Chris Hedges [*]
Bem, acabou. Não a eleição. A
democracia capitalista. Por mais tendenciosa que fosse para os interesses dos
ricos e mais hostil para os pobres e minorias, a democracia capitalista pelo
menos oferecia a possibilidade de migalhas de reformas graduais. Agora é um
cadáver. A iconografia e a retórica permanecem as mesmas. Mas é um elaborado e
vazio reality show, financiado pelos oligarcas que controlam a
sociedade – 1,51 mil milhões de dólares para a campanha de Biden, 1,57 mil
milhões para a campanha de Trump – para nos fazerem pensar que há escolhas. Não
há. O duelo entre o discurso palavroso e vazio de Trump e o de Biden com
dificuldades de expressão foi concebido para mascarar a verdade. Os oligarcas
ganham sempre. As pessoas perdem sempre. Não importa quem se senta na Casa
Branca. Os EUA são um estado falido.
"O sonho americano ficou sem combustível", escreveu o romancista J.G.
Ballard. "O carro parou. Já não abastece o mundo com suas imagens, seus
sonhos, suas fantasias. Não mais. Acabou. Agora o que fornece ao mundo são os
seus pesadelos".
Muitos dos seus participantes mataram a sociedade aberta da América. [NT] Foram
os oligarcas que compraram o processo eleitoral, os tribunais e os media, os
lobistas que redigem a legislação que nos empobrece e permite que se acumulem
quantias obscenas de riqueza e poder irrestrito. Os militaristas e a indústria
de guerra que drenaram o tesouro nacional para montar guerras inúteis e sem fim
que esbanjaram cerca de 7 milhões de milhões de dólares e nos transformaram em
párias internacionais.
Também os executivos que arrecadam em bónus e pacotes de compensação dezenas de
milhões de dólares, que enviaram empregos para o exterior e deixaram nossas
cidades em ruínas e nossos trabalhadores na miséria e desespero, sem um
rendimento de subsistência e sem esperança no futuro. A indústria de
combustíveis fósseis que fez guerra à ciência e optou por lucros em vez da
iminente extinção da espécie humana. A imprensa que transformou as notícias em
entretenimento acéfalo e de claques partidárias. Os intelectuais que se
retiraram para as universidades para pregar o absolutismo moral da política de
identidade e do multiculturalismo, enquanto viravam as costas à guerra
económica que estava a ser travada contra a classe trabalhadora e ao ataque
implacável às liberdades civis. E, claro, a classe liberal irresponsável e
hipócrita que não faz nada além de falar, falar, falar. [NT: recordamos que
"liberal" nos EUA, corresponde mutatis mutandis às várias
tendências social-democratas na Europa]