domingo, 17 de fevereiro de 2019

PR timorense defende medidas para lidar com violência de grupos de artes marciais


Díli, 11 fev (Lusa) -- O Presidente de Timor-Leste defendeu hoje medidas concretas para lidar com a crescente violência associada a grupos de artes marciais no país, que têm aumentado nas últimas semanas, incluindo rever a legislação.

"Tem que se tomar medidas. No passado houve um decreto do Governo que determinou o fecho dos grupos de artes marciais, mas eu acho que essa medida deve ser revista", disse hoje à Lusa Francisco Guterres Lu-Olo.

O chefe de Estado disse que falou hoje sobre essa questão com o ministro da Defesa e ministro interino do Interior, Filomeno Paixão, e que se deve reformular o quadro legislativo.

"Deve fazer-se uma nova lei, no sentido de dar abertura a esses grupos de artes marciais, para que sejam devidamente controlados", afirmou.

A preocupação sobre os recentes casos de violência em vários pontos de Timor-Leste envolvendo grupos de jovens ligados a grupo de artes marciais (oficialmente ilegais) levou à convocatória de uma sessão plenária do parlamento que decorre hoje à porta fechada.

O encontro conta apenas com a presença dos deputados, de dois funcionários administrativos e de representantes dos setores competentes, nomeadamente Ministério do Interior, Secretaria de Estado da Juventude e Desporto, Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), entre outros.

A decisão de manter o encontro à porta fechada foi tomada na semana passada na conferência de líderes de bancada, tendo em conta o impacto que os sucessivos incidentes de violência estão a ter na segurança do país.

O objetivo, explicou Arão Noé Amaral, presidente do Parlamento Nacional, é fortalecer a colaboração institucional no intuito de "prevenir atividade criminal" e travar a "instabilidade" que os incidentes estão a provocar.

Na semana passada, o comandante da PNTL, Júlio Hornay, disse que as autoridades não vão tolerar que grupos de artes marciais continuem a causar o pânico entre várias comunidades no país, defendendo uma operação alargada para lidar com o problema.

"A situação suscita preocupação e há que tomar medidas para lidar com estes atos criminosos que têm vindo a acontecer, envolvendo jovens de grupos de artes marciais", explicou o comandante.

"Os grupos de artes marciais estão a abusar demais", afirmou, explicando que os grupos atuam ao nível comunitário, com ações de represálias mútuas, contribuindo para que a população em algumas zonas "viva em pânico", defendendo que a situação não pode continuar.

A operação alargada é necessária, explicou, na sequência de vários incidentes de confrontos graves entre grupos de artes marciais que ocorreram nas últimas semanas causando pelo menos um morto, vários feridos e vários detidos.

Têm aumentado igualmente o número de casos do uso de "rama ambon", uma espécie de fisgas com que se lançam pequenas flechas, lâminas ou setas e que são usadas esporadicamente em alguns bairros de Díli, causando várias vítimas.

Segundo especialistas do setor de segurança, muitos dos casos são de jovens "iniciados" em grupos rivais de artes marciais que usam 'rama ambon' para lançar flechas contra transeuntes.

O vice-diretor da Fundação Mahein João Almeida - que acompanha em detalhe o setor da defesa e segurança - disse recentemente à Lusa que a monitorização feita pela sua instituição mostra que a maioria dos incidentes violentos do país apontam para o "envolvimento de grupos de artes marciais".

Entre os problemas apontados por responsáveis do setor da segurança em Timor-Leste está o efeito de uma resolução, de julho de 2013, que determina a "extinção" dos principais grupos de artes marciais do país, nomeadamente a PSHT, KORK e KERAH SAKTI, aplicando ainda a "proibição total da continuação de qualquer atividade de artes marciais dos respetivos membros".

Esta resolução foi aprovada depois de incidentes em Díli e noutros locais de Timor-Leste envolvendo "grupos de artes marciais, que têm vindo a provocar distúrbios sérios, destruição de bens, mortos e feridos".

O objetivo era travar a ação dos grupos, mas os efeitos acabaram por ser contraproducentes, levando muitos participantes a atuar numa maior clandestinidade, reduzindo o controlo das autoridades.

Em dezembro, Filomeno Paixão disse à Lusa que este era um assunto "complexo e com muitas vertentes: política, económica, cultural e de outra ordem" em que "não é fácil atuar", já que "as artes marciais estão bem infiltradas em muitas instituições, inclusive da segurança".

O controlo total da situação é difícil, admitiu, até porque há "elementos das artes marciais" em instituições como a PNTL.

ASP // JMC

PR timorense remete para a justiça caso de padre suspeito de abuso sexual de menores

Daschbach (foto google)

Díli, 11 fev (Lusa) -- O Presidente da República timorense disse hoje que está "preocupado" com o caso de um padre norte-americano suspeito de abuso sexual de menores no enclave de Oecusse, afirmando que cabe à justiça lidar com a questão.

"Preocupa-me de certa maneira este caso", disse à Lusa, no Palácio Presidencial. "Mas devo dizer que a justiça tomará conta deste caso", afirmou.

A publicação timorense Tempo Timor revelou na semana passada que o padre Richard Daschbach teria sido afastado pela Congregação da Doutrina da Fé (CDF) no Vaticano depois de acusações de que abusou de várias crianças que estavam ao seu cuidado em Oecusse.

Citando responsáveis católicos timorenses, a Tempo Timor revelou que Dascbach tinha admitido os seus crimes à congregação Societas Verbi Divini (SVD ou Sociedade da Palavra Divina), tendo sido inicialmente retirado do enclave.

Daschbach, 82 anos, natural de Pittsburg, nos Estados Unidos, vive em Timor-Leste desde 1966 e, em 1992, estabeleceu duas casas de abrigo de crianças, a TopuHonis, em dois espaços no enclave de Oecusse.

O caso chegou a conhecimento de responsáveis timorenses há quase um ano, mas só agora foi tornado público.

Na semana passada, o comandante da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) disse que o padre já foi interrogado e que o caso está a ser investigado.

"O processo ainda esta a andar. Já foi interrogado pela investigação criminal e o processo está a andar. Já falámos também com o Ministério Público sobre a situação e até já falámos com o bispo", disse Júlio Hornay, recusando-se a fazer comentários alargados sobre o caso.

O primeiro-ministro timorense, Taur Matan Ruak, também disse que cabe à polícia e à justiça investigar o caso do padre norte-americano suspeito de abusos de crianças num orfanato que geria no enclave de Oecusse-Ambeno.

"Deixo a Justiça tomar conta. O processo está a andar. Tenho muito respeito por isso. E deixo que a polícia e a justiça tomem conta do assunto", disse hoje aos jornalistas no Palácio Presidencial depois do seu encontro semanal com o chefe de Estado.

Taur Matan Ruak confirmou que ele próprio, acompanhado da sua mulher, Isabel Ferreira, visitou em março do ano passado a sede da SVD em Díli, quando as suspeitas foram levadas aos responsáveis da congregação.

"Eu não tinha intenção de passar cartão de imunidade para o padre.  Simplesmente, como ser humano, por questão de respeito, visitámos para saber o que se passava e manifestar a nossa preocupação sobre as questões", disse Taur Matan Ruak que, nessa altura, era presidente do Partido Libertação Popular (PLP) e dos líderes da coligação Aliança de Mudança para o Progresso (AMP).

Citado pelo Tempo Timor, o supervisor regional da SVD, Yohanes Suban Gapun, disse que durante essa visita Taur Matan Ruak pediu para que deixassem o padre voltar para Oecusse.

"O senhor Taur Matan Ruak e a sua mulher vieram visitar-nos e falaram com Daschbach. Também me pediram se, por favor, o deixava voltar a Oecusse porque muitas pessoas gostam dele ali e ainda o respeitam muito. Por favor, deixem-no ir para Oecusse também porque está velho e deixem que morra lá em paz", contou.

Apesar de Daschbach ter admitido perante várias pessoas a autoria dos crimes continua a viver em liberdade em Oecusse, não tendo sido ainda formalmente acusado pelo sistema judicial timorense.

ASP // JMC

Moçambique | FMI “pode dizer claramente ao Credit Suisse que não pode lavar as mãos como fez Pilatos”


A Sociedade Civil moçambicana pretende que o Fundo Monetário Internacional (FMI) diga “claramente ao Credit Suisse que não pode lavar as mãos como fez Pilatos, dizer que foram uns funcionários que fizeram e o banco não sabia” de acordo com Adriano Nuvunga a Justiça norte-americana trouxe novos elementos ao caso das dívidas ilegais “a parte dívida ilegal foi a concretização de uma fraude, portanto muda de figura por completo e há regras internacionais”.

