do mundo?

Não tenho certeza de que "assombrar" seja a palavra certa. O que incomoda os apologistas americanos é que o exército de "nação indispensável" foi expulso da Ásia por uma nação de camponeses, que ela sofreu uma derrota humilhante. Desde então, eles têm procurado um "melhor resultado", reescrevendo o que chamaram de "síndrome do Vietname", um eufemismo para o embaraço prolongado causado por uma catástrofe.

A série de documentários épicos de Ken Burns para a Public Broadcasting em 2017 começou com a seguinte declaração: "A guerra foi desencadeada de boa-fé por pessoas honestas como resultado de mal-entendidos fatais, do excesso de confiança dos norte-americanos e dos mal-entendidos da guerra fria". A desonestidade desta declaração ignora os muitos falsos pretextos que levaram à invasão do Vietname, como o "incidente" do golfo de Tonquim em 1964. Não houve boa-fé. A fé era podre e cancerosa e mais de quatro milhões de pessoas morreram.

Vi algo do sofrimento: o facto de o comandante norte-americano, general William Westmoreland, ter tomado por alvo civis a quem chamava "baratas". No delta do Mekong, após um bombardeamento, havia um cheiro de napalm e árvores petrificadas enfeitadas com pedaços de corpos. Também testemunhei heroísmo. Em 1975, encontrei a única sobrevivente de uma bateria antiaérea vietnamita, todas adolescentes; estava ajoelhada diante dos novos túmulos de seus camaradas.

O terrorismo é o produto de Estados 

Questionou a guerra dos EUA contra o terrorismo como um exemplo de hipocrisia e de duplicidade. Porque diz isso? Se assim for, a questão é de saber como parar o terrorismo. Até que ponto a ameaça do terrorismo é um desafio para uma vida moderna e cívica?

A grande maioria do terrorismo é o produto de Estados. O Iémen é actualmente vítima de incessantes actos de terrorismo por parte do Estado saudita, que patrocinou outras formas de terrorismo, nomeadamente os ataques de 11 de Setembro. A "guerra contra o terrorismo" lançada em 2001 pelo presidente dos EUA, George W. Bush, foi na verdade, uma guerra de terror, matando milhões de pessoas, na sua maioria muçulmanos. Estados poderosos, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, tornaram o terrorismo uma arma "estratégica"; o apoio ao jihadismo na Líbia e na Síria é um exemplo notável disso. A conclusão é ou deveria ser óbvia: quando os governos pararem de promover o terrorismo, os ataques sangrentos nas suas próprias cidades provavelmente acabarão.

Disse que os Estados Unidos têm ao mesmo tempo "bons terroristas" e "maus terroristas". Quem são os bons e os maus terroristas da América?

A designação pode mudar sem aviso prévio. Actualmente, os sauditas são "bons terroristas"; na verdade, nem são chamados de terroristas. Os extremos terroristas maus – Al Qaeda – são agora bons terroristas que lutam ao lado dos Estados Unidos na sua longa guerra contra os xiítas. Historicamente, os curdos sempre foram ao mesmo tempo bons e maus terroristas; no Iraque, os curdos eram bons; na Turquia, eram maus. A designação assentava em eles estarem ou não lutando contra o mais recente inimigo dos Estados Unidos.

Nas últimas décadas do século XX, o mundo viu a região da Ásia Ocidental tornar-se o ponto quente da intervenção ocidental. Depois do 11 de Setembro de 2001, essa intervenção tomou a forma de duas guerras: a guerra no Afeganistão e a guerra no Iraque. A islamofobia atingiu novos picos no Ocidente. A teoria do choque de civilizações encontrou campeões na máquina estatal, sendo George Bush o melhor exemplo. Como situa historicamente os interesses ocidentais no Médio Oriente e a ascensão da islamofobia no Ocidente? 

Recomendo o trabalho do historiador britânico Mark Curtis, cujo livro Secret Affairs relata a estreita relação entre o estado britânico e o islamismo extremista. O que está claro é que organizações como Daesh e Al-Qaeda eram o produto dos governos imperiais ocidentais.

