quarta-feira, 28 de abril de 2021

A lista de Estados hostis da Rússia surge muito atrasada

# Publicado em português do Brasil

Andrew Korybko* | OneWorld

A decisão da Rússia de montar uma lista de estados hostis cujas missões diplomáticas seriam proibidas de contratar moradores e talvez também sujeitas a outras restrições já deveria ser feita e mostra que o país está finalmente levando a Nova Guerra Fria muito a sério aproximadamente sete anos após seu início.

O presidente Putin assinou um decreto em contra-medidas contra estados hostis na sexta-feira, que proibiria suas missões diplomáticas de contratar moradores e talvez também os sujeitasse a outras restrições no futuro. A pessoa média pode não entender a importância dessa mudança, mas basicamente significa que esses países terão que ocupar cargos administrativos de nível inferior e outros cargos com seus próprios diplomatas altamente treinados, em vez de contratar pessoas locais para fazer o trabalho. Em outras palavras, isso diminui as capacidades diplomáticas desses países porque indivíduos superqualificados são forçados a realizar tarefas básicas em vez de se concentrar em assuntos mais importantes. Uma vez que cada país tem apenas um número limitado de diplomatas, isso pode, pelo menos em teoria, tornar mais difícil para eles desestabilizar seu estado anfitrião, neste caso a Rússia.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, confirmou que os EUA estarão nessa lista de estados hostis, enquanto ainda não se sabe quais outros países serão designados como tal ao lado dele. Em qualquer caso, essa mudança já deveria ter ocorrido há muito tempo e mostra que a Rússia está finalmente levando a Nova Guerra Fria muito a sério, aproximadamente sete anos após seu início. A abordagem anterior consistia em referir todos os países, mesmo os oponentes óbvios, como os chamados “parceiros”, a fim de manter um grau de “profissionalismo” nas suas relações. A adesão da Rússia às normas diplomáticas clássicas não foi correspondida pelos EUA, entretanto, que continuaram a declarar abertamente que a Rússia era uma rival, se não um inimigo absoluto. O clima diplomático nunca se recuperou, apesar dos melhores votos da Rússia em contrário.

O Médio Oriente reorganiza-se

Thierry Meyssan*

Em 11 de Fevereiro de 2021, em Atenas, a Arábia Saudita, Barém, Chipre, os Emirados Árabes Unidos e a Grécia participavam no Philia Forum (Fórum da Fraternidade). O Egipto havia sido convidado para representar a Liga Árabe, e a França para representar a União Europeia. Seguiu-se Israel.

Os Estados do Médio Oriente, não divididos por si próprios, mas pelas potências que colonizaram a região, reorganizam-se segundo a sua própria lógica. É claro, estas novas alianças são ainda frágeis, mas os Ocidentais vão ter de as enfrentar.

Aquilo que torna difícil entender o Médio Oriente é que ele compreende uma multiplicidade de actores com lógicas diferentes que, segundo as circunstâncias, tecem ou quebram alianças. Muitas vezes julga-se conhecer politicamente essa região, saber quem são os nossos amigos e os nossos inimigos. Mas, quando anos mais tarde voltamos aos mesmos locais a paisagem já mudou radicalmente : alguns dos nossos antigos amigos tornaram-se inimigos enquanto alguns dos nossos antigos amigos desejam o nosso fim.

É o que está em vias de se passar. Em poucos meses, tudo terá mudado.

1) Primeiro, é preciso compreender que certos protagonistas, que viviam em regiões desérticas, organizaram-se pela força das circunstâncias em tribos. A sua sobrevida dependia da sua obediência ao chefe. A democracia é-lhes alheia e reagem de forma comunitarista. É o caso, por exemplo, de tribos sauditas e iemenitas, de sunitas iraquianos que são originários destas ultimas e de curdos, de comunidades israelitas e libanesas ou ainda de tribos líbias. Estas pessoas (salvo os Israelitas) tem sido as principais vítimas do projecto militar dos Estados Unidos : a estratégia Rumsfeld/Cebrowski de destruição das estruturas estatais. Elas não perceberam o que se jogava e encontram-se agora privadas de Estado sólido que as proteja.

