sábado, 17 de agosto de 2019

A China tem uma alternativa ao neoliberalismo


Como país constrói uma economia de mercado regulada. Por manter finanças e moeda sob controle público, investe em infraestrutura, reduz rapidamente a pobreza e resiste a crises. O que esta experiência pode ensinar ao resto do mundo

Ellen Brown | Outras Palavras | Tradução: Felipe Calabrez

Quando o banco central dos EUA (o Federal Reserve, Fed) cortou as taxas de juros na semana passada, comentaristas ficaram se perguntando sobre o porquê. Segundo dados oficiais, a economia estava se recuperando, o desemprego estava abaixo de 4% e o crescimento do produto interno bruto estava acima de 3%. Pelo raciocínio do próprio Fed, o que se esperaria era, ao contrário, um aumento das taxas.

Os especialistas de mercado explicaram tratar-se de uma guerra comercial e de uma guerra cambial. Outros bancos centrais estavam cortando suas taxas, e o Fed teve que segui-los para evitar que o dólar ficasse supervalorizado em relação a outras moedas. A teoria é que um dólar mais barato tornará os produtos norteamericanos mais atraentes nos mercados externos, ajudando as bases industriais e a mão-de-obra do país.

No fim de semana, o presidente Trump foi além ds cortes de juros, ameaçando impor, em 1º de setembro, uma tarifa suplementar de 10% sobre produtos chineses no valor de 300 bilhões de dólares. A China respondeu suspendendo as importações de produtos agrícolas dos EUA por empresas estatais e deixando cair o valor do yuan. Na segunda-feira, o índice Dow Jones Industrial Average caiu quase 770 pontos, seu pior dia em 2019. A guerra prosseguia.

Professores protestam em Hong Kong em solidariedade aos jovens manifestantes


Hong Kong, China, 17 ago 2019 (Lusa) -- Milhares de professores vestidos de preto, a assinatura do movimento pró-democracia, estão a participar hoje em Hong Kong numa marcha pacífica em solidariedade aos jovens manifestantes.

Organizada pelo Sindicato de Professores Profissionais de Hong Kong, os manifestantes deverão marchar até à residência da chefe do executivo, Carrie Lam.

Segundo a agência noticiosa AP e o jornal South China Morning Post, muitos dos professores transportam cartazes com uma mensagem em comum: "Protejam a próxima geração".

De acordo com o sindicato, os professores que se manifestam hoje concordam com as cinco reivindicações dos manifestantes: retirada definitiva da lei da extradição, a libertação dos manifestantes detidos, que as ações dos protestos não sejam identificadas como motins, um inquérito independente à violência policial e a demissão da chefe do Executivo, Carrie Lam.

Para domingo está programada uma grande manifestação que a polícia autorizou, mas proibiu a marcha de protesto, disse na sexta-feira à agência Lusa a porta-voz de um dos movimentos que organiza a iniciativa.

"Mafiosos e inação policial" podem justificar a Pequim para Exército entrar em Hong Kong


Hong Kong, China, 16 ago 2019 (Lusa) -- A porta-voz do movimento que tem liderado protestos maciços em Hong Kong disse hoje à agência Lusa recear que Pequim possa justificar a entrada do Exército chinês no território com a "ajuda de mafiosos e a inação da polícia".

A vice-coordenadora da Frente Cívica de Direitos Humanos (FCDH), Bonnie Leung, lembrou que "existem leis que determinam quando o Exército Popular de Libertação chinês deve ser mobilizado", sob o princípio "um país, dois sistemas", mas que tal só pode acontecer a pedido do Governo de Hong Kong, se este alegar que não consegue controlar a situação.

A ativista defendeu, por um lado, que "os manifestantes não deram desculpas para o Governo de Hong Kong ou de Pequim usarem esta medida".

"Contudo, receio que posam criar essas desculpas", alertou, recordando os ataques a manifestantes ocorridos a 21 de julho, supostamente cometidos por elementos das tríades, após os quais a polícia foi acusada de inação.

"Tememos que, com a ajuda de mafiosos e a inação da polícia, possam arranjar desculpas para mobilizar o Exército", frisou.

Presidente indonésio propõe mudança da capital do país para o Bornéu Oriental


Jacarta, 16 ago 2019 (Lusa) -- O presidente indonésio, Joko Widodo, propôs hoje formalmente a mudança da capital do arquipélago de Jacarta para o Bornéu devido à elevada taxa demográfica e a problemas relacionados com o afundamento dos solos.