No Afeganistão, os mujahidin poderiam ter permanecido como uma influência tribal se não fosse a Operação Ciclone, um plano liderado pelos Estados Unidos para transformar o Islão extremista numa força que expulsaria a União Soviética e derrubaria o estado soviético. O que o Ocidente temia no Médio Oriente era o que Gamal Abdel Nasser, no Egipto, chamava "pan-arabismo". Temia que os povos árabes se desembaraçassem das cadeias do tribalismo e do feudalismo e controlassem e desenvolvessem os seus próprios recursos. Por esta razão, o único governo progressista no Afeganistão foi declarado "comunista" e destruído. Pela mesma razão, os palestinos são mantidos num estado de opressão interminável.

Com os Estados Unidos reconhecendo Jerusalém como capital de Israel em 9 de Dezembro de 2017, o sofrimento e o medo dos palestinos aumentaram. Como disse, eles são refugiados no seu próprio território. Descreveu a agressão contra a Palestina como a ocupação militar mais longa da história moderna. poderia dizer-nos algo mais sobre a questão palestina? Quais são os interesses estratégicos e geopolíticos dos Estados Unidos na região? Qual é o caminho para ser feita justiça aos palestinos?

Um dos principais objectivos dos Estados Unidos é manter o Médio Oriente num estado de incerteza, instável e dividido por guerras tribais. John Bolton, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, disse-o com grande satisfação. Foi assim que os britânicos controlaram a região. O centro de concepção dessa "política" é Israel, um anacronismo imperial imposto ao Médio Oriente quando o mundo se descolonizava. Como o historiador israelense Ilan Pappe documenta no seu último livro, Israel foi concebido como uma prisão para seus povos autóctones, os palestinos. Toda a hipocrisia ocidental reside em Israel. Bashar al-Assad é designado como um monstro, mas Benjamin Netanyahu, um monstro supremo, goza de impunidade para controlar os palestinos e, em grande medida, o Congresso dos EUA, a Casa Branca e as Câmaras do Parlamento em Londres.

Essa impunidade manifestou-se recentemente quando Jeremy Corbyn, o líder trabalhista britânico que pode vir a ser o próximo primeiro-ministro britânico, foi alvo de uma campanha inteiramente falsa que o difama como anti-semita. Em vez de a rejeitar com desprezo, Corbyn curvou-se a ela e traiu os seus muitos anos de apoio aos direitos dos palestinos aceitando uma definição de sionismo que negava a Israel o seu verdadeiro estatuto de estado racista. No momento em que escrevo, os soldados israelenses massacram regularmente palestinos em Gaza, incluindo crianças. Desde março [2018], 77 palestinos desarmados tiveram que ser amputados, incluindo 14 crianças; 12 ficaram paralisadas por toda a vida após serem baleados nas costas. Nem um único israelense ficou ferido.

Aquilo a que chamamos globalização é, na verdade, o capitalismo neoliberal. Você provavelmente foi o primeiro a revelar o primeiro experimento de programa de ajustamento estrutural na Indonésia na década de 1960. Diz que não há diferença entre a implacável intervenção do capital internacional nos mercados estrangeiros hoje e os de antes, quando eram apoiados por canhoneiras. Como jornalista familiarizado com o funcionamento do Estado profundo, poderia falar-nos sobre a evolução das experiências económicas neoliberais? Como funciona isso hoje em dia?

O neoliberalismo é uma extensão do que antes era chamado monetarismo, as duas versões exóticas ou extremas do capitalismo dominante. No Ocidente, sob a liderança de Margaret Thatcher e Ronald Reagan e seus homólogos europeus, foi declarada uma "sociedade a dois terços". O terço superior seria enriquecido e pagaria pouco ou nenhum imposto. O terço médio seria "ambicioso", alguns de entre eles seriam "bem-sucedidos" num mundo impiedosamente competitivo e outros ficariam irrevogavelmente endividados. O terço inferior seria abandonado ou ser-lhe-ia oferecido um empobrecimento estável em troca da sua obediência. A relação entre as pessoas e o Estado mudaria de benigna para maligna. Uma nova classe de gestores educados no espírito empresarial dos Estados Unidos, com a sua própria "cultura" e vocabulário, supervisionaria a conversão da social-democracia numa autocracia de empresa. O "debate" público, gerido por meios de comunicação totalmente integrados, seria dominado por "políticas de identidade", todas as noções de classe banidas como "falsidades". Falsos demónios estrangeiros (liderados pela Rússia, seguidos de perto pela China) seriam designados como "inimigos necessários".