Diante das revelações da Justiça norte-americana que a contratação dos empréstimos de mais de 2 biliões de dólares norte-americanos foi apenas uma justificação para uma gigantesca fraude que beneficiou banqueiros, membros do Governo moçambicano e do partido Frelimo o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) escreveu, dentre cinco missivas para instituições internacionais, ao FMI para dizer “que há novos elementos”.

“O elemento novo mais importante é que afinal isto não foi uma dívida ilegal, a parte dívida ilegal foi a concretização de uma fraude, portanto muda de figura por completo e há regras internacionais como a FCPA (sigla em inglês da Foreign Corrupt Practices Act , ou Lei de Práticas de Corrupção no Exterior dos Estado Unidos da América)” explicou Adriano Nuvunga ao @Verdade.

O representante do FMO declarou ainda que: “Há duas coisas importantes que o Fundo Monetário pode fazer, uma em relação ao sistema financeiro mundial afinal é na verdade o boss da banca internacional que muita dela é bandida e pode dizer claramente ao Credit Suisse que não pode lavar as mãos como fez Pilatos, dizer que foram uns funcionários que fizeram e o banco não sabia, houve claramente violação de processos internos do banco e tem que se responsabilizar”.

O @Verdade revelou que grande parte das provas que a acusação norte-americana tem e levou a acusação e pedidos de detenção de Manuel Chang, António Carlos do Rosário, Maria Isaltina Lucas, de três antigos funcionários do banco financiador da Proindicus e EMATUM e ainda de um ex-executivo do grupo Privinvest foram conseguidas através do banco Credit Suisse, o principal financiador, que pretende sair incólume de toda a fraude e deixar a responsabilidade pelo pagamento das dívidas para o povo moçambicano.

Adriano Nuvunga chamou ainda atenção para o facto de “nós estamos a falar sobre uma coisa que aconteceu mas o Governo de Nyusi está em actividade desde 2015, como é que nós sabemos que neste período não estão a cometer-se coisas idênticas, para que não aconteça de novo precisamos do Fundo Monetário Internacional. Chang e Guebuza só conseguiram fazer este calote porque o pacote de reforma que o Fundo Monetário pensava que era bom não foi suficiente, porque se fizeram reformas sem partir muito bem os ovos”.

Nuvunga concluiu declarando que Moçambique precisa “de um pacote de reformas compreensivo para que não volte mais a acontecer, enquanto há o accountability em torno deste problema”.

Recorde-se que o FMI deixou a impressão de haver mudado a sua atitude para com o Governo de Moçambique após as missões que aconteceram em 2018. Aliás a última Missão da instituição financeira multilateral que visitou o nosso país em Novembro último já não referiu as lacunas que antes indicava existirem na auditoria da Kroll e até acolheu “com agrado os esforços contínuos da Procuradoria-Geral da República, em cooperação com os parceiros de desenvolvimento, para trazer responsabilização relativamente à questão das dívidas anteriormente ocultas”.

Além disso o Representante do Fundo Monetário Internacional em Moçambique revelou ao @Verdade que o Conselho de Administração da instituição já havia reavaliado o misreporting relativamente ao cenário macroeconómico que surgiu após a descoberta das dívidas das empresas Proindicus e MAM e culminou com a suspensão do seu Programa Financeiro em Abril de 2016.

Adérito Caldeira | @Verdade

Dívidas ocultas: Prisão preventiva para sete arguidos em Moçambique


Sete dos oito detidos que compareceram este sábado perante o Tribunal Judicial de Maputo, no âmbito do caso das dívidas ocultas, ficam em prisão preventiva. Ndambi Guebuza deverá ser o próximo a ser ouvido em tribunal.

As audições perante o juiz de instrução no Tribunal Judicial de Maputo, no âmbito da investigação às dívidas ocultas, prolongaram-se por 12 horas, este sábado (16.02), com o acesso vedado aos jornalistas. No final da sessão, nenhum dos advogados de defesa dos oito arguidos aceitou prestar declarações à imprensa.

A DW África apurou de fonte ligada ao processo que o Tribunal decidiu conceder liberdade provisória a Elias Moiane, mediante o pagamento de uma caução de um milhão de meticais, o equivalente a 14 mil euros.

Ainda não é público o nível de participação de Elias Moiane, sobrinho de Inês Moiane, antiga secretária particular de Armando Guebuza, Presidente da República durante o período da contração das dívidas ilegais que lesaram o Estado moçambicano em mais de dois mil milhões de dólares.

Tal como Inês Moiane, o Tribunal legalizou a prisão preventiva do administrador delegado das três empresas envolvidas nestes empréstimos, António do Rosário, do ex-Director do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), Gregório Leão, e de Bruno Tandade, operativo daquele serviço da secreta moçambicana.

O grupo inclui Teófilo Nhangumele, que teria desenhado o projeto que resultou no desfalque do Estado moçambicano.

Mais detenções nos próximos dias?

O número de detenções em Moçambique, no âmbito da investigação às dívidas ocultas  elevou-se este sábado a nove com a detenção de Ndambi Guebuza, filho de Armando Guebuza. Ndambi Guebuza deverá comparecer perante um juiz dentro de 48 horas para a legalização da sua detenção.

Fontes ligadas ao caso admitem que novas detenções aconteçam nos próximos dias, ao mesmo tempo em que decorre a apreensão de vários bens. A Procuradoria-Geral da República divulgou em janeiro que 18 arguidos estavam a ser investigados num processo aberto por aquela instituição em 2015 relacionado com as dívidas ocultas.

As nove detenções efetuadas nos últimos três dias são as primeiras feitas pela justiça moçambicana após três anos e meio de investigação e aconteceram depois de a justiça norte-americana ter mandado prender Manuel Chang, antigo ministro das Finanças de Moçambique, detido a 29 de dezembro, quando viajava pela África do Sul.

A acusação norte-americana afirma estar na posse de correspondência e documentos que a levam a concluir que três empresas públicas moçambicanas de pesca e segurança marítima terão servido para um esquema de corrupção e branqueamento de capitais com vista ao enriquecimento de vários suspeitos, passando por contas bancárias dos Estados Unidos.

As justiças norte americana e moçambicana solicitaram já a extradição de Manuel Chang, estando a análise destes pedidos pelas autoridades sul africanas marcada para uma sessão no próximo dia 26.

Chang viu na última sexta feira (08.02) rejeitado um pedido de liberdade provisória por decisão do tribunal de Kempton Park em Joanesburgo na África do Sul.

Leonel Matias (Maputo) | Deutsche Welle

Angola | Justiça activa e independente


Jornal de Angola | editorial

Para combater a corrupção e as más práticas associadas, o Presidente da República, João Lourenço, defendeu que era apenas necessário que algo muito simples acontecesse, que se deixassem os agentes da justiça fazer o seu trabalho. Numa das suas intervenções, o Chefe de Estado frisou o que hoje todos testemunhamos positivamente, embora muitos continuem a insistir que tudo não passa de meras operações cosméticas.

Na verdade, o tempo está a provar que a promessa do Presidente da República, cuja materialização não depende apenas de si, mas da sociedade em geral e dos agentes da Justiça em particular, é exequível e irreversível. 

As advertências feitas há dias pelo governador de Benguela, com palavras simples e directas, são disso o óbvio e o esperado, quando se trata da operação que o país assiste hoje como forma de livrar Angola das desvantagens resultantes de indicadores negativos sobre a corrupção. Às vezes e lamentavelmente, nós não temos a percepção exacta das perdas elevadas que o país acarreta com a exposição a este mal que corrói a sociedade e afecta até quem nele incorre movido pela ganância. Por isso, urge dizer claramente aos corruptos que os seus actos lesivos, quando atingem o erário, vão acabar por envolver consequências, independentemente de quem sejam.

“Aqueles que roubaram têm de assumir as consequências dos seus actos”, disse Rui Pinto de Andrade, no acto provincial de apresentação da Agenda Política do MPLA para o ano em curso, numa referência à necessidade do país avançar para um combate sem quartel contra este fenómeno social. 

