segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Chile | DERROTA HISTÓRICA DO NEOLIBERALISMO

José Goulão* | AbrilAbril | opinião

A eleição do candidato de esquerda Gabriel Boric como presidente do Chile tem muitos significados, políticos e simbólicos, que extravasam amplamente as fronteiras do país e, no imediato, são um enorme suspiro de alívio para os chilenos e a confirmação de que uma nova vaga libertadora atravessa a América Latina.

Gabriel Boric é um jovem, com apenas 36 anos, e apresentou-se como candidato da coligação eleitoral Aprovar a Dignidade, que tem como forças principais a Frente Ampla e o Partido Comunista do Chile. É oriundo dos grandes movimentos sociais dos últimos anos que conseguiram infligir a mais pesada derrota de sempre – é o que dizem os resultados das eleições presidenciais – ao regime fascista de Pinochet e pondo também em causa a sua herança, democrática do ponto de vista político mas submetida à mesma ditadura económica neoliberal numa alternância de 20 anos entre a extrema-direita dos admiradores de Pinochet e o chamado «centro-esquerda» comandado pelo Partido Socialista.

O novo presidente rompe assim com o longo período de 48 anos, desde o sangrento golpe fascista de Augusto Pinochet em que o Chile foi submetido a uma feroz ditadura militar, política e económica que provocou milhares de mortos e «desaparecidos», privatizou o Estado, destruiu o tecido social do país, entregou a economia e os recursos naturais às empresas e empresários globalistas, arrasou sindicatos e os movimentos sociais, condenou uma esmagadora maioria da população à miséria, estendendo as desigualdades de uma maneira desumana. A substituição de Pinochet por uma democracia política no início da década de noventa do século passado não reverteu a situação económica imposta pelo ditador e acabou por transformar a esperança num imenso descontentamento que levou aos gigantescos movimentos sociais de Outubro de 2019.

O comércio mundial, o avanço tecnológico, o fetiche do capitalismo

# Publicado em português do Brasil

Eduardo Camín* | em Carta Maior

Na era digital, cada vez mais governos têm adotado políticas destinadas a impulsionar o crescimento por meio da inovação e modernização tecnológica, e as repercussões econômicas nacionais associadas à pandemia de covid-19 estão levando os países a fortalecer essas políticas.

A digitalização hoje significa um futuro atraente, e também traz uma esperança. O perigo é que, quando uma palavra se torna o veículo de todas as aspirações sociais, ela inevitavelmente se esvazia em um certo grau de conteúdo. O problema é que a reflexão anterior sobre seu sentido real, material, foi e é tão breve, que poderia torná-la mais um fetiche do capitalismo neoliberal.

Um relatório recente, que examina essas tendências e o papel que o comércio e a OMC (Organização Mundial do Comércio) desempenham nesse contexto, destaca como a mudança para a digitalização e as economias baseadas no conhecimento estão fazendo a diferença, assim como a crescente importância da inovação e da tecnologia para o crescimento econômico.

No âmbito das chamadas “novas políticas industriais”, as políticas governamentais visam deslocar a produção nacional para novas tecnologias digitais instrumentais e, ao mesmo tempo, facilitar a modernização de indústrias maduras.

Portugal | ISTO É GOZAR COM QUEM NÃO TEM CASA

Rui Sá* | Jornal de Notícias | opinião

Em 16 de novembro de 2020, com pompa e circunstância, a Câmara Municipal do Porto e o IHRU - Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, assinaram um importante protocolo de colaboração, que estabelecia as regras do realojamento, entre 2020 e 2025, de 1740 famílias do Porto.

A operação implicava um investimento de 56 milhões de euros, metade dos quais transferidos a fundo perdido pela Administração Central e outra metade a partir de empréstimos bancários a fundo perdido.