A unidade europeia é propaganda 

A experiência da União Europeia foi saudada como um sinal de unidade dos europeus e um modelo na era pós-socialista. Mas o Brexit foi um grande golpe que atingiu essa propaganda. Qual é o seu ponto de vista sobre a UE? Como analisa o Brexit e reivindicações semelhantes?

A União Europeia é basicamente um cartel. Não há "livre comércio". Existem regras de exclusividade estabelecidas e controladas pelos bancos centrais, principalmente o banco central alemão, com benefícios para os membros mais fracos, nomeadamente o movimento transfronteiriço de mão-de-obra, embora isso seja agora posto em causa. O objectivo central da UE é a protecção e o fortalecimento do poder económico dos mais fortes. Bruxelas é uma burocracia centralizada; a democracia é mínima. A "unidade europeia" de que fala é propaganda, promovida por aqueles que mais recebem da UE. O esmagamento da Grécia é uma lição que a maioria dos britânicos parece ter entendido.

O seu trabalho concentra-se em quem controla o destino da humanidade, de que forma nações poderosas, grandes empresas, a burguesia, lobbies poderosos fazem as leis e regras do mundo. A democracia parece ser a vítima. Apesar disso, temos histórias inspiradoras em todo o mundo sobre a resistência contra essas forças poderosas. Está optimista e com esperança quanto a um mundo melhor?

Existem forças inspiradoras de resistência em muitos países, incluindo a Índia. Desde a minha primeira reportagem na Índia, na década de 1960, emocionou-me o desejo das pessoas comuns, especialmente dos agricultores, de defender a justiça na sua vida. A recente grande marcha [de 23 de Setembro a 2 de Outubro] de 50 mil agricultores de [Haridwar] em Uttar Pradesh, em Nova Deli, era típica. Disciplinados, políticos e engenhosos, eles têm muito a ensinar àqueles de nós que no Ocidente imaginam que o protesto consiste em gozar com Trump ou assinar uma petição dirigida ao deputado da sua zona. Quando o governo de Deli permitiu que a polícia atacasse os agricultores no aniversário de Mahatma Gandhi, eles reagiram. A promessa política destes movimentos talvez seja a mais notável evocação revolucionária no mundo hoje.

Eles representam a luta dos povos e da agricultura em todo o mundo contra os bulldozer neoliberais do "desenvolvimento urbano": o roubo do espaço humano e a sua conversão numa mercadoria grotesca e lucrativa. O facto de os governos indianos não terem reagido aos suicídios de mais de 300 mil agricultores é uma tragédia histórica, mas pode ser revertida a qualquer momento. De certo modo, os agricultores indianos representam-nos a todos. Como escreve Vandana Shiva, a sua difícil situação e a sua resistência constituem uma advertência: a menos que a segurança sobre a terra, a segurança sobre as sementes e a agricultura pertençam ao povo, a colonização dos campos do mundo por gente como a Monsanto é uma ameaça tão séria para a existência humana quanto as alterações climáticas [NR] . Claro que as pessoas nunca estão paradas. Eles "levantar-se-ão como um leão depois de acordar…", como escreveu Percy Bysshe Shelley… Quando a resistência não é visível, é ainda uma "semente sob a neve". Nunca conheci tanta sensibilização do público como hoje, mas reina também a confusão. O "populismo" dos ocidentais, tantas vezes deturpado como reaccionário, exprima ao mesmo tempo a disposição de resistir e uma desorientação sobre como o fazer. Isso vai mudar. O que nunca muda é o medo dos poderosos do poder das pessoas comuns.

O tipo de jornalismo que pratica é realmente um desafio, e difícil. Através de seus documentários, artigos e outros trabalhos jornalísticos, questionou os Estados mais poderosos do mundo e suas fraudes democráticas. O que moldou o seu ponto de vista para se tornar uma voz dissidente no jornalismo? Quais são as suas influências e o que é que o mantém atento?

Hoje, a maioria dos jornalistas estabelecidos são estafetas do poder. Não são o mainstream, que é uma palavra orwelliana. Um mainstream real tolera a dissidência, não a censura. O que é que moldou o meu ponto de vista? O facto de relatar a luta das sociedades pelo mundo afora, incluindo os seus triunfos, por mínimos que sejam, continua sendo uma influência duradoura. Ou talvez essas influências tenham início cedo na vida. "Apoiamos os oprimidos", disse-me minha mãe um dia, quando eu era pequeno. Eu gosto disso. 