O chefe de Estado pediu apoio aos deputados sobre o assunto, durante um discurso que decorreu no Parlamento no âmbito das celebrações do 74.º aniversário da independência que se assinala no sábado.

Widodo pediu "apoio formal" aos deputados "para mudar a capital nacional (Jacarta) para Kalimantan", o nome indonésio da ilha que o país comparte com a Malásia e o reino do Bornéu.

"A capital não é apenas um símbolo de identidade nacional, mas é também a representação do progresso da nação", disse o chefe de Estado durante o discurso que foi transmitido pela televisão sublinhando que a decisão pode ajudar também a alcançar objetivos de "igualdade económica".

Widodo não especificou o local exato na ilha do Bornéu para onde pretende mudar a capital da República da Indonésia nem adiantou uma data para iniciar o processo apesar de o governo já ter defendido anteriormente que a primeira fase da mudança deve começar em 2024.

Em maio, o presidente visitou a parte indonésia da ilha e várias cidades candidatas a acolher a nova capital, entre as quais a zona conhecida como Bukit Soeharto, situada a 40 quilómetros da capital provincial do Bornéu Oriental, Balikpapan.

PR timorense diz que emendas a leis petrolíferas não protegem fundo petrolífero


Díli, 16 ago 2019 (Lusa) -- O Presidente da República timorense considera que as alterações às leis do fundo petrolífero e das atividades petrolíferas são inconstitucionais porque não protegem o fundo e não cumprem adequadamente os preceitos orçamentais.

A opinião de Francisco Guterres Lu-Olo está vertida nos documentos que enviou ao Tribunal de Recurso em que pede a fiscalização preventiva da constitucionalidade de duas propostas aprovadas no Parlamento e que mexem nessas leis.

O presidente do Tribunal de Recurso, Deolindo dos Santos, notificou hoje o Parlamento Nacional sobre o pedido de fiscalização preventiva remetido, na quinta-feira, pelo Presidente da República à mais alta instância de justiça do país.

O Parlamento Nacional tem cinco dias para se pronunciar sobre os requerimentos de Francisco Guterres Lu-Olo, que dá ao tribunal "20 dias" para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade das emendas, segundo as notificações a que a Lusa teve acesso.

Na mesa do Presidente timorense estão ainda os elementos essenciais ao tratado em si, que já foi ratificado no parlamento, mas que exige um conjunto de alterações legislativas para adaptar leis existentes à nova realidade no Mar de Timor.

Esse pacote inclui as necessárias alterações às leis tributária e laboral do país -- para as adaptar às especificidades dos trabalhos nas plataformas que agora estão exclusivamente em águas timorenses -- e vários decretos relacionados com os contratos de exploração em vigor.

MNE timorense vai reunir-se com Presidente para analisar lista de novos embaixadores


Díli, 16 ago 2019 (Lusa) -- O ministro dos Negócios Estrangeiros timorense disse hoje que se vai reunir na próxima semana com o Presidente da República para analisar a lista de mais de uma dezena de novos embaixadores de Timor-Leste em vários países, incluindo Portugal.

"O senhor primeiro-ministro pediu-me para marcar uma audiência com a Presidência, na próxima semana, para analisar esta questão com o Presidente da República e ouvir a sua opinião sobre os nomes", afirmou.

"Depois levarei essa questão ao Governo para que tome a decisão", referiu.

Insistindo que "não há desacordo" sobre os nomes, Babo disse que o Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo, "pediu apenas mais informações" sobre as nomeações.

"A lista depende do Governo, mas o senhor Presidente tem a última palavra", disse, explicando que depois da lista de nomes ser aceite pelo chefe de Estado, são pedidos os 'agrément' aos respetivos países.

As contradições de Christine Lagarde


Alejandro Nadal [*]

O clima da economia mundial é inquietante. As tormentas são sempre precedidas por um período de calmaria e nuvens negras vislumbram-se no horizonte. O mais grave é que não se percebe um novo motor que permita reactivar a economia mundial. A guerra é uma realidade, o investimento na economia real continua letárgico e a ameaça de uma nova recessão continua em vigor.

Neste contexto, o que significa a passagem de Christine Lagarde do Fundo Monetário Internacional (FM) para o Banco Central Europeu (BCE)? Para apreciar esta pergunta é importante observar as contradições de Lagarde frente às políticas de austeridade que o FMI tanto promoveu no passado.