Independentemente da forma como este realojamento se iria processar, este protocolo era positivo e traduzia-se na assunção, por parte do Governo, da responsabilidade que lhe compete em matéria do cumprimento do constitucional direito à habitação. Pelo que, na cerimónia da assinatura do protocolo, estiveram António Costa, Pedro Nuno Santos e Rui Moreira, que fizeram os habituais discursos de boas intenções...

Soube agora que, passados 13 meses, quando o cronograma financeiro estabelecido previa que já estivessem investidos 11,3 milhões de euros, afinal o IHRU ainda não transferiu um cêntimo para os cofres municipais! Uma situação vergonhosa, da responsabilidade do Governo, que mina a confiança no Estado de direito. E que mostra que Rui Moreira, sempre tão combativo quando o assunto não é da responsabilidade direta da Câmara (veja-se a TAP e os molhes de Leixões) é tão "compreensivo" quando a questão diz respeito a habitação social para os portuenses... O que custa mais é que, com esta situação, se perderam mais 13 meses na solução habitacional para 1740 famílias que vivem tão mal...

*Engenheiro

Portugal | A VILANAGEM NUNCA SE FARTA!

Leão fintou o Parlamento e meteu 317 milhões de euros no Novo Banco

No final de 2020, o Parlamento barrou o ministro das Finanças, mas os milhões apareceram.

No final de 2020, o Orçamento de Estado para 2021 (OE2021) ficou preso por um fio devido ao Novo Banco (NB). Uma maioria parlamentar (BEPSDPCP e PAN) bloqueou a pretensão do governo e do ministro das Finanças de reservar uma dotação de despesa no OE para poder injetar mais dinheiro no NB.

Mas, na altura, o ministro avisou logo: o Estado é uma "pessoa de bem" e vai cumprir o contrato que assinou. E assim foi. Mesmo chumbado pelo Parlamento, em junho, o NB recebeu a primeira parte da ajuda (317 milhões) e, na semana passada, o resto que estava em dúvida, mais 112 milhões. No total os 429 milhões previamente acordados.

O dinheiro foi angariado com recurso a um sindicato bancário, mas depois foi vertido no Fundo de Resolução (uma entidade pública que conta para a despesa) que depois passou os milhões para o NB.

Mas, como é que o Parlamento chumba a transferência para o NB, com políticos a vociferarem "nem mais um tostão", e o dinheiro acaba por ir na mesma?

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), coordenada por Rui Nuno Baleiras, explica o esquema contabilístico "alternativo" encontrado para contornar o bloqueio do Parlamento.

Em 2021, a despesa inicial relativa ao NB foi de "317 milhões de euros, tendo o seu financiamento sido obtido integralmente junto de sociedades financeiras". "Este pagamento foi então registado como transferência de capital (despesa efetiva), em vez da forma prevista na proposta de OE 2021 (despesa em ativos financeiros de sociedades financeiras)". A lei do OE 2021 "não contemplava dotação orçamental para o NB sob a forma de ativos, nem de transferências de capital".

No entanto, "para consumar a capitalização, registou-se a despesa como transferência de capital, sendo a dotação total do Fundo em despesa efetiva reforçada no montante necessário para a acomodar, através da realização de alterações orçamentais da competência do governo (compensando a elevação desse teto reduzindo o de outras entidades colocadas no mesmo programa das Finanças)", explica a UTAO. "Desta forma, o Governo encontrou um processo contabilístico alternativo ao reprovado pelo Parlamento para efetuar a capitalização pública do banco", que já custou aos contribuintes portugueses 7,9 mil milhões de euros até 2020.

Luís Reis Ribeiro | Jornal de Notícias / Dinheiro Vivo

* Título PG

Portugal | A IMPUNIDADE DO TRABALHO ESCRAVO... NÃO SE ‘ODEMIREM’!