02/Janeiro/2018

[NR] Um falso problema, como se mostra aqui: Uma impostura científica

[*] http://johnpilger.com 

[**]
 Membros do Tricontinental: Institute for Social Research, colaboradores de The Indian Express, The Wiree Monthly Review. Contactos: jipsonjohn10@gmail.com e jitheeshpm91@gmail.com

O original encontra-se em frontline.thehindu.com/cover-story/article25661115.ece
e a tradução em www.odiario.info/nova-guerra-fria-e-ameacas-iminentes/ (efectuadas correcções) 


Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/

Portugal | O habitual «patriotismo» dos ases que as direitas arvoram em seus heróis


Jorge Rocha | opinião

Há uma dúzia de anos a condição profissional de diretor de uma empresa da área de engenharia obrigava-me à leitura da, então, fértil imprensa económica. Entre diários e revistas em papel dedicava a quotidiana hora do almoço ao seu acompanhamento. Daí que tenha visto surgir no firmamento um brilhante cometa chamado Álvaro Santos Pereira, apostado em enviar bitaites sobre a realidade política nacional, apesar de viver acantonado do outro lado do Atlântico.

Sabe-se, porém, como são os nossos empresários e gestores, quando alguém se autoenaltece com currículo estabelecido em terras do tio Sam ou delas aparentado. Saloios que continuam a ser ,deixaram-se bafejar pelas banalidades do infalível guru, sobretudo quando, como era o caso, ele excedia-se em críticas ao governo socialista então em funções. Cada artigo do farsante era recebido com a devoção dos crentes perante as homilias enfáticas dos seus pregadores. E, quando saiu uma coletânea de tais artigos era um ver se te avias nas reuniões de diretores gerais com as administrações - sou disso testemunha! - com os mais arrivistas a dela se servirem para se porem em bicos de pés para quem os houvera nomeado ou, pelo menos, ainda os ia mantendo em funções.

O que se seguiu bastou para confirmar o quão fraudulento era o pseudoeducador do patronato luso: chegado ao governo da troika depressa se confirmou como um erro de casting, integrando a lista dos recicláveis à primeira ocasião. Ainda assim deixando-nos a pérola de redimir as finanças nacionais à custa da exportação dos pastéis-de-nata.

Mas asnos foram os que nele acreditaram, julgando-o eivado de espírito patriótico, porque o verdadeiro objetivo do embusteiro era cuidar da sua vidinha, faltando-lhe para tal a inserção de uma passagem pela vida governativa no curriculum. Tão só garantida concorreu a bem remunerado cargo numa organização (OCDE), cujo propósito é dar-se ares de estipular as escolhas das nações para que melhor se adequem aos interesses capitalistas. Ora, com a prosápia antes revelada, e o cargo ministerial num executivo tão do agrado de tais mentores, acedeu ao atrativo tacho.

Nesta altura ele serve de exemplo para uma lei que se vai definindo como axiomática: quando socialistas vão sendo nomeados para cargos internacionais (Guterres, Sampaio, Centeno ou Vitorino) têm por objetivo bater-se pelo bem coletivo a nível global, jamais fazendo o que possa prejudicar o seu próprio país. Pelo contrário, quando é gente de direita, que a tais patamares se promovem (Durão Barroso ou este Álvaro trapaceiro), só o não prejudicam se não puderem. De facto, lavrando relatório com o carimbo da sua organização o antigo guru do pastel-de-nata recomenda prudência a quem queira investir em Portugal por o dar como espaço de grande corrupção, prejudicando a imagem de um país cada vez mais respeitado internacionalmente.

Se cometa foi, este arrivista tarda em desaparecer nas profundas do universo com viagem só de ida, porque os danos por ele feitos ainda muito tardarão a ser retificados.

jorge rocha | Ventos Semeados

Ano novo vida nova é pura ficção. E o brexit que está tão perto…


O chamado brexit volta à carga no despir de mais laudas do Curto do Expresso. O fazedor de opinião é Pedro Cordeiro, que lá no burgo do tio Balsemão é editor da seção internacional. Vamos nessa.

Claro que o tal brexit só existe porque vieram mais à tona os racismos, as xenofobias, os pedantismos, os complexos de superioridade, as taras e manias dos ‘lordes’, ‘gentlemens’ e das ‘ladies’ - súbditos do reino de uma coroada carcaça velha conservada em substância que desconhecemos mas que tem resultado – rainha, mãe, avó, tetravó e etc.