Durante décadas o FMI aplicou uma desapiedada política de austeridade orçamental nos países subdesenvolvidos. O objectivo foi sempre gerar um superávite primário nas finanças públicas para assegurar o pagamento da dívida externa, ainda que isso significasse condenar economias inteiras ao estancamento, ao desemprego e à pobreza. Em países como o México os programas centrados na redução da pobreza foram o paliativo, outra fórmula preferida do FMI. Os resultados estão à vista: desigualdade desenfreada e pobreza para 60 por cento da população. 

Brasil | Congresso quer ser (ainda mais) reacionário e misógino


Escândalo: partidos de direita agem para revogar as mínimas cotas que favorecem candidaturas femininas. Brasil torna-se caso raro de atraso na América Latina: México, Argentina e Bolívia têm ou terão, em 2020, 50% de mulheres no Legislativo

Beatriz Pedreira  no Nexo Jornal | em Outras Palavras

Na contramão do movimento internacional que tem ampliado a participação de mulheres na política, surgem e começam a avançar com celeridade no Congresso Nacional propostas que buscam diminuir a representação obrigatória de mulheres em eleições e livrar de punições os partidos que não cumprirem a cota mínima. E os interessados têm pressa, pois no foco estão as eleições municipais de 2020. Para valer no próximo ano, quando serão escolhidos novos vereadores em mais de 5.000 cidades, as mudanças precisam ser aprovadas até o início de outubro, já que alterações nas regras eleitorais precisam ser feitas até um ano antes da votação.

É absurdo que líderes de partidos na Câmara coloquem propostas como essas em pauta, principalmente depois das eleições em que a maior bancada feminina da história chegou ao Congresso, fruto justamente de ações afirmativas que garantiram essa ampliação.

Desde 1997, a lei eleitoral exige que os partidos e coligações indiquem 30% de mulheres na lista de candidatos a cargos legislativos. Entretanto, na prática, as candidaturas femininas só se fortaleceram nas eleições de 2018, quando uma nova regra destinou uma reserva do fundo partidário para mulheres, o que proporcionou mais recursos e estrutura a essas campanhas, mas também resultou em graves denúncias de esquemas de candidaturas laranjas. Não à toa, os partidos que propõem as mudanças são os mesmos investigados pela Operação Sufrágio Ostentação, da Polícia Federal, que apura o uso de mulheres como laranjas na disputa eleitoral do ano passado.

Brasil | “Eu quero sair daqui com 100% de inocência”, diz Lula a Bob Fernandes


"Moro tem que se explicar e não tem mais toga. Se ele se escondeu atrás da toga, ele não tem mais toga", disse o ex-presidente Lula em entrevista

“Eu quero sair daqui com 100% de inocência”, disse o ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, ao jornalista Bob Fernandes, em entrevista concedida na ultima quarta-feira (14) e transmitida ao vivo hoje pela TVE Bahia. Sobre o atual governo de Jair Bolsonaro, Lula disse que “o papel do ministro Paulo Guedes é destruir a economia brasileira”.

É a primeira entrevista de Lula a uma televisão pública, desde que passou a cumprir pena em abril de 2018, completando já 500 dias encarcerado. Na entrevista, Lula disse que “a Suprema Corte poderia fazer uma correção no processo” que o condenou, após o The Intercept Brasil ter revelado as mensagens entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Lula criticou duramente o coordenador da força-tarefa de Curitiba, o chamando de “narcisista” e disse que “desde o dia que ele deu uma coletiva dizendo que não tinha provas contra mim, mas apenas convicções, o Conselho Nacional do Ministério Público” deveria ter afastado Dallagnol.

O ex-presidente também ressaltou o poder de influência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos na Lava Jato: “Tudo que está acontecendo tem o dedo dos Estados Unidos, que manda mais no Sergio Moro do que a mulher dele”. Sobre isso, o GGN está preparando um especial e conta com a sua colaboração. SAIBA MAIS AQUI!

Ao mencionar a diferença de tratamento dada a ele em comparação a todos os outros investigados da Operação Lava Jato, Lula citou o exemplo de Eduardo Cunha:

“Você acha normal uma PF que vai na minha casa, na casa dos meus netos e pega o tablet de um moleque de 4 anos, e ficaram 1 ano com o tablet aqui preso, e não tiveram coragem de pegar o telefone do Eduardo Cunha, porque o Moro falou ‘não, não pega o telefone’. Ora, o que tinha no telefone de Cunha que o Moro não queria que ninguém soubesse? Por que eles não aceitaram uma delação do Eduardo Cunha? Tudo isso o sr. Moro tem que explicar e não tem mais toga. Se ele se escondeu atrás da toga, ele não tem mais toga.”