O que precisamos é tão somente que o sistema de Justiça funcione, contrariamente a apelos no sentido de criar uma Alta Autoridade para a Corrupção e outros pressupostos legais. Na verdade, de nada vale criar tantos mecanismos legais e administrativos para conter os males sociais que pretendemos ver erradicados se não nos certificarmos da funcionalidade e eficácia daqueles que já existem. 

Precisamos de deixar que a Justiça faça o seu trabalho, dentro dos “timings” do sector e que o actual curso dos acontecimentos sirva sobretudo para moralizar a sociedade sobre a seriedade e firmeza do Executivo quanto ao combate contra a corrupção. É pena que alguns começam a ensaiar o discurso da vitimização, com a suposta perseguição política, quando na verdade e para o bem de toda a sociedade, todos pretendem ver efectivado o trabalho dos agentes da Justiça. 

É necessário deixar a Justiça fazer o seu trabalho, como pilar do sistema democrático.

Guiné-Bissau | "Lembram-se que existimos apenas no período eleitoral"


Regiões mais disputadas na campanha para as eleições de 10 de março, que arranca este sábado, são as mais pobres do país. Populares condenam luxo ostentado pelos políticos. Ambiente de tensão gera receios de insegurança.

São 21 dias de caça ao voto para os 21 partidos políticos que disputam, em 29 círculos eleitorais, 102 lugares no parlamento da Guiné-Bissau. Rumo à décima legislatura, os concorrentes às eleições legislativas de 10 março são unânimes ao afirmar que chegou a "Hora da Mudança" para os guineenses que querem, com estas eleições, pôr fim à mais fatídica crise política e económica - que durou mais de três anos.

Para os 102 assentos na Assembleia Nacional Popular concorrem mais 500 candidatos, entre vários jovens estreantes e alguns veteranos que procuram a reforma vitalícia. Os líderes partidários são candidatos a primeiro-ministro em caso da vitória dos respetivos partidos. 

A campanha eleitoral decorre numa altura em que a organizações da sociedade civil, a Comissão Nacional de Eleições e partidos políticos manifestam preocupações com a segurança eleitoral, devido à agitação social, ânimos exaltados entre atores políticos que contestam o recenseamento eleitoral e constantes ameaças de perturbação à ordem pública para interromper o processo eleitoral e consequente adiamento das eleições.

Forças de segurança a postos

Divergências entre o Presidente da República, José Mário Vaz, e o primeiro-ministro, Aristides Gomes, não permitiram a nomeação do ministro do Interior para assegurar que o processo decorra com sossego, admite o chefe do Governo.

O Comissário Geral da Polícia da Ordem Pública (POP), Celso de Carvalho, disse que 6 mil efetivos das diferentes corporações das forças de segurança serão mobilizados para reforçar medidas de segurança durante todo o processo. Em conferência de imprensa, Celso de Carvalho minimizou a falta de ministro do Interior, afirmando que se trata de um cargo meramente político e que as autoridades estão prontas para intervir em caso de desordem.

Horas antes dos comícios partidários de abertura da corrida eleitoral, o apelo ao civismo domina as mensagens dirigidas ao povo e aos concorrentes. A comunidade internacional, agrupada no chamado P5, apela a umas eleições justas, livres e transparentes. Os membros do Conselho de Segurança da ONU, que estão em Bissau para encorajar os atores políticos a prosseguir com os progressos para estabilização efetiva da Guiné-Bissau, querem que as eleições sirvam para apresentar sinais de estabilidade e desenvolvimento.

A campanha eleitoral para as eleições legislativas, que estiveram inicialmente marcadas para 18 de novembro do ano passado, arranca em tensão política, que começou em 2015 depois da demissão de Domingos Simões Pereira, presidente do PAIGC, do cargo de primeiro-ministro, e que se adensou com os problemas registados no recenseamento eleitoral.

Os cadernos eleitorais definitivos ainda não foram divulgados pelo Gabinete Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral, o que tem provocado um aumento da crispação política entre alguns partidos políticos e o Governo em funções.

"A pobreza está nos nossos rostos"

No terreno, os comentadores políticos criticam os partidos, acusando-os de ostentarem materiais eleitorais de luxo, nomeadamente viaturas topo de gama, e de esbanjarem dinheiro vivo e exibirem materiais de propaganda eleitoral de ponta, quando o povo sofre de falta de quase tudo. Gabú e Bafatá, no leste do país, são tradicionalmente as regiões mais disputadas pelos partidos, mas, ao mesmo tempo, as zonas mais pobres.

"Eles lembram-se que nós existimos apenas nesse período eleitoral. Há zonas aqui em que o Estado da Guiné-Conacri tem mais presença do que o nosso, só porque temos uma fronteira", afirma Bacar Sonco, de 37 anos, ouvido pela DW África.

Revoltado com a cíclica crise política, admite que vai votar em branco, "porque os políticos são todos iguais, os mesmos de sempre, que vêm aqui renovar o emprego para servir-se do Estado e resolver seus problemas pessoais". "A pobreza está nos nossos rostos", conclui.

Tal como Sonco, muitos jovens recusaram-se a participar no processo eleitoral em protesto pelas más condições de vida dos guineenses - que contrastam com a vida de luxo dos políticos.

"A Guiné-Bissau é um exemplo de que as eleições não resolvem o problema do povo, mas sim dos políticos e das suas famílias, que na campanha eleitoral vêm gozar e ostentar riqueza na nossa pobreza", comenta Júlia Nanque, vendedora do mercado central de Gabú. 

Braima Darame (Bissau) Deutsche Welle

Manual da OCDE para governos neoliberais


Rui Viana Pereira

A OCDE [1]  publicou ao longo da década de 1990 uma série de cadernos onde estuda casos concretos de aplicação de medidas de antipopulares em vários países da América Latina, África e Ásia. Em 1996 sai o  Caderno de Política Económica  n.º 13, intitulado "A Viabilidade da Política de Ajustamento" [2] , da autoria de Christian Morrisson, que assenta em estudos de casos de sucesso (ou de fracasso) na aplicação de políticas neoliberais. Note-se que os termos "neoliberal" e "austeridade" jamais são mencionados, mas na realidade é disso mesmo que a publicação trata: como governar com medidas antipopulares, neoliberais, de austeridade, sofrendo um mínimo de custos políticos. Foi escrito antes de rebentar a crise financeira mundial de 2007-2008 e assenta no estudo de vários países periféricos, mas continua actual e vivo, tanto nos países periféricos como nos países centrais.

Como qualquer bom manual, "A Viabilidade da Política de Ajustamento" é autoexplicativo e dispensa comentários. Ajuda a sintetizar o rumo da governação nos últimos 25 anos e só por isso é merecedor de atenção, desde que não nos esqueçamos dos objectivos que serve: melhorar o desempenho da governação neoliberal e das medidas de austeridade. [3]

"O Centro de Desenvolvimento procura, nas suas actividades de investigação, identificar e analisar os problemas que irão levantar-se a médio prazo e cujas implicações dizem respeito tanto aos países Membros da OCDE como aos países não membros, apontando linhas de acção para facilitar a elaboração das políticas adequadas." (Morrisson, "A Viabilidade da Política de Ajustamento", 1996, p. 3, sempre com referência à edição francesa deste caderno)

"As políticas de estabilização económica e de ajustamento podem provocar convulsões sociais ou até pôr em perigo a estabilidade dos países. Neste Caderno de política económica são analisadas as consequências políticas de tais programas." (p. 3)

[A nossa investigação] "permitiu definir e precisar as características de um programa de estabilização politicamente optimizado que minimize os custos políticos para alcançar um determinado resultado económico." (p. 3)

Mais adiante, a propósito do equilíbrio macroeconómico, nomeadamente a balança de pagamentos:

"Graças ao impulso dado por organizações internacionais, as medidas de estabilização passaram a ser completadas por medidas de ajustamento estrutural, como sejam a redução dos direitos alfandegários, a desregulamentação dos mercados financeiros ou a supressão das distorções nos preços agrícolas. Esta distinção entre a estabilização e o ajustamento estrutural é politicamente importante." (p. 5)

"De facto, um  programa de estabilização  tem um carácter de urgência e inclui necessariamente muitas medidas impopulares, uma vez que reduz brutalmente os rendimentos e os consumos das famílias, ao diminuir os salários dos funcionários públicos, os subsídios ou o emprego na construção civil. Em contrapartida, as  medidas de ajustamento estrutural  podem ser faseadas ao longo de vários anos e cada medida gera ao mesmo tempo ganhadores e perdedores, de forma que o governo pode apoiar-se facilmente numa coligação de beneficiários para defender a sua política." (p. 5, sublinhados meus)