Dito isso pouco mais há a adiantar sobre a saída do Reino Unido (tantas vezes vencido) da União Europeia. Salvo que tem dado pano para mangas a decisão daqueles manientos terráqueos que até circulam pela esquerda nas vias rodoviárias e que se pudessem fazer lei das suas vontades e paranóias até as torneiras seriam sujeitas a ter de abrir torrentes de água ao contrário só porque sim, porque era mais ‘british’… Adiante.

Além das apreciações e saberes sobre as “inglezadas” longas que estão já a seguir vai deparar com “Ouro em Hollywood” e sobre “Guias para o novo ano”. Evidentemente que o dito “novo ano” não nos traz nada de novo porque até já sabemos que o que acontecer vai ser mais do mesmo e que se mantém na atualidade a definição mais que realista de “quem se lixa é o mexilhão”.

Em Portugal os que de colarinho branco e DDTs que roubaram vão continuar a roubar e a enviar os produtos do gamanço e das vigarices, corrupções e dizeres de outros cardápios correlativos, para os “ofichoras” por mais…

Agora por isso: já sabemos que jornalistas receberam “benesses” de Salgado (e outros?) nos tais ditos ‘offshores’? E Salgado está em liberdade por que razão? Não cometeu crimes de lesa portugueses e o estado que eles sustentam? E outros mais, banqueiros e de suas ilhargas que usam em continuado o formato plena liberdade e que nem por sombras vêem o sol aos quadradinhos… E o processo que inclui Salgado como vai na tal amalgama a que chamam justiça? Ah, pois, aquilo é tudo muito complicado… Pois.

Ora vêem? Mas qual ano novo ou novo ano. Tretas. Essa de ano novo-vida nova é pura ficção.

Avançando, damos o espaço ao Curto, que é sempre de ler. Nem que seja para aprendermos alguma coisa. E tem muito que interessa. Até futebol.

Bom dia. Boas festas aos animais que por si se cruzarem – excepto no Jardim Zoológico. Saúde. Cuidado com o “pico” da gripe. Passe bem e oiça aquela brasileirada do “A gente vai levando…” Nas trombas? Pois. (MM | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Entradas e saídas em 2019

Pedro Cordeiro | Expresso

Bom dia e Bom Ano!

Terminada ontem a quadra do Natal, com o Domingo da Epifania ou Dia de Reis, entramos na primeira semana de trabalho completa de 2019. Muda o ano mas não muda tudo: o Parlamento do Reino Unido reinicia dentro de dois dias o debate sobre a saída do país da União Europeia, indiscutivelmente um dos assuntos mais importantes das próximas semanas, e não só para lá do Canal da Mancha. Em concreto os deputados discutirão e votarão o acordo que Theresa May alcançou com os 27 parceiros europeus. Tudo isto cheira a ano velho, já que a votação esteve marcada para 11 de dezembro último. Adivinhando derrota pesada, a primeira-ministra conservadora adiou tudo para janeiro. E agora? “The Guardian” tenta responder.

Nada indica que o desfecho vá ser outro, num debate que começa dia 9, com votação agendada para a semana que vem e que o Expresso acompanhará em Londres. Se May acreditou que a pressão temporal ia fazer um número suficiente de parlamentares mudar de opinião, por temerem um ‘Brexit’ desordenado, é capaz de se desiludir. O backstop irlandês — isto é, a cláusula que estipula que, se não houver ou até que haja solução permanente para evitar fronteira entre a República da Irlanda (membro da UE) e a Irlanda do Norte (território britânico), todo o Reino ficará alinhado com as regulações comunitárias — continua a parecer a muitos uma gaiola sem prazo, de que não se pode sair unilateralmente.

Londres e Bruxelas dizem não querer aplicar esta medida, mas os negociadores europeus exigem que ela esteja no acordo, para garantir que não volta a haver fronteira física numa terra manchada pelo sangue nos conflitos do século XX entre protestantes e católicos. Há quatro décadas que se circula livremente por aquela que será, doravante, a única fronteira terrestre entre o Reino Unido e a UE.