Com Bolsonaro, Brasil se torna o cocó do mundo


Até quando se permitirá isso?

Até quando se permitirão os desmandos de Bolsonaro? Suas atitudes estão desmoralizando o Brasil internacionalmente, tornando-nos – a todos nós – objeto de chacota.

A charge acima mostra Bolsonaro fazendo cocó na bandeira brasileira. Não apenas nela, sobre a cúpula do Supremo, sobre o Ministério Público, sobre as Forças Armadas, sobre o Congresso.

Até quando se permitirá isso?

Portugal | O discurso de um achista


Jorge Rocha* | opinião

No cartoon de hoje no «Público» Luís Afonso pôs o cliente do bar a considerar que a oposição interna do PSD estava a criticar a ausência total de Rui Rio durante o atual período político, ao que o barman contestou argumentando que se ele viesse a terreiro talvez fosse pior.

A realidade veio-lhe dar razão esta tarde com Rio a pronunciar muitos «achos», inseridos profusamente no seu discurso. Ora sabemos que o uso do «acho» revela uma notória insegurança em quem a ele recorre enquanto forma de justificar a subjetiva opinião, dissociada da objetividade dos factos. O «acho» equivale  a quem, perante um interlocutor, que sente em situação de superioridade, enfrenta-o com os braços cruzados como se esperasse agressão e visse nessa postura a melhor forma de conter os golpes.

Se David Justino conseguira ser patético, Rui Rio decidiu imitá-lo reconhecendo que, acaso fosse primeiro-ministro, também teria declarado a crise energética e a requisição civil. Ou quando declarou a ignorância pelas condições de trabalho dos motoristas de acordo com o que leu nos jornais, como se os considerasse a fonte exclusiva de informação para poder emitir os seus «achos». Um líder com alguma seriedade cuidaria de informar-se mais consistentemente antes de fiar-se em argumentações apenas emitidas por quem protagonizava um dos lados  e em quem abundaram mentiras e mistificações.

No final de tanto atabalhoamento Rio fez esquecer ao que vinha: repetir mil vezes que a culpa da greve fora dos socialistas, na ingénua crença de se ver acreditado por um eleitorado, que o despreza. É que não há quem não saiba tratar-se de um conflito entre privados e ao qual o governo só teve de moderar, garantindo a relativa normalidade da vida dos portugueses por ele inquietados.

Portugal | Carlos Costa trauteia: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”?


A notícia do Expresso em 16.08 aborda a talvez injustiça de um talvez competente governador do BP que laboriosamente tem contribuído para as baldas e outras prestidigitações em valores que mesmo os portugueses que vivam até quase aos cem anos, com mais de 70 anos de trabalho/exploração, a trabalhar no duro, conseguiriam chegar a somar uma ínfima parte de tais valores astronómicos que passam no crivo esburacado do banco pomposamente governado por Carlos Costa. Valores que amiúde e costumeira instância são pagos por todos os portugueses, que até sabem e sentem que dessas quantias astronómicas “foi um ar que lhes deu”, algo que “desaparece” do mesmo modo que pérolas atiradas a porcos, sem retorno.

No Aventar a abordagem à notícia referida no Expresso, João Mendes tece a propósito umas linhas de prosa curta e escorreita, que aqui trazemos ao PG. Quanto a Carlos do BP, ali de pedra e cal, sem vergonha e com muita honra, todos os meses mama quase 17 mil euros do seu “precioso” contributo a favor dos cambalachos e mal parados a toda a velocidade. Tão rápido, que passa sem no BP verem… “as falcatruas” – como é dito na populaça.

A seguir o título no Expresso e a notícia (de vómitos) com a respetiva ligação. Depois a prosa no Aventar, que muito gostaríamos que coubesse nos cérebros adormecidos de milhões de portugueses pela factualidade e pela inteligente ironia, que diz tanto. E onde “estamos metidos”. E com quem “estamos metidos” no compromisso de sustentá-los e a ouvi-los trautear o “daqui não saio, daqui ninguém me tira”.