Em 10 anos, ninguém foi condenado pela lei criada para punir trabalho escravo

A lei estipula penas de prisão até seis anos - ou mais em casos reincidentes -, mas aos acusados são aplicadas apenas contraordenações pela exploração laboral de imigrantes ilegais

De acordo com a edição desta segunda-feira do "Jornal de Notícias", “os donos de terras e as explorações agrícolas que contratam imigrantes ilegais a intermediários que os exploram nunca são responsabilizados criminalmente”. Assim é há 10 anos, desde que foi promulgada uma lei para punir o trabalho escravo.

As estatísticas da Direção-Geral da Política da Justiça revelam que não há registo de qualquer condenação ao abrigo do artigo 185A do Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional.

Os acusados sofrem “meras contraordenações”, escreve o JN, embora a lei contemple penas de prisão até seis anos — ou mais em casos reincidentes — pelo crime de “utilização da atividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal”.

A Justiça “tem-se limitado a perseguir as empresas de trabalho temporário que fornecem a mão de obra migrante e cujos sócios muitas vezes são absolvidos ou desaparecem, deixando para trás dívidas ao Fisco e à Segurança Social”, além de trabalhadores “a viver em condições miseráveis”.

Expresso

Portugal | O CARTEL DA BANCA QUE DUROU MAIS DE 10 ANOS

Ministério Público quer ouvir gestores da banca sobre cartel que durou mais de 10 anos

Segundo avança o jornal "Público", no julgamento do cartel da banca no Tribunal da Concorrência foram já marcadas três datas, no final de janeiro, para os depoimentos de atuais administradores dos bancos visados pela Autoridade da Concorrência

O Ministério Público (MP) pretende ouvir os atuais administradores dos bancos envolvidos no cartel de contratos de crédito que a Autoridade da Concorrência sancionou com coimas de 225 milhões de euros, revela o jornal "Público" na sua edição desta segunda-feira.

Segundo a mesma fonte, o pedido do MP no julgamento em curso teve "luz verde" da juíza Mariana Gomes Machado, que agendou os dias 24, 26 e 28 de janeiro de 2022 para poderem ser recolhidos depoimentos dos gestores dos bancos.

Em causa, recorde-se, está a aplicação de coimas a 14 bancos (12 deles recorreram para o Tribunal da Concorrência, onde estão a ser julgados 11, porque em relação a um deles, o Deutsche Bank, os factos já prescreveram), por entre 2002 e 2013 terem trocado entre si informação sobre as condições que iam aplicar em contratos de crédito.

O "Público" cita uma ata de 14 de dezembro na qual o procurador do MP que acompanha este processo considera importante "apurar o contexto de interação entre entidades bancárias após os factos vertidos na decisão condenatória" e discutir a "manutenção, desagravamento ou agravamento" das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência.

Expresso

Leia em Expresso:

Bancos prestam caução de €100 milhões para contestar ‘cartel’

Preço grossista da eletricidade na Península Ibérica em queda

Preço diário da eletricidade em Portugal e Espanha afunda-se para o valor mais baixo em quase dois meses

O preço grossista da eletricidade na Península Ibérica terá esta segunda-feira o quarto dia consecutivo de queda. Pela primeira vez em quase dois meses o preço diário será inferior a 100 euros por megawatt hora (MWh)

O preço grossista da eletricidade em Portugal e Espanha registará uma acentuada queda esta segunda-feira, afundando-se dos 188,69 euros por megawatt hora (MWh) deste domingo para 96,1 euros por MWh no primeiro dia útil da última semana do ano.

Os dados publicados pelo OMIE, o operador da contratação diária do mercado ibérico de eletricidade (Mibel), revelam que o custo médio grossista da energia elétrica em Portugal e Espanha esta segunda-feira será o mais baixo do corrente mês de dezembro, mas não só: será igualmente o preço diário mais baixo em quase dois meses.

É preciso recuar a 1 de novembro, quando o preço diário no Mibel foi de 91,2 euros por MWh, para encontrar um preço grossista mais baixo. Desde então a eletricidade transacionada diariamente no Mibel tem estado sempre acima dos 100 euros por MWh.