2) Uma segunda categoria de actores é impulsionada pelo interesse pessoal. Ela pensa apenas em ganhar dinheiro e não sente nenhuma empatia seja por quem for. Ela adapta-se a todas as situações políticas e consegue sempre situar-se do lado do vencedor. É ela quem fornece o contingente de aliados ferrenhos dos imperialistas, de todos os matizes, que dominaram a região (não há muito tempo atrás o Império otomano, depois os Impérios inglês e francês, e agora o norte-americano).

3) Por fim, a terceira categoria age para defender a sua Nação. Ela tem a mesma coragem que as populações tribais, mas é capaz de ver as coisas de forma mais ampla. Foi ela quem, no decorrer de milénios, criou as noções de Cidade, depois de Estado. Tipicamente, é este o caso dos Sírios, que foram os primeiros a formar Estados e hoje morrem para conservar o seu.

Índia acusada de encobrir números, com mortos a ser cremados ao ar livre

Imagens dos crematórios improvisados ao livre colocam em causa números revelados pela Índia. Avisamos o leitor que as fotografias presentes na galeria, embora não explícitas, podem ferir suscetibilidades. (VER)

A Índia, que se debate com falta de oxigénio e de recursos para combater a segunda vaga da pandemia, tem reportado números recorde de novas infeções e de mortes, mas há cada vez mais relatos que levam a crer que o país poderá estar a ocultar o verdadeiro impacto do novo coronavírus.

Com uma população de 1,3 mil milhões de habitantes, a Índia está a braços com um surto devastador. Só em abril, o país registou quase seis milhões de novos casos.

A explosão do número de casos, atribuída a uma variante do vírus detetada na Índia e a comícios eleitorais e festivais religiosos em grande escala, sobrecarregou os hospitais, onde faltam camas, medicamentos e oxigénio.

Sky News, que fez uma série de reportagens no país, indica que o número total de mortes (cerca de 190 mil desde o início da pandemia) parece demasiado baixa, tendo em conta a densidade populacional. Um dos aspetos mais chocantes da realidade indiana são os crematórios ao ar livre, imagens que estão a ser difundidas pelas diversas agências de notícias.

Covid-19: Mais 382 mortes em África nas últimas horas

África registou mais 382 mortes associadas à covid-19 nas últimas 24 horas, totalizando agora 120.802 vítimas mortais desde o início da pandemia, de acordo com os dados oficiais

África registou mais 382 mortes associadas à covid-19 nas últimas 24 horas, totalizando agora 120.802 vítimas mortais desde o início da pandemia, de acordo com os dados oficiais mais recentes no continente.

Segundo o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC), o número total de infetados nos 55 Estados-membros da organização é agora de 4.524.702, após uma revisão em baixa dos casos (4.546.235 na terça-feira).

Nas últimas 24 horas registaram-se 10.849 recuperados, totalizando 4.067.871 desde o início da pandemia.

A África Austral continua a ser região mais afetada, registando 1.962.772 infetados e 61.922 mortos associados ao contágio com a doença. Nesta região, a África do Sul, o país mais atingido pela covid-19 no continente, regista 1.577.200 casos e 54.237 mortes.

O papel de África é essencial no combate às mudanças climáticas no futuro?

#Publicado em português do Brasil

Os participantes da cúpula internacional do clima na quinta e na sexta-feira foram unânimes: o combate às mudanças climáticas será bom para o crescimento global.

Do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao presidente francês Emmanuel Macron e à diretora do FMI, Kristalina Georgieva, eles estão pedindo uma ação ambiciosa - investimento maciço, altas taxas de carbono - para conter o aumento das temperaturas e colocar o planeta no caminho da prosperidade.

Qual é o resultado final?

A mudança climática é uma grande ameaça ao crescimento global.

Seus efeitos são bem conhecidos: queda na produção agrícola, disseminação de doenças, economias turísticas devastadas devido a eventos climáticos extremos recorrentes, perda de produtividade, etc.

Os efeitos das mudanças climáticas podem resultar em uma perda de até 18% do Produto Interno Bruto mundial até 2050 em comparação com uma estimativa sem mudanças climáticas, disse a Swiss Re, uma das maiores provedoras mundiais de seguro para outras seguradoras, em um relatório publicado quinta-feira.