Nada disto parece perturbar May. Firme na ideia de que é o acordo dela ou o caos, a governante acelera preparativos para uma saída à bruta e, segundo o jornal eurocético “The Daily Telegraph”, pondera mesmo cancelar a habitual pausa parlamentar de fevereiro e fazer os deputados trabalhar ao fim de semana e aos feriados para aprovar toda a legislação necessária para o complexo processo de saída da UE. A data crucial é, recorde-se, 29 de março de 2019. Às 23h britânicas (e portuguesas), isto é, meia-noite em Bruxelas.

O pouco tempo que resta é, em larga medida, responsabilidade da primeira-ministra. Adiou a sujeição do acordo à Câmara dos Comuns mais de um mês sem que tenha, no período natalício, obtido cedências do lado europeu que persuadam os deputados mais relutantes em dar-lhe respaldo. A votação da semana de 14 de janeiro — de que muito depende, pois ditará se e quão ordenado é o ‘Brexit’ — é a primeira de várias obrigatórias, na câmara baixa do Parlamento mas também na Câmara dos Lordes.Não é claro, por outro lado, o que sucederá caso os deputados chumbem o acordo ou caso o aprovem com emendas (como introduzi-las, de resto, num documento já assinado com a UE, que pode rejeitá-las, e em que calendário?).

Fonte governamental citada pelo “Telegraph” garante em que em Downing Street “ninguém espera que [May] vença a votação”, apesar dos esforços governamentais junto de deputados da oposição trabalhista. O Executivo conservador não só não tem maioria como enfrenta o voto contra de muitos nas suas fileiras. O mais provável em caso de derrota, diz a mesma fonte, é que May “volte a pedir aos deputados que votem, provavelmente depois de pedir a Bruxelas mais uma cedência que baste para passar a linha da meta”, isto é, dos 320 votos favoráveis.

“The Independent” crê mesmo que tal possa suceder “uma vez e outra e outra”, porque a primeira-ministra não quis rejeitar tal hipótese, sábado, numa entrevista radiofónica. É irónico, vindo de quem tem rejeitado novo referendo ao ‘Brexit’ com o argumento de que o povo já votou em 2016. Este é, aliás, um aspeto em que nada ficou igual em 2019: a ideia de voltar às urnas, que há um ano parecia abstrusa, tem ganho apoiantes no próprio Partido Conservador e também no Partido Trabalhista, surgindo como solução plausível em caso de impasse. Menos provável é que haja novas eleições, já que May não tem vontade de se demitir, a oposição carece de votos para passar uma moção de censura e os inimigos internos falharam a tentativa de defenestração no mês passado, o que os impede, ao abrigo das regras do Partido Conservador, de voltarem a tentar durante um ano.

Claro que há sempre a hipótese de sair da UE sem acordo, desejada por apoiantes radicais do ‘Brexit’ como o ex-MNE Boris Johnson. Teria consequências difíceis de prever e não é a vontade da maioria dos britânicos, segundo as sondagens, mas é uma via que aparece à frente da proposta por May nas preferências dos inquiridos. Receando o ‘Brexit’ duro por falta de alternativa, deputados dos dois maiores partidos querem impedir o Governo de avançar nessa direção sem consentimento parlamentar. O facto permanece, porém: se nada mudar, o Reino Unido sai da UE daqui a 81 dias, com ou sem pacto.

Ouro em Hollywood

Outra coisa que não muda com o passar dos anos é a temporada dos prémios em Hollywood. Ontem foi noite de Globos de Ouro, os galardões de cinema e televisão atribuídos pela Associação de Imprensa Estrangeira na capital americana da Sétima Arte. “Bohemian Rhapsody”, sobre os Queen, e o road movie “Green Book” foram os vencedores destacados (lista completa aqui) nesta 76.ª edição, em que o êxito de muitos artistas britânicos pode servir de consolo às agruras do ‘Brexit’. Séries como “The Favourite”, “Vice”, “The Bodyguard” ou “A Very English Scandal”entraram no palmarés. Saiba mais sobre o que se viu e o que não se viu.

Em tom mais discreto do que a de 2018, em que os vestidos pretos exprimiram repúdio pelos abusos sexuais praticados desde há longa data no ofício, a cerimónia deste ano foi menos politizada. Note-se, ainda assim, o discurso pela diversidade que proferiu Sandra Oh, atriz que se tornou famosa em “A Anatomia de Grey” e lidera hoje o elenco de “Killing Eve”, e que ontem foi não só apresentadora como laureada. Emocionada com o “momento de mudança”, Oh mal conteve as lágrimas. Também reconheceu, porém, os excessos do politicamente correto ao afirmar, na brincadeira, sobre si e o seu companheiro apresentador, Andy Samberg: “Somos as únicas duas pessoas em Hollywood que não tiveram problemas por terem dito algo ofensivo”.