Provavelmente, não por acaso, a ser verdade, numa noite de Janeiras já lhe cantaram, talvez por resposta, “a mim não me enganas tu, a mim não me enganas tu…”.

Redação PG

Carlos Costa está a receber acima das suas possibilidades, não está?

João Mendes  | Aventar | opinião


O BES, o banco mau e o banco bom que daí resultaram, o Banif, o periclitante Montepio, os sucessivos buracos e empréstimos estratosféricos concedidos pela CGD aos Berardos desta vida, não raras vezes sem contrapartidas. Carlos Costa está há quase 10 anos à frente do Banco de Portugal, que supostamente deveria regular o sistema bancário, e as tragédias sucedem-se. É caso para dizer que poderá estar a receber acima das suas possibilidades. E das possibilidades do país.

Chamem-lhe populismo, mas não é nada fácil justificar os 16,9 mil euros mensais que este senhor aufere. Até porque a regulação bancária, como se tem visto, é anedota nacional. E o papel do Banco de Portugal, em particular no caso BES, foi absolutamente irresponsável, a roçar o criminoso. Depois admirem-se que o discurso dos venturas pega. Ninguém, pelo menos no mundo real e face às circunstâncias conhecidas, compreende um salário destes.
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P.S: A imprensa nacional destaca o facto de Carlos Costa não ter sido aumentado, depois de três anos consecutivos de aumentos salariais. Eu, no lugar dele, entrava em greve por melhores condições laborais.

Portugal | Cinco notas sobre a greve dos motoristas


José Soeiro | Expresso | opinião

1. Uma das distorções das nossas representações sobre o que nos rodeia assenta na invisibilidade de grande parte do trabalho humano, seja na esfera da produção mercantil, seja na esfera doméstica. Quando vemos as ruas limpas – ou as escolas limpas, os hospitais o comboio ou a agência bancária – quantas vezes pensamos nos lixeiros e nos varredores que as limparam durante a noite, quantas vezes vemos, quando entramos nesses lugares, o trabalho já feito das mulheres que, para os limpar, ganham uma miséria? Quando pisamos um passeio, conseguimos ver debaixo dos nossos pés o trabalho de quem cortou a pedra e o de quem a colocou ali? Quando escolhemos os alimentos na prateleira do supermercado, conseguimos ver o trabalho, tão desconsiderado, de quem os produziu e transportou? Os exemplos são incontáveis. Há demasiados trabalhos em que só reparamos quando estão por fazer, cujo valor só consideramos quando nos confrontamos com as consequências de não terem sido feitos.

O primeiro mérito de uma greve – e desta greve dos motoristas de matérias perigosas também – é este. Obrigar-nos a apercebermo-nos da importância de um trabalho de que ninguém falava, mas que é afinal tão essencial para que a sociedade funcione. Sem greve, quem teria essa consciência, além dos próprios? Ao longo dos anos, sem greves, alguém falou da centralidade deste trabalho e das condições penosas em que é feito?

2. O objetivo de uma greve é sempre perturbar o normal funcionamento do quotidiano da produção e da circulação mercantil. Mostrar que, se os trabalhadores pararem, o mundo pára. Não há verdadeiro exercício do direito à greve se ela não se fizer sentir, em primeiro lugar, nos bolsos dos patrões que precisam do trabalho para o seu negócio e para obterem os seus lucros; e também, secundariamente, no funcionamento da sociedade, que toma com a greve a consciência da falta que aquele trabalho faz. Isto nunca quis dizer, evidentemente, que o exercício do direito à greve seja absoluto. Toda a gente concorda que, mesmo havendo uma greve, as ambulâncias têm de continuar a ser abastecidas e a comida tem de continuar a chegar aos supermercados, por exemplo. Por isso, toda a gente concorda e a lei prevê que, em cada greve, se deve definir serviços mínimos capazes de garantir que a greve se compatibiliza com outros princípios fundamentais da nossa vida coletiva. Nisso, não há polémica: os serviços mínimos existem desde que a Constituição consagrou o próprio direito à greve. Se não há acordo entre patrões e trabalhadores na sua previsão, intervém o Estado, cabendo ao Governo defini-los. Mas também é óbvio que se a definição de serviços mínimos é de tal modo maximalista que torna potencialmente nulos os efeitos de uma greve, isso é uma forma objetiva de esvaziar esse direito. Fez bem o Governo em fixar serviços mínimos nesta greve dos motoristas – e é compreensível que, em alguns casos especiais, eles sejam muito exigentes (exemplo óbvio: para emergências na saúde ou no combate aos fogos...). Mas fez muito mal em abusar dessa prorrogativa para fixar verdadeiros “serviços máximos” em áreas que não são, objetivamente, “necessidades sociais impreteríveis”, que é o termo da lei (desde quando é que, por um exemplo, um vôo comercial Porto-Lisboa pode alguma vez caber no conceito de “necessidade social impreterível”?). Têm inteira razão os sindicatos e os partidos de esquerda que acusaram o Governo de ter aproveitado – com o aplauso e o entusiasmo dos patrões e da Direita – a má condução desta greve para fazer um ataque não apenas aos motoristas, mas ao próprio direito à greve e a todas as futuras lutas em que o problema se coloque. Se se aceita o princípio de que pode haver “serviços mínimos” para todas as situações com percentagens de 75% a 100%, o que restará no futuro do impacto de uma greve, por exemplo, dos estivadores, dos motoristas dos transportes públicos ou das trabalhadoras da limpeza? Há linhas que não devem e não podem ser transpostas. E o Governo quis transpô-las.