As economias asiáticas seriam as mais atingidas, com a China provavelmente perdendo quase 24% de seu PIB na pior das hipóteses, enquanto a maior economia do mundo, os EUA, perderia quase 10% e a Europa quase 11%.

O Banco Mundial estima que entre 32 e 132 milhões a mais de pessoas podem cair na pobreza extrema até 2030 como resultado do impacto das mudanças climáticas.

Tragédia de África: Uma “paz híbrida” minada por uma eterna “guerra híbrida”

Martinho Júnior, Luanda  

DEZ ANOS DEPOIS DO ASSASSINATO DE KADAFI NA LÍBIA, MORRE EM COMBATE IDRIS DÉBY NO CHADE

Dez anos depois do desmantelamento da Líbia acompanhado com o assassinato de Kadafi pelo Africom/NATO, esta foi "apenas" mais uma da miríade de sequelas em cadeia, por vezes em “efeito dominó” que se foram desencadeando sem limites, nem barreiras!...

Ao longo da corrente década, muitas outras sequelas se multiplicarão, juntando-se às muitas outras que ocorreram de então para cá!

No Sahel e mais a sul (Lago Chade), quase todos os países estão em fase de desagregação, retalhados pelo exacerbamento étnico-religioso, deliberadamente aproveitado a partir de fora do continente, em estrito interesse e conveniência do “hegemon”!...

O poder dominante sabe desde o início do seu exercício em África, que as culturas nómadas paridas nos maiores desertos quentes do globo estão em milenar tensão contraditória (quantas vezes antagónica) com as culturas sedentárias das ricas regiões garantes de segurança vital e de sedentarização, conforme aliás ao exemplo “milenar” do Egipto desde os tempos dos faraós!

Por isso retalharam o continente a seu-bel-prazer na Conferência colonial de Berlim em finais do século XIX e agora, com as “guerras híbridas” dispensam qualquer conferência para continuar a retalhar numa tão louca quão surrealista trilha neocolonial, da forma quantas vezes mais sangrenta e exangue que alguma vez foi possível!

Os tentáculos das “guerras híbridas” polvilhados ou não por “revoluções coloridas” e malparadas “primaveras”, já começaram a afectar países da África Austral (RDC, Tanzânia e Moçambique), culminando todo o projecto bárbaro, “do Cairo ao Cabo”!...

… África, pântano neocolonial!... – https://frenteantiimperialista.org/africa-pantano-neocolonial/

Fórum PALOP aborda violência armada em Cabo Delgado

Apesar da crise de segurança em Cabo Delgado, Presidente Nyusi sublinha que país goza de "estabilidade política" e que as instituições "estão a funcionar normalmente". Declarações foram feitas no âmbito do Fórum PALOP

Durante a conferência virtual dos chefes de Estado e de Governo do Fórum dos Países de Língua Oficial Portuguesa, PALOP, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi sublinhou que um dos grandes desafios de Moçambique, neste momento, é a violência armada na província nortenha de Cabo Delgado, que está a causar mortes de inocentes e a deslocação forçada de pessoas.

"O recente ataque à vila de Palma, localizada na zona onde decorrem os projetos de exploração de gás, demonstra a dimensão do desafio que o país enfrenta na luta contra o terrorismo internacional", disse.

O ataque a Palma levou a multinacional Total a suspender a implementação do maior projeto de gás natural na bacia do Rovuma.

"Gostaria de indicar que, apesar de alguns focos de instabilidade criados pelo terrorismo, o país goza de estabilidade política e as instituições estão a funcionar normalmente", esclareceu, no entanto, o Presidente Filipe Nyusi.

Em Maputo não foi feita qualquer declaração à imprensa no final do encontro, aguardando-se a divulgação de um comunicado final.

Governo da Guiné-Bissau toma posse após remodelação polémica

Presidente Umaro Sissoco Embaló justifica mexidas no Executivo com necessidade de "maior eficiência". Medida não terá agradado ao MADEM-G15. PAIGC diz que "tentaram passar a imagem de que tudo é mar de rosas".

