quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Donald Trump, só contra todos


Thierry Meyssan*

Só, contra a sua própria oposição, contra a sua Administração e contra os seus aliados, o Presidente Trump não parece à altura de conseguir fazer aplicar os seus compromissos de campanha. Três anos após a sua eleição, a Câmara dos Representantes lançou contra ele um processo de destituição porque ele luta contra a corrupção dos seus adversários

O principal compromisso de campanha de Donald Trump, de por fim à estratégia militar ofensiva Rumsfeld/Cebrowski e de a substituir por uma política de cooperação jacksoniana, choca com uma poderosa oposição interna nos EUA e externa dos aliados dos Estados Unidos. Mais do que nunca, o Presidente aparece sozinho, absolutamente só, face à classe política transatlântica.

Tudo jogado antecipadamente

Como para o seu predecessor, Barack Obama, tudo parece decidido antecipadamente.
Desde a sua eleição, em 2009, Obama foi saudado como «o primeiro presidente negro dos Estados Unidos», depois mostrou-se incapaz de resolver os problemas desta comunidade, deixando a violência policial a seu respeito atingir máximos. Logo nos primeiros dias do seu mandato, o Comité Nobel atribuía-lhe o Prémio Nobel da Paz saudando os seus esforços «por um mundo sem armas nucleares»; um assunto que ele deixou imediatamente de abordar. Muito embora o seu balanço seja o exacto oposto das suas promessas de campanha, não deixou, por isso, de ser menos popular no mundo. Pouco importando a deslocalização de empregos para a China, a continuação de Guantanamo, os milhares de assassínios selectivos, e a destruição da Líbia.


Pelo contrário, desde a sua eleição, e antes mesmo da transmissão de Poder em 2017, Donald Trump era apresentado como um narcísico maníaco-depressivo, uma personalidade fraca e autoritária, um cripto-fascista. Desde o seu acesso à Casa Branca, a imprensa apelou para o seu assassinio físico e o Partido Democrata acusou-o de ser um espião russo. Conseguiu que uma investigação contra ele e a sua equipa fosse aberta na perspectiva da sua destituição. O seu principal Conselheiro, o General Michael Flynn, foi forçado a demitir 24 horas após a sua nomeação, depois detido. Quando Donald Trump perdeu as eleições intercalares para a Câmara dos Representantes (Novembro de 2018), foi logo forçado a negociar com alguns dos seus opositores. Chegou a um acordo com o Pentágono, autorizando certas acções militares desde que elas não envolvessem o país numa espiral, e obteve em troca o encerramento do inquérito russo. Durante oito meses, ele tentou a todo o vapor por termo à destruição do Médio-Oriente Alargado e aos preparativos para a destruição da Bacia das Caraíbas. Esperava poder anunciar a concretização da paz na tribuna da Assembleia Geral das Nações Unidas. Zás! Neste exacto dia, a USIP (alter ego da NED, mas para o Departamento da Defesa), apresentava o seu relatório sobre a Síria aconselhando o relançar da guerra. E, ainda no mesmo dia, a Presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, anunciava a abertura de um processo de impeachment (destituição-ndT) contra ele, desta vez a propósito da sua luta, com as autoridades ucranianas, contra corrupção do clã Clinton.

É, pois, pouco provável que Donald Trump consiga realizar o seu programa antes do fim do seu mandato quando a campanha eleitoral, para a sua eventual reeleição, se inicia. Entretanto, os seus partidários ressaltam que ele nunca é tão bom como quando é acusado.

Raros foram os média (mídia-br) a explicar o Jacksonianismo. Claro, uma ideologia que já ninguém defendia desde a Guerra da Secessão. Quase todos pretenderam durante dois anos que Donald Trump era incoerente e imprevisível, antes de admitir que ele agia segundo uma visão do mundo bem determinada.