3. As greves fazem-se para conquistar melhores condições de trabalho, ou para que um determinado trabalho seja reconhecido. Na disputa de uma greve conta a capacidade de dar corpo a dois princípios fundamentais do movimento sindical: a unidade e a solidariedade. Também por isso, uma greve disputa a relação de forças na própria sociedade. Uma greve de um setor particular é tanto mais forte quanto consegue ganhar apoio em toda a classe (por exemplo, em todos os motoristas e não apenas num subsector) e na maioria da sociedade, que é composta por quem vive do seu trabalho (e que é por isso potencialmente sensível à injustiça da situação e à justiça da reivindicação). Uma greve que se deixa deliberadamente isolar é uma greve condenada a perder, a menos que quem a conduz queira ganhar outra coisa que não direitos para quem trabalha. Já uma greve que tem a solidariedade dos outros trabalhadores tem uma força imparável na sociedade. Para vencer, uma greve – que é um sacrifício do presente e do salário, em nome do salário e do futuro – tem de olhar para além do seu umbigo, tem de dialogar com a sociedade e procurar apoios e solidariedade. Não faltam exemplos recentes de greves que o fizeram com enorme sensibilidade e sucesso. Querem um? Os estivadores.

4. A luta dos motoristas de matérias perigosas tinha boas condições para ter o apoio da sociedade. As condições de exploração impostas pelos patrões são uma vergonha. Horários prolongados até ao limite não prejudicam apenas quem os faz, mas a segurança de todos nós. Pagamentos feitos fora do salário prejudicam os trabalhadores, mas também toda a sociedade, porque são formas de os patrões contornarem as suas obrigações contributivas com a Segurança Social e o pagamento de impostos, perpetuando salários-base muito baixos. A lei da selva que parece imperar neste setor é muito mais que um embaraço público: é a expressão da prolongada ineficácia e complacência do Governo e das autoridades inspetivas para com práticas empresariais que são inaceitáveis – e que, no entanto, parecem ter sido aceites ao longo de décadas.

Há por isso reivindicações inquestionavelmente justas que têm sido prejudicadas pela forma como todo o processo foi conduzido. O Governo geriu esta greve a pensar na demonstração exuberante da autoridade do Estado e na maioria absoluta que pode resultar da sedução do eleitorado conservador. E o porta-voz sindical geriu-a a pensar essencialmente na publicidade oportunista ao seu escritório de advogados e na sua eleição para o Parlamento. As vítimas foram os motoristas.

5. Voltar às negociações e conseguir um acordo capaz de satisfazer os trabalhadores é o único caminho razoável e ainda bem que ele parece ter-se agora imposto. Mas greve e negociação não são antíteses, como sugere o Governo e gritam os patrões. São elementos do mesmo processo. Em relações de força desiguais, como aquela em que decorre qualquer negociação de um contrato coletivo de trabalho, a arma da greve não é um objeto externo às negociações. É um dos instrumentos mais importantes para equilibrar essas negociações para o lado dos trabalhadores. Uma greve ilimitada e que não abre caminhos negociais é uma greve que já fracassou, porque o único caminho que propõe aos trabalhadores é a derrota. Mas uma negociação que não faça valer a disponibilidade de luta dos trabalhadores também está condenada a ter um fraco resultado, porque é sempre a vontade dos patrões que vinga.