"A aplicação de programas de ajustamento em dezenas de países durante os anos 1980 evidenciou que a dimensão política do ajustamento tinha sido negligenciada. […] Foi por isso necessário reconhecer que o sucesso económico do ajustamento depende da viabilidade política. Um programa interrompido por greves redunda em fracasso; um programa aplicado à custa de uma repressão que provoca centenas de mortos é igualmente um fracasso." (p. 6)

"É evidente que a supressão dos subsídios a um produto consumido apenas pelas famílias pobres, com o objectivo de obter um ganho orçamental modesto, simboliza o tipo de medidas ineficazes, tendo em conta os seus custos." (p. 7)

"Os problemas políticos levantados pelas [medidas de ajustamento estrutural] são muito diferentes dos que derivam de um programa de estabilização. As reformas estruturais arrastam-se no tempo e as suas consequências fazem-se sentir com algum atraso. Estas reformas não provocam um 'efeito de choque', como sucede com uma subida de preços na ordem dos 50 % para os produtos alimentares. Além disso, a maior parte das reformas atinge certos grupos mas ao mesmo tempo beneficia outros, de forma que é sempre possível recorrer a uma coligação dos grupos ganhadores contra os grupos perdedores." (p. 18)

Os actores em jogo num programa de ajustamento estrutural, segundo os cadernos políticos da OCDE

Christian Morrisson define assim os factores em jogo: "o governo, os grupos sociais, os agentes económicos (tanto os produtores como os consumidores) e o exterior (organizações internacionais ou países doadores)" (p. 8). [4]

No caso português os grupos exteriores são o FMI, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e os mecanismos de "ajuda" e "estabilidade" económica e financeira europeus (MEE, FEEF, etc.) [5] , que representam directamente os interesses do capital financeiro.

Quanto aos agentes sociais em jogo, o manual avisa que

"As populações urbanas podem, mais facilmente do que as populações rurais, pôr em marcha acções colectivas. Entre as populações urbanas, certos assalariados têm maior poder de negociação, caso trabalhem em sectores chave, como a energia ou os transportes, uma vez que podem bloquear a actividade económica." (p. 8-9)

"As reacções variam muito, consoante o tipo de medidas. As que suscitam maiores manifestações são aquelas que afectam toda a população, ou seja, as subidas de preços, qualquer que seja a sua origem (cortes nos subsídios, subida de impostos indirectos ou desvalorização)." (p. 11) "Estas subidas causam geralmente menos greves, o que não surpreende, já que em muitos países a maioria da população urbana trabalha em pequenas empresas ou no sector informal, onde não é possível fazer greve sem perder o emprego. Por outro lado, as greves são movimentos categoriais por natureza, o que explica a correlação entre as restrições orçamentais que afectam os funcionários públicos e as greves. Estas restrições implicam frequentemente diminuições salariais, quando não despedimentos nos serviços e empresas públicas: uma vez que os assalariados estão organizados e frequentemente têm o emprego garantido, podem fazer greve." (p. 11)

"Deve-se subir primeiro os preços dos produtos intermédios, como foi feito em Marrocos em 1983-1984, e não os dos produtos de base consumidos pelas famílias pobres. Quando se quer subir os preços dos produtos de base, deve-se aplicar sucessivos aumentos moderados (menos de 20 %) e escalonados no tempo." (p. 27)

"Nada mais perigoso do que tomar medidas globais para resolver um problema macroeconómico. Por exemplo, quando se reduzem os salários dos funcionários públicos, deve-se baixar num determinado sector, congelar (em valor nominal) noutro sector, e até aumentá-los em sectores politicamente cruciais." (p. 31)

"Para reduzir o défice orçamental, uma forte redução do investimento público ou uma diminuição do funcionamento não comportam riscos políticos. Quando se diminuem as despesas de funcionamento, é preciso ter o cuidado de não diminuir a  quantidade  do serviço, mas a  qualidade  pode baixar. […] As famílias reagirão violentamente a uma recusa de inscrição das suas crianças na escola, mas não a uma baixa gradual da qualidade do ensino […] O processo deve ser feito passo a passo, primeiro numa escola mas não na escola ao lado, de forma a evitar o descontentamento geral da população." (p. 30)

Os exemplos que acabo de dar são uma pequena amostra do vasto leque de recomendações úteis a um governo que pretende seguir um programa de austeridade. Sintetizando algumas das regras propostas por Morrisson, um governo neoliberal que quer levar por diante um programa de austeridade sem correr riscos políticos graves deve: 

apoiar o encerramento de unidades produtivas de determinados sectores económicos, provocando um desemprego massivo e acabando de vez com a capacidade de organização, mobilização e greve dos assalariados desses sectores (os desempregados não podem fazer greve e ao fim de pouco tempo dispersam); esta iniciativa é especialmente importante nos sectores onde os trabalhadores têm um historial e uma organização muito fortes (casos típicos em Portugal: a privatização dos correios; a privatização dos transportes aéreos; o desmantelamento dos operários da Lisnave); 

concessionar os serviços do Estado, isto é, extingui-los e substituí-los por serviços privatizados; desta forma desaparecem os assalariados do Estado com vínculo estável, substituídos por assalariados precários; 

empurrar os trabalhadores mais antigos para a reforma antecipada; substituí-los por trabalhadores com vínculos precários, a ganharem menos de metade dos trabalhadores recém-reformados e sem experiência de luta; 

nunca tomar medidas globais que afectem directamente a totalidade da população ou as camadas mais pobres; proceder a aumentos de preços escalonados ao longo do tempo e se necessário não tocar nos preços e subsídios de certos produtos indispensáveis às camadas mais pobres, quando estas têm um peso significativo no conjunto da população; dar bodos aos pobres, para arranjar aliados; 

dividir para reinar: no caso dos funcionários públicos, por exemplo, não cair no erro de atacar todos em conjunto e de uma assentada só; prejudicar um sector, se necessário beneficiando outro sector, de forma a manter sempre uma reserva de aliados.

Recorde-se que os governos anteriores à entrada da Troika em Portugal estavam a seguir precisamente este caminho. Assim, por exemplo, a privatização de sectores chave da economia nacional (energia, combustíveis, transportes, serviços públicos) estava em curso adiantado; a divisão do campo dos assalariados já estava a ser minuciosamente levada a cabo (desempregados contra reformados, assalariados do sector privado contra funcionários públicos, pais contra professores, etc.).

Se examinarmos a forma como o governo de Passos Coelho avançou com reformas à bruta e por atacado, provocando protestos generalizados das populações de norte a sul de Portugal, manifestações de enormes dimensões e umas quantas greves, percebemos que muito provavelmente ele não é leitor assíduo do manual de Morrisson. É certo que o governo de Passos Coelho conseguiu aplicar o programa de austeridade que se tinha proposto (ou seja, o objectivo principal foi alcançado), mas o preço político pago foi muito elevado: os dois partidos da coligação no poder não conseguiram obter maioria nas eleições parlamentares seguintes e o séquito de Passos Coelho foi arredado do poder, tanto no Estado como dentro do partido.

Morrisson chama-nos a atenção para o caso paradigmático do governo marroquino, cujo tom foi marcado por um discurso do rei sob o mote "sim à austeridade, não à pauperização". Recorrendo a uma campanha mediática muito bem concebida e a medidas políticas pontuais que satisfaziam algumas reivindicações populares, as autoridades marroquinas conseguiram aplicar um vasto pacote de medidas de austeridade, escalonadas no tempo, praticamente sem oposição popular.

"Os cinco estudos do Centro de Desenvolvimento confirmam o interesse político de certas medidas de estabilização: uma política monetária restritiva, cortes brutais no investimento público ou a redução das despesas de funcionamento não acarretam qualquer risco para o governo. Isto não significa que essas medidas não tenham consequências económicas ou sociais negativas: a queda dos investimentos públicos desacelera o crescimento durante anos e atira para o desemprego milhares de operários da construção civil, sem subsídio. Mas nós estamos a pensar aqui em função de um único critério: minimizar o risco de distúrbios." (p. 16)

A importância atribuída no documento ao sector da construção civil tem razão de ser e é patente no caso português: havia o risco de os patrões e os assalariados deste sector, que têm um enorme peso no conjunto da força de trabalho portuguesa, criarem uma barreira à aplicação do pacote de "políticas de ajustamento". Uma das soluções adoptadas para amenizar o perigo de oposição consistiu em deslocar uma parte dos trabalhadores da construção para tarefas como a poda industrial das árvores nas estradas e jardins públicos, ajardinamentos, etc. – em plena época de contenção das despesas públicas, o Governo e as autarquias abriram os cordões à bolsa para manterem empregados alguns operários da construção, alimentando a esperança dos restantes. O resultado foi desastroso do ponto de vista estético e técnico, mas, apesar dos prejuízos causados à natureza e aos espaços públicos, apesar de nada disto ter impedido o aumento brutal de desempregados, o objectivo visado foi atingido: não se ergueu por parte do sector da construção (nem do lado dos patrões nem do lado dos assalariados) um movimento de protesto capaz de travar o programa de austeridade em curso.