A entrega dos Óscares, marcada para 25 de fevereiro e de que os Globos costumam ser aperitivo e apoio às previsões, está de momento sem apresentador, depois de o comediante Kevin Hart ter recuado na aceitação do convite da Academia para tal função, na sequência da revelação de tiradas homofóbicas que proferira há anos.

Guias para o novo ano

Por cá o ano é novo no país e no Expresso, que ontem fez 46 anos. A data suscitou esta reflexão do diretor Pedro Santos Guerreiro e é motivação para toda uma equipa, em instalações novas e tendo trocado o saco de plástico por um de papel, continuar a trazer-lhe a melhor informação em português, ao sábado, mas também ao longo da semana no Diário e na edição digital.

Certos são, diz o povo, para lá das dúvidas que as transições implicam, os impostos e a morte. Não falarei agora desta última, antes vos remeto para a explicação da camarada Elisabete Miranda sobre o que muda nos recibos verdes em 2019. Já a Ana Sofia Santos e a Sofia Miguel Rosa ajudam a perceber o que se passa a nível do IMI nos vários municípios. Um terceiro e prazenteiro guia, compilado pela Cláudia Monarca Almeida e a Cátia Marques no sítio Vida Extra, antecipa as pontes que os feriados deste ano permitirão fazer.

Porque é segunda, a bola

O Benfica deu a volta a um jogo em que esteve a perder por 2-0, em casa, contra o Rio Ave. A estreia do treinador interino Bruno Lage acabou por ter final feliz, conta a Tribuna. Os encarnados aguardam que o presidente Luís Filipe Vieira, que hoje vai ao programa de Cristina Ferreira na SIC, dê novidades sobre o próximo técnico.

O Braga venceu o Boavista em casa e ocupa o segundo lugar à condição. Mas a jornada só se conclui hoje, com o Sporting a visitar o Tondela e o líder Porto a receber o Nacional da Madeira.

Muito diferente foi a partida entre o Belenenses (clube, não SAD) e o novo Estrela da Amadora (que deixou cair do nome a referência geográfica mas ainda joga na Reboleira).

Notas telegráficas

Marcelo ouviu cantar as Janeiras, como é da praxe, e fez um apelo à aceitação da diferença e ao repúdio pela violência.

O ano 2019, durante o qual se disputam três-eleições-três (europeias a 26 de maio, madeirenses a 22 de setembro e legislativas a 6 de outubro) irá ver nascer partidos políticos em Portugal. Saiba quais.

Se disfrutou do bom tempo este Natal, como o signatário deste Expresso Curto, fique a conhecer a contrapartida menos agradável.

Nos EUA, Donald Trump diz que foi produtiva uma reunião em que pouco ou nada se avançou para pôr fim ao encerramento parcial do Estado, resultante de divergências com a nova maioria Democrata na Câmara dos Representantes em relação à política orçamental. A democrata Alexandria Ocasio-Cortez, estrela ascendente desde a vitória eleitoral em novembro, acusa o Presidente de tornar o país refém da sua obsessão com o muro na fronteira com o México.

Noutra frente, o homem da Casa Branca garante estarem em cursonegociações para novo encontro com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un.

Do que já poucos falam é da sua promessa de retirar as tropas dos EUA da Síria.

O Papa pede aos dirigentes europeus que ponham fim ao drama de dois barcos com dezenas de migrantes que navegam pelo Mediterrâneo sem poderem aportar. Nada de novo, portanto.

Na Venezuela, e enquanto Nicolás Maduro se prepara para tomar posse para um segundo mandato presidencial, dia 10, sem reconhecimento internacional e com muita contestação interna, um juiz do Supremo Tribunal exila-se nos EUA. A Assembleia Nacional, de maioria opositora, escolheu ontem novo presidente, Juan Guaidó.

Na República Democrática do Congo ainda não há resultados das presidenciais de 30 de dezembro e o clima político vai-se agravando.

Em Banguecoque desenrola-se a história de uma saudita que foge aos horrores do Reino onde nasceu mas tarda em obter ajuda.