Na Guiné-Bissau, os novos membros do Governo nomeados pelo Presidente Umaro Sissoco Embaló tomaram posse esta segunda-feira (26.04), perante a contestação do Movimento para Alternância Democrática (MADEM-G15), que está contra a retirada de algumas pastas ao partido e a entrada de algumas figuras no Executivo, sem um aviso prévio.

A remodelação governamental foi conhecida na noite de sábado, através de um decreto presidencial, na mesma altura em que se falava de um eventual acordo político entre o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e o Partido da Renovação Social (PRS), para a formação de uma nova maioria na Assembleia Nacional Popular (ANP).

Na cerimónia, em Bissau, esta segunda-feira, o Presidente da República deixou um recado: "Uma coisa vos digo, não pode haver nenhuma maioria [parlamentar] que não seja esta, enquanto sou Presidente da República".

Em relação às mexidas no Executivo, Umaro Sissoco Embaló justificou: "As mudanças introduzidas na sua orgânica [do Governo] e no elenco dos seus titulares respondem à necessidade de garantir uma maior eficiência e ações do Governo. Os desafios que o nosso país tem pela frente são grandes, o Governo tem de estar à altura desses desafios, para assim corresponder às expetativas dos guineenses".

Entrega da lista das fortunas milionárias angolanas em Portugal é "sinal encorajador"

A Justiça portuguesa entregou a Angola uma lista das fortunas milionárias angolanas em Portugal, onde figuram nomes como Isabel dos Santos e os generais "Kopelipa" e "Dino". Analistas aplaudem a atitude das autoridades.

A Justiça portuguesa, através do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), entregou, na semana passada, uma lista das fortunas milionárias angolanas em Portugal, de acordo com um pedido da Procuradoria-Geral (PGR) de Angola formalizado em janeiro de 2020.

A notícia, avançada pelo jornal português Correio da Manhã na segunda-feira (26.04), dá conta que mais de sete mil páginas discriminam todas as contas bancárias, bens móveis e imóveis, assim como as participações em empresas portuguesas em nome de vários elementos da cleptocracia angolana. O diário refere que a empresária angolana Isabel dos Santos e os generais "Kopelipa" e "Dino" estão entre os visados na lista.

A entrega do relatório a Angola "é um sinal encorajador" que indica existir vontade dos dois países em cooperar no domínio da justiça, considera Susana Coroado, presidente da Transparência e Integridade – Portugal (TI-PT)

"Pode ser o início de um processo que, embora se preveja longo pela natureza da cooperação judicial, será inédito dentro da própria Comunidade dos Países de Língua Portuguesa [CPLP], visando a recuperação de ativos. E, com certeza, que será muito útil para o combate à grande corrupção e ao fim da impunidade", explica Coroado em declarações à DW.

Angola | Tribunal manda soltar jornalista detido em Benguela

O tribunal da Comarca de Benguela ordenou a soltura de Francisco Rasgado, detido na sexta-feira, depois de o diretor do Chela Press ter apresentado justificação da sua ausência em tribunal.

O tribunal da Comarca de Benguela ordenou esta segunda-feira (26.04) a soltura do jornalista angolano Francisco Rasgado, detido na sexta-feira, depois de este ter apresentado justificação da sua ausência em tribunal.

O mandado de soltura, com a data desta segunda-feira, a que a agência Lusa teve acesso, ordena a libertação do jornalista detido, por alegada falta de comparência numa sessão do tribunal, "em virtude de o mesmo ter apresentado documento válido a justificar a sua ausência neste tribunal no dia designado para o julgamento no processo-crime que lhe moveu o digno magistrado do Ministério Público".

Francisco Rasgado responde a um processo de difamação movido pelo anterior governador da província, Rui Falcão.

Dívidas ocultas: Sociedade civil critica escolha de "juiz de conduta questionável"

MOÇAMBIQUE

Processo das dívidas ocultas será entregue a um juiz júnior. Escolha está a gerar polémica entre a sociedade civil. O CDD esperava que "o maior caso de Moçambique" fosse julgado por um juiz sénior e com outro histórico.

O caso das dívidas ocultas esteve desde o início nas mãos da juíza Evandra Uamusse, mas ao que tudo indica será agora entregue ao juiz Efigénio Baptista.  