"A experiência dos cinco países [estudados] mostra, em última análise, que o sucesso político de um programa de estabilização depende de dois factores políticos: o apoio de uma coligação favorável e a estabilidade das instituições." (p. 17)

"Um governo dificilmente consegue estabilizar contra a vontade da opinião pública no seu conjunto. Tem de procurar o apoio de uma parte da opinião, se necessário penalizando mais certos grupos. Neste sentido, um programa que afecte de forma igual todos os grupos (isto é, que seja neutro do ponto de vista social) é mais difícil de aplicar do que um programa discriminatório que obriga certos grupos a suportarem o ajustamento, ao mesmo tempo que poupa outros grupos, para que estes apoiem o governo." (p. 17)

Um caso paradigmático é o da liberalização das trocas internacionais, que encontra geralmente a oposição dos partidos de esquerda e nalguns casos dos partidos de extrema direita. Protestam contra essas medidas os industriais dos sectores económicos protegidos, juntamente com os respectivos assalariados; protestam os altos funcionários e as entidades públicas e privadas ligadas ao sistema de despacho alfandegário; protestam os partidos de esquerda, por verem nessas medidas a antecâmara da perda total de autonomia e soberania (económica, política e judicial); protestam alguns partidos de extrema direita, por razões pouco recomendáveis ligadas a ideais nacionalistas. Em contrapartida, a liberalização e desregulamentação do comércio além-fronteiras pode ser apoiada pela grande massa de consumidores (na expectativa de adquirirem os produtos importados a mais baixo preço), pelos pequenos e médios industriais exportadores (que apenas vêem os lucros imediatos, sendo incapazes de prever a sua própria extinção a longo prazo, por efeito de uma concorrência transnacional desregulada), por uma enorme massa de pequenos produtores que esperam vir a ter acesso a bens intermédios de produção mais baratos. No conjunto da sociedade tem sido muito difícil gerar uma mobilização suficientemente forte para forçar os governos a porem de lado os acordos de livre comércio.

Como Morrisson sublinha noutro passo, a população nunca reage ao anúncio de cortes; os protestos vigorosos ocorrem 3 a 6 meses após a introdução das medidas, o que dá ao governo uma folga para se precaver com contra-medidas que lhe permitam anular os protestos na raiz ou desviá-los noutro sentido.

Os relatórios da OCDE preocupam-se também com o facto de, por regra, as medidas neoliberais provocarem um aumento da pobreza e das desigualdades – nomeadamente de género, de acesso à saúde, ao ensino, à cultura, etc. – e surpreende-nos tratando regularmente nos seus cadernos políticos os temas da igualdade e da justiça sociais (sempre do ponto de vista da governação neoliberal, entenda-se), avisando que estes temas devem receber o máximo de atenção, a fim de minimizar os custos políticos.

"[...] a experiência mostra que muitas vezes é tanto mais difícil aplicar politicamente um programa de estabilização, quanto maior for a desigualdade de rendimentos." (p. 22-23)

"Quando um governo chega ao poder num momento em que os desequilíbrios macroeconómicos se desenvolvem, beneficia de um curto período (quatro a cinco meses) durante o qual a opinião pública o apoia e lhe permite atirar para cima dos seus predecessores a impopularidade do ajustamento" (p. 24). "Isto pressupõe uma boa estratégia de comunicação, sendo esta uma arma importante no combate político. É preciso, desde a chegada ao poder e se preciso for exagerando, insistir na gravidade dos desequilíbrios, sublinhar as responsabilidades dos predecessores e o papel dos factores exógenos desfavoráveis, em vez de alimentar um discurso político optimista e apresentar a verdade tal qual ela é. Em contrapartida, a partir do momento em que o programa de estabilização foi aplicado, o governo pode adoptar um discurso mais optimista, para restabelecer a confiança (factor positivo para a retoma), atribuindo sempre a si mesmo o mérito dos primeiros benefícios do ajustamento" (p. 25).

"É inevitável que a oposição tire partido da situação para desenvolver um vasto movimento de descontentamento, e não é possível aplicar um programa de estabilização sem lesar os interesses dos assalariados do sector público e parapúblico, dos consumidores urbanos, dos assalariados e chefes de empresa do sector moderno. Mas é preciso evitar que este movimento se estenda a toda a população urbana, recorrendo para isso a acções discriminatórias que atraiam o apoio de diversos grupos, a fim de constituir uma coligação oposta" (p. 25).

Uma das consequências dos conselhos fornecidos pelos cadernos políticos da OCDE é a progressiva passagem, no quadro da segurança social, de uma lógica universalista (garantir a todos, sem distinção, o máximo de bem-estar e de serviços qualificados) para uma lógica assistencialista (acudir aos indigentes e aguardar que as restantes camadas da população se desenrasquem sozinhas).

No caso da função pública e das empresas públicas e parapúblicas, a redução de salários e postos de trabalho, que figura entre as principais "medidas dos programas de estabilização", é em princípio "menos perigosa do que a subida de preços no consumidor" (combustíveis, electricidade, água, alimentos, impostos indirectos, etc.): "suscita mais greves que manifestações e afecta mais as classes médias do que as pobres […]  A greve dos professores não é, em si mesma, um entrave para o governo, mas é indirectamente perigosa, como já se comprovou, por libertar a juventude para se manifestar " (p. 29).

Segundo Morrisson, as "reformas estruturais" são menos problemáticas e geram menos riscos políticos:

"[...] as reformas estruturais não têm geralmente o carácter de urgência das medidas de estabilização. Por isso o governo pode escaloná-las ao longo do tempo e evitar assim uma coligação de descontentes, como a que ocorre quando são tomadas simultaneamente numerosas medidas impopulares de estabilização [...]" (p. 32)

"[...] desde que sejam feitas concessões estratégicas, um governo pode, procedendo de forma gradual e com medidas sectoriais (e não globais), reduzir consideravelmente as cargas salariais.  O essencial é evitar um movimento de greve geral no sector público, que poria em causa um objectivo essencial do programa de estabilização: a redução do défice orçamental ." (p. 30, sublinhados meus)

"[...] a reforma mais frequentemente necessária e a mais perigosa é a das empresas públicas, quer se trate de as reorganizar, quer de as privatizar. Esta reforma é muito difícil, porque os assalariados do sector estão geralmente bem organizados e controlam domínios estratégicos. […] É aconselhável tomar algumas precauções. Antes do mais, esta reforma não deve coincidir com um programa de estabilização, pois a aliança de opositores seria muito perigosa, com a conjugação de manifestações de massa e greves em sectores chave." (p. 33)

"A primeira conclusão é que muitas das medidas tomadas antes do ajustamento podem ser muito eficazes para diminuir os riscos políticos no momento da crise. Ao reduzir as desigualdades de rendimento e as corporações [note-se que Morrisson evita mencionar os sindicatos, preferindo usar o termo "corporações"], aumenta-se a flexibilidade de uma sociedade e as suas capacidades de adaptação às medidas de estabilização. […] todas as análises de casos concretos chegam à mesma conclusão: o melhor meio de minimizar os custos económicos, sociais e políticos do ajustamento consiste em ajustar antes da crise financeira." (p. 37)

Outro aspecto tratado no caderno de Morrisson é o apoio das instituições internacionais e a sua utilização nos equilíbrios de força políticos:

"[como o governo] já não pode, em princípio, fazer concessões a partir do momento em que assumiu compromissos com o FMI, pode responder aos seus opositores dizendo que o acordo assinado com o FMI é imperativo, goste-se ou não." (p. 22)
O manual de governação da OCDE e o caso português

De maneira geral, os governos portugueses têm executado os seus programas de austeridade com sucesso, do ponto de vista da OCDE.