Seja como for, ele já conseguiu repatriar muitos dos empregos deslocalizados e a pôr fim ao apoio maciço dos Departamentos de Estado e da Defesa aos exércitos jiadistas, do qual restam, no entanto, alguns programas em curso.

Pouco importa o que Barack Obama e Donald Trump realizaram enquanto presidentes, o apenas será lembrada a maneira como os média os apresentaram quanto ao dia da sua tomada de posse.

Ainda é possível resgatar a internet?


Da anarquia à ditadura: corporações aproveitaram-se do “espírito livre” da rede para exercer seu poder econômico e impor “capitalismo de vigilância” e manipulação política. Diante do inferno, surge a ideia de regras democráticas

Ensaio de Paul Starr | Outras Palavras

Em apenas duas décadas, as tecnologias digitais e a internet passaram do sonho excitante de uma nova era revolucionária à encarnação do medo de um mundo que deu muito errado. A revolução digital agora ameaça minar valores que deveria ter feito avançar – liberdade pessoal, democracia, conhecimento confiável e mesmo livre competição. A tecnologia não fez isso para nós sozinha, nem que tropeçamos distraidamente em um universo distópico alternativo. O regime tecnológico atual surgiu de escolhas perigosas, por ignorar lições do passado e permitir que o poder privado agisse sem regulamentação.

Esses problemas — monopólio, vigilância e desinformação — resumem o que deu errado e o que precisamos enfrentar, rever e corrigir se quisermos ter alguma esperança de recuperação da promessa das novas tecnologias.

O crescimento explosivo da economia digital nos anos 1990 e início dos anos 2000 parecia validar a ideia de que era melhor deixar os mercados por sua própria conta. A internet dessa era foi o maior triunfo do neoliberalismo. Depois que o governo norte-americano financiou avanços chave, e em seguida abriu a rede para o desenvolvimento comercial, a inovação digital e o empreendedorismo criaram novos meios online de trocas, novas riquezas e novas comunidades. Mas essa economia digital agora parece completamente diferente, com o crescimento das plataformas monopolizadoras. Amazon, Facebook, Google, Apple e Microsoft controlam ecossistemas inteiros do mundo digital, dominando os principais pontos de convergência de comércio e notícias.

Assim como a internet dos primórdios alimentou a ilusão de que era inerentemente apoiadora da competição, também espalhou a ilusão de que era intrinsecamente protetora da autonomia pessoal. Afinal, ninguém obrigava você a revelar sua verdadeira identidade online. Contudo, o mundo digital de hoje fez com que fosse possível o sistema de vigilância mais abrangente que já existiu. Aparelhos em rede rastreiam cada movimento e comunicação que fazemos. Uma nova forma de empreendimento emergiu do que Shoshana Zuboff chama de “capitalismo da vigilância”, ao passo que o Google, Facebook e outras empresas varrem dados sobre nossas vidas, preferências, personalidades e emoções “para práticas comerciais ocultas de extração, predição e vendas”.

A realidade acabou sendo menos graciosa. A economia digital destruiu o modelo de negócios tradicional do jornalismo, e resultou em um declínio dramático dos jornais profissionais. E como Google e Facebook dominam a publicidade digital, não surgiu nenhum outro modelo alternativo capaz de financiar as mesmas capacidades de comunicação, particularmente a níveis regional e local. Enquanto isso, plataformas de redes sociais substituíram os velhos detentores da mídia de massa, moldando a exposição do público às notícias e ao debate a partir de seus algoritmos. Agora, esses algoritmos – que estão por exemplo na linha do tempo do Facebook, no sistema de buscas da Google, nos mecanismos de recomendação do YouTube e nos assuntos do momento do Twitter – influenciam quais conteúdos e pontos de vista ganham visibilidade entre os usuários. Ao invés de promover um debate público melhor informado, no entanto, as redes sociais tornaram-se poderosos vetores de desinformação, polarização e ódio.

Como chegamos na crise atual e o que podemos fazer com ela tornaram-se perguntas urgentemente políticas.

Mais lidas da semana