Segundo o Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), o "meritíssimo juz Efigénio Baptista" é um homem que deixa muitas dúvidas e, por isso, "não se percebe, diante de todo o seu histórico, como é que o Conselho Superior de Magistratura Judicial (CSMJ) transfere um juiz, com uma conduta desmerecedora do cargo, para um tribunal judial de referência no país", que vai tomar conta do maior processo do país, quando falta pouco tempo para o início do julgamento.

Em entrevista à DW África, o diretor do CDD, Adriano Nuvunga, lembra, por um lado, que Efigénio Baptista "é um juiz que já foi julgado e condenado". Por outro lado, "chega ali por via de transferências recentes", sublinha.

Cabo Delgado: Comando militar será pomo da discórdia na cimeira da SADC?

MOÇAMBIQUE

Aprovação do envio de forças da SADC e equipamento militar para Cabo Delgado é o que se espera da cimeira regional desta quinta-feira. Mas a discórdia poderá dominar o encontro quando o tema for o comando operacional.

Depois de meses de discussões sem resultados, finalmente uma proposta concreta da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para apoiar Moçambique a combater os terroristas no norte do país deve estar em cima da mesa do grupo esta quinta-feira (29.04). A missão técnica de avaliação da organização deverá propôr o envio de cerca de 3.000 militares e também de dois navios de patrulha, um submarino, um avião de vigilância marítima, seis helicópteros, dois drones e quatro aviões de transporte.

Com o aval de Moçambique e da SADC, a ativista política e social Quitéria Guirengane espera que a proposta seja carimbada na cimeira. "A ser considerada a proposta, para nós é um passo importante no combate ao terrorismo. É uma decisão acertada e importante porque apesar das suas limitações olha para dimensões diferentes: militar, de inteligência e da assistência humanitária, [esta última] não na profundidade que esperamos, mas provavelmente é uma fase inicial", considera.

Portugal | Marcelo está a pedir-nos o impossível?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

O que Marcelo Rebelo de Sousa pede aos portugueses - que olhem para a História do país "sem autojustificações" nem "autoflagelações excessivas" - parece-me um objetivo bem-intencionado, mas...

Lembro-me de um exemplo que me parece lapidar: em 2012, uma universidade grega resolveu refazer o julgamento de Sócrates.

Estou a falar do filósofo grego, condenado à morte há 2420 anos por três razões principais: não aceitar os deuses gregos, promover falsos deuses e, com a divulgação das suas ideias, corromper a juventude. Em resumo, era ímpio, e isso, nessa altura, naquele sítio, era crime.

Os académicos gregos convidaram 10 juízes para apreciarem os factos, arranjaram advogados de acusação e de defesa para argumentarem, puseram historiadores qualificados a servirem de testemunhas e pediram sentenças que estivessem de acordo com as leis gregas da época, para respeitar o enquadramento espaço/tempo desse acontecimento.

Cinco juízes declararam Sócrates inocente. Cinco juízes declararam-no culpado, embora sem motivo para uma sentença de pena capital.

Portanto, mesmo passados mais de dois mil anos sobre os factos, quando não há razão para particulares paixões político-ideológicas associadas à questão, a análise das ocorrências e a elaboração de um juízo moderno subordinado à mentalidade da Antiguidade levou a conclusões, entre gente qualificada, diametralmente opostas.

Se olharmos para a realidade que preocupa o nosso Presidente da República, a tarefa que ele propõe é ainda mais difícil e divisora do que a dos juízes convocados pelos académicos gregos.

Portugal | Acaba o Estado de Emergência. Haverá Estado de Inteligência?

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Como acabar com um estado de emergência e como ser salvo por um estado de inteligência