É assim que, por exemplo, durante três anos consecutivos o governo de António Costa consegue não ceder às reivindicações dos profissionais do ensino e da saúde, e ao mesmo tempo agravar a debilitação do ensino e da investigação científica, que já vinha de trás. [6]

O Governo actual não protesta quando os seus aliados à esquerda reivindicam a autoria de medidas como a redução dos cortes aos pensionistas, a reposição do horário de trabalho dos funcionários públicos, o aumento do salário mínimo, a distribuição gratuita de manuais escolares, etc. – pelo contrário, elogia a sua contribuição para a boa governação. O primeiro-ministro António Costa sabe que uma disputa nesse campo anularia o esforço para constituir alianças pacificadoras e poria em risco todas as demais medidas. O ministro das Finanças sabe que, depois da catástrofe social provocada pelo governo de Passos Coelho e pela Troika, não pode parafrasear Hassan II, dizendo "sim à austeridade, não à pauperização"; tem de trocar a palavra "austeridade" por "contenção orçamental", que vai dar no mesmo mas soa muito diferente; pode até ir mais longe no trocadilho e dizer "sim à contenção orçamental, não à austeridade"! 

No entanto, a mestria de que o Governo do PS ao longo de três anos deu mostras teve um tropeço aparente:   no momento em que escrevo estas linhas está em curso uma greve geral da função pública, o que, além de ser uma raridade assinalável na história dos movimentos sociais portugueses, exemplifica um dos erros graves apontados no estudo de Morrisson. Resta saber se estamos perante uma mudança de rumo do governo, se este foi um deslize pontual, ou se estamos na proximidade de nova crise financeira ou de um agravamento do défice da balança de pagamentos, estando este governo a antecipar precauções e medidas de fundo, como aconselha o estudo de Morrisson.

Conclusão

O caderno de política económica da OCDE intitulado "A Viabilidade da Política de Ajustamento", da autoria de Christian Morrisson, ajuda-nos a compreender e desmontar os esquemas de governação neoliberal das últimas duas décadas. À luz das suas recomendações, tudo o que poderia parecer à primeira vista um conjunto desconexo e até contraditório de medidas revela-se afinal um plano bem articulado, escalonado no tempo e no espaço, para reduzir o investimento público, baixar os salários, desmantelar uma grande parte do aparelho social do Estado, trocar a lógica universalista por uma lógica assistencial, reduzir à expressão mínima ou anódina a oposição popular, construir alianças que minizem os custos políticos, desregular a finança e o comércio internacional, … Ajuda também a prever os perigos de estabelecer alianças com um governo cujo programa, na prática, é claramente neoliberal.

Por outro lado, o caderno de Morrisson deve ser lido com a máxima cautela, pois nunca desvenda os pressupostos em que assenta: o projecto neoliberal, a austeridade, a dívida pública e outros mecanismos de apoio às rendas permanentes pagas pelo Estado ao capital privado, o desequilíbrio crescente das políticas fiscais, … É um manual kitsch , na medida em que toda a desgraça resultante da aplicação das medidas propostas é elidida, restando apenas um retrato cor-de-rosa da realidade. 


1. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) reúne 36 países pertencentes do mundo da "democracia representativa". Tem por missão apoiar o negócio privado e ajudar os governos a proteger os interesses do capital privado. Engloba diversos departamentos de estudo e investigação, publicando regularmente relatórios e estudos com âmbito estatístico, sociológico, económico ou político. Emite recomendações para empresários, economistas e governos. Do rigor científico das suas publicações depende em grande parte o bom andamento dos negócios privados, sejam eles locais ou transnacionais, por isso as publicações da OCDE são uma importante fonte de informação, ainda que sejam orientados tendo em vista os interesses do Capital e não das populações em geral. 

2. As versões  em inglês  e  em francês  de "A Viabilidade da Política de Ajustamento" estão disponíveis na Biblioteca digital da OCDE . Guardamos na nossa biblioteca digital uma cópia destes documentos, para o caso de eles virem um dia a desaparecer das páginas públicas do sítio da OCDE.

3. Este artigo foi inspirado e parcialmente decalcado de um artigo de Éric Toussaint sobre o mesmo tema: "Comment appliquer des politiques antipopulaires d'austérité", 17/04/2017. 

4. Os estudos da OCDE concluíram que, por regra, a aplicação de medidas neoliberais e a manutenção da estabilidade política é mais eficaz e segura em regime democrático do que em regime autoritário. 

5. O nome destas instituições financeiras tem variado ao longo dos últimos anos, mas todas elas mantêm em comum o essencial: são fundos de investimento financeiro privado; mas assumem um viso "oficial", por serem perfilhadas ou associadas dos órgãos europeus de poder. Foi este o caso do fundo financeiro que contratou um empréstimo a Portugal em 2011; esse fundo, apesar de estar constituído como sociedade privada com sede no Luxemburgo (como é explicitamente declarado no contrato oficial de endividamento do Estado português), tem sido confundido na comunicação social com uma instituição oficial da União Europeia. 

6. Parto do princípio que o meu leitor está bem informado acerca do curso da governação em Portugal, dispensando-me de alongar este texto com a especificação pormenorizada do rol de medidas neoliberais actualmente em curso. Entretanto, a título de exemplo e ainda a propósito da reforma estrutural do ensino, recordemos que no início deste ano lectivo várias escolas não abriram portas por falta de pessoal ou de meios, deixando as crianças sem aulas e os pais sem saber o que lhes fazer na hora de irem trabalhar. Note-se que esta manobra de desmantelamento é executada em rigorosa conformidade com todos os ensinamentos de Christian Morrisson: uma escola é encerrada por falta de condições, a escola ao lado funciona em moldes normais, impedindo assim a formação de movimentos regionais ou nacionais de pais revoltados (no próximo ano lectivo calhará a vez a outras escolas, até que, paulatinamente, todo o país tenha sido depauperado a nível escolar); os alunos podem requisitar manuais gratuitos e têm agora melhores regras de alimentação nas cantinas escolares, mas... muitos deles não podem ter aulas nem comer na cantina porque a escola não tem condições para abrir. O mesmo sucede no sector da saúde, dos transportes públicos, etc. – a reforma dos serviços é profunda, é nefasta, mas avança de forma escalonada no tempo e no espaço, impedindo a formação de movimentos capazes de abalar a estabilidade do Governo ou do regime.

Fontes e referências:
"A Viabilidade da Política de Ajustamento",  em inglês ou em francês , de Christian Morrisson, ed. Biblioteca digital da OCDE , 1996. 

O presente artigo foi inspirado e em parte decalcado de Éric Toussaint, " Comment appliquer des politiques antipopulaires d'austérité ", 17/04/2017.

O original encontra-se em cadpp.org/manual-ocde-para-governos-neoliberais 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

Em Varsóvia, Israel revela o seu envolvimento militar no Iémene


Conferência Ministerial de Varsóvia sobre Paz e Segurança no Médio-Oriente deu origem apenas a uma coisa importante e não à que havia sido prevista: Israel apareceu com Estados árabes, conversando com eles quando não mantêm relações diplomáticas oficiais.

O Primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, aproveitou o voto da Câmara dos Representantes dos EUA contra a guerra do Iémene para revelar seu envolvimento militar neste país.

Na realidade, esta guerra começou logo desde o primeiro dia com tropas sauditas, emiradenses e israelitas. Os três Estados estabeleceram um Estado-maior comum na Somalilândia, um país não reconhecido mas controlado por Telavive.

Esta guerra foi objecto de vários anos de negociações entre Israel e a Arábia Saudita. Ela tinha por objectivo explorar as reservas petrolíferas do «crescente vazio», a zona a cavalo sobre a Arábia e o Iémene. Ela devia ser prolongada através de um projecto comum no Corno de África.

Para Israel, a revelação do seu envolvimento no Iémene é um passo mais após o das suas intervenções incessantes na Síria. Trata-se de se afirmar como um Estado agindo contra os interesses iranianos. É na realidade uma reescrita da História já que, antes das intervenções israelitas, não havia iranianos, nem na Síria, nem no Iémene.

Para os Estados Unidos, esta revelação é um passo a mais na constituição da aliança judaico-sunita contra os xiitas, anunciada pelo Secretário de Estado, Mike Pompeo.

Umas sessenta delegações estrangeiras assistiram a este show sem reagir. A imprensa ocidental passou esta conferência em silêncio.