Compreendem-se pois os apelos a que se retomem as negociações. Já não é aceitável que eles só valham para uma das partes, e que poupem precisamente as associações patronais que dizem que, enquanto uma luta decorre, não negoceiam. Quando o Governo canaliza a sua pressão apenas para uma das partes, torna-se não um mediador em busca de equilíbrio, mas um mero eco das posições patronais.

O que quero dizer é isto: haver um memorando para um acordo entre alguns sindicatos e a parte patronal é um bom sinal, que deve ser aproveitado de imediato por todos os sindicatos. Ao mesmo tempo, que ninguém esqueça ou omita que este acordo agora anunciado não existiria sem que tivesse havido uma greve com a força que ela teve entre os motoristas de matérias perigosas. Ou seja, este acordo é, por mais que isto possa parecer paradoxal, produto desta greve. O que é matéria de reflexão para todos, para o conjunto do movimento sindical e é um fator que justifica, desde logo, que os ganhos que ele possa conter se alarguem a todos os trabalhadores.

Portugal | Não há acordo, greve dos camionistas MP está para durar


Proposta do sindicato é incomportável e discriminatória, diz a Antram

André Matias de Almeida, porta-voz das empresas de transportes, disse que a Antram espera agora que no plenário que o SNMMP vai realizar no domingo “haja uma sensibilização dos associados [do sindicato] e que possam compreender que as empresas estão no seu limite”.

A Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (Antram) considerou hoje que a proposta que o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) apresentou ao Governo é “incomportável para as empresas” e discriminatória para os associados dos outros sindicatos do setor.

“O aumento que o sindicato quer, além de incomportável, é discriminatório face aos colegas associados da Fectrans e do SIMM [Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias]”, afirmou à agência Lusa o porta-voz da Antram.

André Matias de Almeida disse que a Antram espera agora que no plenário que o SNMMP vai realizar no domingo, em Aveiras de Cima (Lisboa), “haja uma sensibilização dos associados [do sindicato] e que possam compreender que as empresas estão no seu limite”.

O porta-voz do SNMMP, Pedro Pardal Henriques, anunciou hoje de madrugada que a greve se vai manter, porque a Antram rejeitou uma proposta negociada ao longo de 10 horas com o ministro das Infraestruturas.

“Trabalhámos em conjunto com o senhor ministro uma proposta que seria razoável para desbloquear a situação. A Antram rejeitou a proposta e a greve mantém-se”, afirmou à agência Lusa Pedro Pardal Henriques.

André Matias de Almeida adiantou que a Antram apresentou ao Governo a sua proposta depois de o SNMMP ter suspendido os efeitos da greve.

A proposta “é consonante com aquela que foi apresentada e assinada com a Fectrans [Federação os Sindicatos de Transportes e Comunicações] e o SIMM, e essa foi proposta foi recusada pelo SNMMP que apresentou uma contraproposta”, explicou.

“No acordo com o SIMM e a Fectrans, a Antram foi além dos protocolos assinados em 17 de maio, subindo, por exemplo, o valor da cláusula 61.ª, de isenção de horário de trabalho, que tem o valor mínimo de 343 euros, do trabalho noturno, ajudas de custo, subsídio de cargas e descargas, e diuturnidades”, exemplificou.

André Matias de Almeida insistiu que estas matérias já representam “um esforço grande para as empresas”.

O porta-voz da Antram, associação que representa cerca de 2.000 empresas, adiantou que o acordo alcançado em 17 de maio inclui um “subsídio de operações (subsídio de risco para manuseamento de matérias perigosas), para entrar em vigor em 2020, para os trabalhadores de matérias perigosas”.

“A proposta do SNMMP era de aumentar esse subsídio de operações 40% acima do protocolado em maio, no valor de 125 euros”, referiu.

Segundo o responsável da associação patronal, “na prática, os empregadores fizeram o esforço para irem mais além, mas na rubrica que é nova, o SNMMP quer mais 40%”.

André Matias de Almeida esclareceu que a Antram espera que “o sindicato possa perceber que as empresas não conseguem” um maior esforço, pois “vão para o terceiro ano em decrescimento de resultados”.

Acrescentou que ao sexto dia de greve, que começou na segunda-feira por tempo indeterminado, “não há ninguém bem na fotografia e enquanto não se chegar a um entendimento só há vencidos”.

Expresso | Lusa

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