Germano Oliveira | Expresso

Bom dia,

Vai acabar o estado de emergência mas vai continuar o estado de responsabilidade individual, “temos de poder contar com cada um de nós, cada português conta porque cada português sabe que é Portugal”, disse ontem o Presidente da República; vai acabar o estado de emergência mas vai continuar o estado de prevenção, “mesmo sem estado de emergência há que manter ou adotar todas as medidas consideradas indispensáveis para impedir recuos, retrocessos, regressos a um passado que não desejamos - acrescento que, se necessário for, avançarei com um novo estado de emergência”, acrescentou ontem Marcelo Rebelo de Sousa; vai acabar o estado de emergência mas vai continuar o estado de prudência, “é bom que fique claro aquilo que têm dito os especialistas: não estamos numa época livre de covid, livre de vírus, podemos infetar os nossos contactos e permitir que a doença se continue a transmitir - enfrentamos o risco de novas variantes menos controláveis pela vacina”, alertou o Presidente; vai acabar o estado de emergência e começou o estado de agradecimento, “estou-vos grato por este ano e dois meses de corajosa e disciplinada resistência, cada abertura implica mais responsabilidade e os tempos próximos serão ainda mais exigentes - acredito na vossa sensatez”, afirmou ainda Marcelo; vai acabar o estado de emergência e devemos regressar já este sábado ao estado de calamidade, estar em calamidade parece pior que estar em emergência mas em 2021 a calamidade até é bem-vinda porque representa restrições menores mas ainda assim restrições duras - como estas que o Expresso explica AQUI.

O Presidente da República declarou por 15 vezes o estado de emergência e explicou ontem detalhadamente por que motivo não há por enquanto uma 16ª vez, “pesou a estabilização e até a descida do número de mortos, a descida de internados em cuidados intensivos, a redução do indicador de contágio, bem como a estabilização do número de infetados, pesou também o avanço em testes e, mais importante, em vacinação, pesou o já terem decorrido mais de um mês sobre a Páscoa e mais de três semanas sobre a segunda abertura das escolas, pesou ainda o que significaria como reconhecimento do consistente e disciplinado sacrifício de milhões de portugueses desde novembro e mais intensamente desde janeiro”, e depois o Presidente usou esse termo tão bonito e urgente, Esperança, vai com uma letra grande porque a Esperança está a crescer, que seja ESPERANÇA em breve, mas voltando ao que disse Marcelo: “[o fim do estado de emergência] é também um sinal de Esperança mobilizadora para o muito que nos espera a todos na vida e na saúde, na economia e na sociedade”, portanto haverá certamente sofrimento ainda antes de a Esperança ser toda feita de capitulares mas também já a há certeza de que cada vez mais pessoas entre nós estão prontas para enfrentar o novo mundo que aí vem: 827.839 portugueses já tomaram as duas doses da vacina, são mais 137.844 que na semana anterior, e 76% das pessoas com mais de 80 anos já têm a vacinação completa - se quiser mais detalhes consulte estes gráficos interativos sobre o maior e mais rápido processo de vacinação mundial (inclui tudo sobre Portugal) e se desejar mais boas notícias veja como a vacinação está a proteger os mais vulneráveis e dá segurança para o país continuar a abrir.

Vacinas: roteiro sobre a infâmia das patentes

Big Pharma ganhará rios de dinheiro com a covid. Para fazê-lo, retardará produção de vacinas, multiplicando as mortes. Argumento: mecanismo é necessário para estimular a pesquisa. Os fatos: Estados bancam quase todo o esforço científico

Leonardo Foletto e Victor Wolffenbüttel * | Outras Palavras

Leonardo Foletto e Victor Wolffenbüttel, adaptado do site britânico Corporate Watch. Publicado originalmente no Baixa Cultura

As empresas farmacêuticas, seus executivos e acionistas já estão ganhando bilhões com as vacinas contra covid, em um dos exemplos mais nefastos de como lucrar a partir de uma doença. Isso se deve em grande parte a um sistema, perverso em sua origem, que concentra a capacidade de produção na mão de poucos – sejam empresas ou Estados – o que intensifica e produz novas desigualdades na distribuição e consumo desses produtos. Nesse sistema, a indústria farmacêutica age em parceria com os Estados: primeiro, recebe subsídios governamentais para desenvolver medicamentos; em seguida, na combinação de preços geralmente muito acima dos custos, o que gera lucros exorbitantes para além dos que são considerados “necessários”, dentro desse sistema, para investimentos de risco como vacinas. Enquanto isso, os países mais pobres são deixados para trás novamente: 90% da produção das vacinas está sendo distribuída em países considerados desenvolvidos, enquanto que o restante pode demorar anos para ter vacinas suficientes para dar conta de suas populações. Pior: com a defesa ferrenha, por parte dos governos destes países, dos direitos de propriedade intelectual das empresas, evita-se (ou se dificulta) que os países mais pobres possam produzir vacinas de modo mais rápido e barato. 