Voltaire.net.org | Tradução Alva

A reaproximação de Paris e Berlim


Thierry Meyssan*

É um assunto extremamente sério: sob a aparência de uma união de esforços pela paz, Paris e Berlim aproximam a sua Política externa, e dentro em breve de Defesa. Na realidade, esta evolução faz-se por cima, sem consulta aos povos e destruindo a partir do interior as suas realizações democráticas.

Uma das bases sobre a qual a ONU assenta é que cada Estado e cada Povo são livres, iguais e independentes. É a grande diferença para a Liga das Nações que a precedeu. Essa sempre se recusou a reconhecer a igualdade entre os povos de maneira a deixar perdurar o sistema de colonização.

Cada Estado dispõe de uma voz igual à dos outros. Por conseguinte, não foi possível aos Estados Unidos fazer aderir os seus 50 Estados federados, nem à URSS conseguir a adesão das suas 15 Repúblicas unidas, mas unicamente os dois Estados federais. Teria sido abusivo que os Estados Unidos tivessem 50 votos e a URSS 15 enquanto os outros apenas disporiam de um.

Ora, a França e a Alemanha, que devem assumir a presidência do Conselho de Segurança, respectivamente em Março e Abril, acabam de anunciar que irão exercer em conjunto o seu mandato. Isso parece implicar, mas o que não foi dito, que as duas delegações manterão a mesma posição em todos os tópicos que surgirem. A política externa dos dois Estados já não será livre e independente uma da outra.

Nenhuma organização baseada na igualdade dos seus membros pode sobreviver a este tipo de coligação (coalizão-br).

Esta questão já se colocara, desde 1949 e a criação da OTAN. Os Estados-membros comprometeram-se a responder colectivamente a qualquer agressão contra um dentre eles. Mas, para isso, eles aceitaram uma forma de organização colocada sob a autoridade dos Estados Unidos, o qual exerce sistematicamente as funções importantes, entre as quais as do Comandante Supremo (do Chefe do Estado-Maior).

À época, a União Soviética denunciou a criação de um bloco no qual os Estados -membros já não eram livres e independentes. No entanto, foi o que a mesma URSS fez, em 1968, ao invadir a Checoslováquia, com a desculpa de que os membros do Pacto de Varsóvia não se podiam afastar da doutrina comum do comunismo. Hoje, o totalitarismo soviético já não existe, mas o dos Estados Unidos permanece.

Foi precisamente porque se opunha a que os Exércitos franceses estivessem sob comando norte-americano que o Presidente Charles De Gaulle deixou o comando integrado da OTAN, ao mesmo tempo que continuava no Tratado do Atlântico Norte. Esta sábia decisão foi revogada pelo Presidente Nicolas Sarkozy, o qual reincorporou o comando integrado, em 2009.

A França assegura que o exercício conjunto da presidência do Conselho de Segurança com a Alemanha não significa que os dois países se aprestem a fundir a sua sede na ONU. No entanto, foi a partir do mandato de Nicolas Sarkozy que o Quai d’Orsay e a Wilhelmstrasse (isto é, os dois ministérios dos Negócios Estrangeiros francês e alemão) começaram a reduzir o seu pessoal e a encarregar as suas embaixadas de repartir diversas funções.

Esta aproximação interrompeu-se com os Presidentes François Hollande e Emmanuel Macron em vista de uma aliança militar com o Reino Unido, que havia sido encarada por Jacques Chirac. Mas foi retomada assim que pareceu que Londres iria lançar o Brexit e se preparava para novas alianças.

Uma eventual fusão das políticas externas francesa e alemã coloca vários problemas: em primeiro lugar, ela só é possível se os dois exércitos igualmente se fundirem, caso contrário não seria credível, tal era já a ideia de Alain Juppé em 1995. Neste caso, a Alemanha teria uma posição de co-decisão sobre a "force de frappe"(força nuclear -ndT) francesa. Foi o que imaginou o Bundestag em 2017 e, agora, é a posição de Wolfgang Ischinger, o Director da Conferência sobre Segurança de Munique que se reúne este fim de semana [1]. Foi por isso que Emmanuel Macron evocou um Exército europeu em termos diferentes dos do projecto da Comunidade Europeia de Defesa (1954), de modo que pudesse chegar in fine a uma fusão dos Exércitos franco-alemães. Em segundo lugar, ter a mesma Política externa e de Defesa supõe perseguir os mesmos interesses. É o que Paris e Berlim ensaiam ao colocar conjuntamente tropas, legalmente no Sahel e ilegalmente na Síria.

Longe de criar um novo Estado, a aproximação franco-alemã consagrará a dependência da nova entidade face a Washington: hoje em dia os dois Exércitos são membros do comando integrado da OTAN e aí obedecem ao mesmo Supremo Comandante escolhido pelo Presidente dos Estados Unidos. Tem sido unicamente, aliás, este suserano quem assegurou a paz entre a França e a Alemanha. Assim, ainda não há muito tempo atrás, as Forças Especiais de um e de outro batiam-se secretamente umas contra as outras na ex-Jugoslávia, do lado sérvio para um e do croata pelo outro. O combate só chegou ao fim quando Washington impôs seu ponto de vista.

Ao querer fundir a prazo a Alemanha e a França, os seus dirigentes ignoram as realidades humanas dos seus países. Confundindo a reconciliação dos seus povos, realizada pelos seus predecessores, com a aproximação dos seus interesses e da sua maneira de pensar, pensam criar um novo sistema político, sem se submeterem ao controle democrático. Quanto ao resto, porquê preocupar-se com esses procedimentos se ninguém é realmente soberano?


Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

[1] “Ischinger sieht bei Bundeswehr „krassen Nachholbedarf“”, Michael Backfisch, Neue Ruhr Zeitung, 9 février 2019.

Pequim não está interessada em juntar-se a tratado sobre armas nucleares


Um alto responsável chinês afirmou hoje em Munique que a China não está interessada em juntar-se a uma versão alargada do tratado sobre armas nucleares de médio alcance (INF, na sigla em inglês), que Washington e Moscovo decidiram abandonar.

O alto funcionário chinês Yang Jiechi - que falava na Conferência de Segurança de Munique, um fórum de política externa e defesa, defendeu que o tratado INF (Intermediate-Range Nuclear Forces) devia ser preservado, mas que "a China desenvolve as suas capacidades estritamente de acordo com as suas necessidades defensivas e não representa ameaça para mais ninguém".

"Por isto, nós rejeitamos a multilateralização do INF", concluiu Yang Jiechi.

Os Estados Unidos anunciaram este mês que vão abandonar o tratado INF, de 1987, devido às violações do mesmo pela Rússia. Moscovo seguiu Washington e negou veementemente que tivesse violado o tratado.

A Casa Branca também considerava que o tratado era um obstáculo para os esforços para contar os mísseis de médio alcance da China, que não está abrangida pelo tratado INF.

Hoje, também em Munique, a chanceler alemã, Angela Merkel, lamentou que a Europa não tenha voz num acordo que agora é recusado pelos Estados Unidos e pela Rússia - pelas "violações durante anos" de Moscovo - e que fundamentalmente mantinha a segurança da Europa.

Neste sentido, Merkel instou a China, apesar das suas "reticencias", a juntar-se a um acordo que limite o uso de mísseis de alcance intermédio com capacidade nuclear.

Lusa | em Diário de Notícias

Imagem em China Daily

Portugal | O julgamento que não é da PSP


Fernanda Câncio | Diário de Notícias | opinião

Uma esquadra acusada de deter pessoas ilegalmente, de disparar a eito e sem motivo, de brutalizar e injuriar cidadãos e de mentir nos autos de notícia. E um procurador que faz questão em dizer que não é a PSP que está em julgamento - podia lá ser.

A primeira vez que me interessei pelo tema violência policial foi há mais de 30 anos, quando, estagiária no Expresso, fui parar ao julgamento de um guarda fiscal - corpo policial depois integrado na GNR - que tinha matado, a tiro, um adolescente. Impressionou-me tudo - tinha morrido um miúdo por motivos completamente espúrios, que se prendiam com a incapacidade daquele agente de perceber em que circunstâncias estava autorizado a sequer usar a força, quanto mais letal, com a óbvia falta de noção do seu papel como polícia e o facto de achar que a sua única fonte de autoridade era a da violência, consubstanciada na arma que lhe fora atribuída.