Já no Estado americano do Arizona, a polícia tenta perceber como é que uma mulher em estado vegetativo há 14 anos pôde dar à luz no passado dia 29 de dezembro.

Para encerrar em tom mais ligeiro, os fãs da série “Suits” podem esperar que o regresso de Meghan Markle, a atriz que dá pelo título de duquesa de Sussex desde que casou com um neto da rainha Isabel II. Mas só por um episódio.

Manchetes do dia

Jornal de Notícias: “Justiça não reconhece morte de empresário assassinado” (sobre um caso em Braga)

Público: “Portugal é dos países onde menos alunos passam para o Superior”

i: “A política pode ser entretenimento?”

Diário de Notícias (digital): “60% dos jovens vão trabalhar sem curso superior”

Correio da Manhã: “Cintra perde processo de 5 milhóes”

Negócios: “Gastos do Estado com advogados aumentaram 63%”

O Jornal Económico: “Governo acelera novo aeroporto mas Ambiente pode travar tudo”

O que ando a ler

Um clássico moderno: “The Handmaid’s Tale”, da canadiana Margaret Atwood. O livro tem 34 anos, mas tem-me parecido (vou a meio) impressionantemente atual, ao que ajuda decerto a recente e excelente adaptação televisiva, conquanto dificílima de ver de uma ponta à outra, tal a sua dureza e violência. Num mundo distópico, mulheres “aias” se veem reduzidas à condição de úteros descartáveis e andam de farda vermelha, como que a frisar a sua impureza. Ou seja, menina veste vermelho, menino veste o que quiser. Mais do que a descrição da civilização que na imaginação de Atwood substituiu os Estados Unidos da América, impressionam-me no romance e na série os flashbacks que contam como se lá chegou. Se Gilead parece longínqua, não deixa de haver ecos incomodamente familiares.

A premiada série do serviço de streaming Hulu está a produzir a terceira temporada e, desde a segunda, o enredo já não segue o livro de Atwood, com total aceitação desta última. Mas a escritora anunciou que publicará este ano uma sequela do seu êxito de 1985, “The Testaments”. A ação passa-se 15 anos depois do último capítulo da obra original, mas pouco mais se sabe. Não é uma passagem a escrito da série.

O que vou ver

Precisamente, o que me falta da segunda temporada de “The Handmaid’s Tale”, mas só depois de acabar o livro. E, a propósito, este vídeo sobre quem resiste no Brasil. E o “Roma” de Alfonso Cuarón, ontem premiado nos Globos de Ouro. E os muitos filmes que falhei nas últimas semanas de 2018. E, em português, séries como “Sara” ou “Três mulheres”, que deixei a meio.

Lá para o fim do ano virá, é claro, o episódio IX da Guerra das Estrelas. Em tese o último... até que venha outro. Ainda antes, reverei o episódio IV, que é como quem diz o primeiro de todos, o que foi “Guerra das Estrelas” sem número de ordem, em 1977, quando os outros eram só projeto. E que agora se chama “Uma Nova Esperança”, bom mote para os 358 dias que faltam para 2020. É no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, de sexta-feira a domingo, com a música tocada ao vivo pela Orquestra da casa.

Despedida e homenagens

É hora de terminar este Expresso Curto, repetindo votos de um excelente 2019 para todos os leitores. Porque o presente e o futuro não existem sem passado, quero também deixar uma palavra de saudosa homenagem a Mário Soares, que partiu há dois anos. Pela democracia, que com outros e contra outros construiu. Pela liberdade, de que estamos obrigados a cuidar com zelo este ano. Pela amizade que tive a sorte de partilhar.

Também em nome da liberdade — de expressão, de imprensa, de informação —, cabe recordar as vítimas do atentado terrorista contra a revista “Charlie Hebdo”, há quatro anos. Banalizou-se o “Je suis”, mas não se perca o ensejo de proteger de múltiplos ataques esse bem, em que pouco reparamos a não ser quando no-los querem tirar. Em quatro décadas menos um dia de vida, nunca a vi tão ameaçada. Foi-o e mais, bem sei, antes do meu tempo. Não gostaria que voltasse a sê-lo no das minhas filhas.

Até breve, até sempre, siga toda a informação nos sítios do Expresso, SIC, Tribuna, Vida Extra e Blitz, mas também no Diário, às 18h, e de novo em papel, dentro de saco de papel, no próximo sábado. E Bom Ano!

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