Traduzimos (melhor dizendo: adaptamos) dois textos do site britânico Corporate Watch [este e este], que desde 1996 cobre e pesquisa corporações, para dar mais detalhes dos abusivos lucros que a indústria farmacêutica obtém a partir da exploração das patentes de medicamentos produzidos, em sua maior parte, a partir de dinheiro público. A tradução é de Victor Wolffenbüttel e a adaptação de Leonardo Foletto (colaboraram Tatiana Dias e Alexandre Abdo). 

Cinco maneiras pelas quais as grandes empresas farmacêuticas ganham tanto dinheiro*

A indústria farmacêutica é lucrativa: as gigantes da área têm taxas de lucro de até 20% – mais do que o dobro de outros setores. Mas como elas ganham tanto dinheiro? 

Futebol: um desporto de massas?

Michael Roberts [*]

O fracasso da tentativa dos proprietários multimilionários dos grandes clubes de formar uma "super liga" das principais equipas europeias de futebol é apenas um capítulo ininterrupto na história da mercantilização do desporto em empresas capitalistas lucrativas, pertencentes e controladas pelo capital. Não é por acaso que a JP Morgan foi o gestor financeiro do plano da Super Liga – visto que o banco resume o papel do capital mundial no controlo do desporto moderno. E não é por acaso que o principal motor para a nova liga tenha sido o presidente do Real Madrid, um clube de futebol dominado no passado pela corrupta monarquia espanhola e pelo franquismo, a ala fascista do capital espanhol. O Real Madrid é um clube controlado pelos sócios, ao contrário da maioria dos grandes clubes, mas apenas os muito ricos podem ser presidentes e o clube vive da promoção da marca, como acontece com a maioria dos clubes. E o Real Madrid tem enormes dívidas.

A Super Liga seria um cartel, destinado a criar um monopólio para os maiores clubes de futebol na Europa à custa dos clubes mais pequenos e, em última análise, à custa dos "fãs" ou dos apoiantes desses clubes que em breve iriam pagar pesadas assinaturas para ver os jogos na TV ou altos preços para assistir aos jogos nos estádios. Mas tudo isso já estava a acontecer.

O debate sobre este cartel esconde o papel do próprio capitalismo. É a mesma ideia quando os economistas falam do papel desagradável dos monopólios, como se o capitalismo competitivo fosse uma coisa boa e justa e bastava que voltássemos à "livre competição". A realidade é que o futebol já está capitalizado: possuído e controlado por multimilionários, frequentemente como um seu brinquedo, mas cada vez mais como um negócio de ganhar dinheiro . Os fãs não têm voto na matéria; os jogadores e os dirigentes obedecem às ordens. As organizações de fãs protestam contra a ditadura dos multimilionários, mas não propõem soluções e limitam-se a dizer "Precisamos de fazer mais do que denunciar a burla deles e contentarmo-nos com o compromisso de uma Liga dos Campeões alargada. Temos de rescrever as regras, refazer as instituições e reavaliar o nosso papel enquanto fãs".

Assim, acabar com este cartel (para já) não altera a realidade da mercantilização do desporto, ou seja, a substituição do seu inicial "valor de uso" – as pessoas jogarem e assistirem – pelo valor de troca para lucro. O desporto tornou-se um negócio logo no início da evolução do capitalismo industrial em meados do século XIX. Vejamos o futebol. Há cerca de 600 jogadores profissionais na primeira liga em Inglaterra, cerca de 4000 futebolistas profissionais em Inglaterra e cerca de 65 000 jogadores profissionais no mundo. Claro, da base para o topo, as desigualdades de receitas ou salários para os futebolistas são gigantescas: de um jogador que ganha um milhão e meio de dólares por semana a um que não consegue viver do salário de futebol e precisa de um segundo emprego (claro que estes últimos são a esmagadora maioria). E ainda há as pessoas que só jogam por prazer, serão cerca de 250 milhões de jogadores de futebol em todo o mundo.

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