Mais que isso, que já era muito, impressionou-me ver superiores e colegas cerrar fileiras para defender a sua conduta e a forma como o tribunal lidou com o caso. Ali, como em muitos outros processos de homicídio cometido por polícias que depois segui, percebi que os tribunais tendiam não só a assumir como verídicas as versões dos agentes e as suas razões - ou, em caso de ser evidente que mentiam, a não os punir por isso - como a desculpabilizar-lhes os crimes por serem polícias, ao invés de, como a lei prevê, puni-los mais severamente pelo especial dever de os não cometer. E, sempre, frisando que não eram as corporações que estavam em causa nos atos de agentes - mesmo se estas iam a tribunal defendê-los, aos agentes e aos atos, mesmo se tinham na comunicação dos factos em apreço assumido como boas as versões dos envolvidos e até, em vários casos, cozinhado encobrimentos e falsificações.

Gostaria de poder dizer que estas observações deixaram de fazer sentido; não deixaram. E, tal como sucede com o problema do racismo e o discurso institucional sobre ele, a insistência no desvio da discussão para as responsabilidades individuais, para a ideia das "maçãs podres", mantém incólumes a estrutura, a mentalidade e a cultura que promovem quer o racismo quer a violência policial.

Aliás o que me ficou claro de décadas de investigação em casos de violência policial - não raro coincidindo com racismo - é que são as instituições que estão podres e apodrecem as maçãs. E que sim, são a PSP e a GNR que estão em julgamento de cada vez que há um caso de excesso do uso da força, de abuso de autoridade, de desrespeito pelos mais elementares direitos dos cidadãos.

Em poucas situações isso fica tão claro como na da esquadra de Alfragide, por ser evidente não só que aquilo que se passou ali não se poderia ter passado sem a cumplicidade de todos os agentes que estavam presentes como pela forma como a PSP comunicou sobre o assunto, difundindo a tese da invasão da esquadra (que, para não variar, foi acriticamente propagada pelos media).

Dir-me-ão que estou a dar como provadas coisas que ainda o não foram, porque o julgamento ainda não terminou. É certo que ainda não terminou - aliás, mesmo se o procurador Manuel das Dores, que em tribunal representa o Estado (o que quiçá o induz em erro), deixou cair parte da acusação elaborada pelo MP, isso nada implica quanto à deliberação da juíza que preside. Porém, há factos inquestionáveis: houve duas cidadãs habitantes do bairro da Cova da Moura atingidas por balas de borracha; um dos detidos também o foi; todos os detidos foram agredidos na esquadra. E nenhuma justificação aceitável - ou seja legal - há para isso.

Podemos, claro, discutir se é ou não tortura polícias agredirem pessoas detidas e manietadas (o procurador acha que não, mesmo se não discute que houve agressões, e criminosas); se houve ou não insultos racistas (não estávamos lá nem há gravação, pelo que se trata de crer ou não; o procurador crê que houve insultos, mas não motivados por racismo - o que os motivou não aventa); se faz sentido que um grupo de seis negros a dirigirem-se, desarmados, a uma esquadra seja encarado pelos agentes como "uma invasão" e portanto determinando uma resposta violenta - o procurador admite que sim.

Podemos como o procurador considerar que houve excesso de uso da força, detenção ilegal, sequestro e falsificação do auto de notícia no que respeita à atuação dos agentes na rua, onde estavam muitas testemunhas, e que quanto ao que se passou entre as paredes da esquadra aquilo que os agentes dizem já é digno de crédito e quem mente são as vítimas. E podemos, claro, como o procurador, achar que aquelas quase duas dezenas de polícias que se não participaram assistiram aos crimes que o próprio acusa terem existido não representam a PSP, nem dizem nada sobre a cultura de desrespeito pelos direitos dos cidadãos, impunidade e encobrimento da instituição.

Que não só foi um acaso o ocorrido como também que nenhum dos agentes presentes tenha intervindo no sentido de repor a legalidade (é essa a obrigação de um polícia, ou estarei equivocada?) ou feito uma participação superior para que se pusesse cobro aos crimes. Se calhar até podemos admitir - será isso que acha o procurador? - que os agentes nem sabiam que de crimes se tratava, ou que consideram que da sua missão não faz parte impedir ou denunciar crimes desde que sejam colegas a cometê-los.

Custa é a perceber que alguém ache que tudo isto admitir, e portanto permitir, contribui para "manter o prestígio da PSP". Mas espantar não, não espanta.

Portugal | Como seria o país sem SNS?


Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Os ataques que vêm sendo feitos por forças de Direita e por grandes interesses privados ao Projeto de Lei de Bases da Saúde em discussão na Assembleia da República, o cerco montado à ADSE pelo cartel da indústria da saúde, as propostas de Santana Lopes para que se crie um seguro para todos, a que se soma uma hipotética iniciativa legislativa do PSD autorizando a transferência de dados pessoais para as seguradoras, permitem-nos construir uma imagem do que seria a saúde dos portugueses sem SNS e o que isso significaria de retrocesso do país.

Alguns dos inimigos do SNS solidário e digno para todos dizem que as forças de esquerda pretendem instalar o monopólio do Estado na saúde. Isso é falso. Primeiro, a Constituição da República consagra a sua existência, bem como a do setor social. Segundo, como muito bem sabem os grandes investidores nos grupos da saúde, o aumento da longevidade das nossas vidas e a possibilidade de vida mais saudável, alimentarão muito negócio no setor. Não faltará espaço ao setor privado - no seu papel de sistema complementar - para obter lucro.

O risco iminente não é, pois, o de poder haver monopólio do Estado, mas sim o de se estar a instalar o monopólio dos grandes grupos privados, que tem sempre uma particularidade: assenta na privatização dos resultados e no compromisso de o Estado socializar os custos.
Quando foi criada, a ADSE convencionava serviços (ou cobria custos pessoais com saúde) com uma rede de médicos de família profissionais liberais, que operavam cada um por si, numa miríade de consultórios dispersos pelo país. Essa medicina de Joões Semana praticamente já não existe. Hoje, no seu lugar existe um cartel de grupos da indústria de saúde com profissionais assalariados que, contrariamente aos profissionais liberais do passado, tem um enorme poder negocial. São os seus músculos negociais que esse cartel decidiu agora exibir. O objetivo é intimidar o Estado e os beneficiários da ADSE e assim obter condições contratuais leoninas. Neste quadro, é lamentável ouvir-se pessoas da área do PS, nomeadamente o presidente do Conselho de Supervisão da ADSE, criticarem de forma desfocada o processo em curso e reclamarem que o Governo "chegue a acordo custe o que custar". Sugerem assim, sibilinamente, que o Estado e por consequência a ADSE sucumbam às pressões do cartel privado.

O espetáculo dos últimos dias ajuda-nos a ver de que forma um sistema de saúde alternativo ao SNS baseado em seguros, sejam eles públicos ou privados, pode ficar refém de um cartel da indústria da saúde. Quem pudesse pagar teria acesso (inclusive a luxos) e quem não pudesse e fosse subsidiado pelo Estado, definitivamente passaria a ter acesso apenas a mínimos sem qualidade e sem dignidade.

O PSD ("Público" de 13/2) parece pretender propor, também, que as seguradoras tenham acesso a informação pessoal de saúde que hoje lhes está vedada. Isto permitiria às seguradoras instrumentos para maximizar os lucros, discriminando o preço, fazendo as pessoas saudáveis pagar pouco e as doentes pagar muito. E, à boleia, apoderarem-se de outros dados respeitantes a modos de vida e de consumo pessoais que lhes permitissem atribuir a cada pessoa uma classificação ("rating") pessoal discriminatório nos preços.

Precisamos de um SNS que mutualize os riscos de doença e distribua os custos de acesso por todos, sem discriminar. A doença mais tarde ou mais cedo toca a todos e a solidariedade é um valor que coletivamente deve ser assumido e, se necessário, imposto. É preciso um SNS dotado de meios que lhe permitam assegurar, ele próprio, parte do que atualmente é comprado à indústria da doença. A nova Lei de Bases da Saúde, bem como os novos contratos com os privados no que diz respeito à ADSE, tem de trazer capacidades novas para se acabar progressivamente com a pilhagem e o atrofiamento a que o SNS foi sendo sujeito.

Os cidadãos, para usufruírem do direito a acesso à saúde, jamais podem ser considerados consumidores. O SNS tem de ser cada vez mais um serviço com forte componente preventiva, até porque é aí que todos e o Estado podem ganhar muito. E nessa os grupos privados estão muito pouco interessados.

* Investigador e professor universitário

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