Alemanha | Mulheres comandam metade dos ministérios no governo Scholz

# Publicado em português do Brasil

Futuro chanceler confirma nomes finais do seu governo, que deverá começar os trabalhos ainda esta semana. Percentual de mulheres no comando de ministérios federais é o maior da história da Alemanha.

O próximo chanceler federal da Alemanha, o social-democrata Olaf Scholz, de 63 anos, que vai suceder a atual chanceler, Angela Merkel, confirmou nesta segunda-feira (06/12) os nomes que vão compor o seu governo, o primeiro liderado pela centro-esquerda em 16 anos e também o primeiro distribuído igualmente entre mulheres e homens no país.

Os ministros do Partido Verde e do Partido Liberal Democrático (FDP) já eram conhecidos, e nesta segunda o partido de Scholz, o Partido Social-Democrata (SPD), divulgou os seus.

Seguindo uma promessa de campanha de Scholz, oito pastas serão ocupadas por mulheres, e oito, por homens. O percentual de mulheres no comando de ministérios, de 50%, é o maior da história da Alemanha. 

Scholz acabou sendo criticado porque, se o cargo de chanceler federal for incluído no cálculo, haverá mais homens do que mulheres. O futuro chanceler deverá ser eleito nesta quarta-feira pelo Bundestag (Parlamento), já que a aliança entre o SPD, o Partido Verde e o Partido Liberal Democrático tem a maioria dos assentos.

O vice-chanceler será o co-presidente do Partido Verde Robert Habeck, de 52 anos, que assumirá também o ministério da Economia e Energia.

Já o Partido Liberal Democrático ficará com o mais poderoso dos ministérios do governo alemão, o das Finanças, que será comandado pelo presidente da sigla, Christian Lindner, de 42 anos. Ele deverá dar continuidade a uma política de austeridade fiscal, sem aumento de impostos.

PORQUE JESUS SER NEGRO INCOMODA TANTO?

# Publicado em português do Brasil

Ynaê Lopes dos Santos * | Deutsche Welle

A imagem construída de um Jesus loiro e de olho azul, contra as evidências históricas e vinculada à ideia de bondade, foi um prato cheio para a colonização das sociedades americanas e o tráfico de africanos escravizados.

Há dois anos, a Disney anunciou que a jovem atriz Halle Bailey seria a protagonista da animação filmada em live-action de A Pequena Sereia. Estaria tudo bem, não fosse o pequeno detalhe: a atriz é uma jovem mulher negra. Como era de se imaginar, a decisão causou muita polêmica e indignação. E uma das perguntas mais feitas por aqueles que reprovaram a escolha foi: "mas onde já se viu, a pequena sereia negra?"

Uma forma simples de responder tal questionamento seria com outra pergunta: "onde já se viu sereia, qualquer que seja?"

A escolha de uma mulher negra para representar a sereia Ariel parecia uma ofensa à imagem construída e replicada por décadas, na qual esse ser metade-peixe metade-mulher tem pele branca e cabelos ruivos. Um ser fantástico, é preciso dizer. Mas que mesmo sendo fruto de lendas, mitos e muita imaginação, não consegue transbordar as fronteiras do racismo.

A COMPAIXÃO PELO ESTRANHO ESTÁ AUSENTE DA FORTALEZA EUROPA

# Publicado em português do Brasil

The Guardian | editorial

A percepção moral que inspirou a convenção de Genebra sobre refugiados está enfraquecendo em nossos tempos. Isso deve mudar

“Pois eu estava com fome e você me deu comida, eu estava com sede e você me deu de beber, eu era um estrangeiro e você me acolheu” - Evangelho de Mateus 25:35 .

“Uma menina que sofreu queimaduras de combustível no barco enquanto viajava pelo Canal da Mancha foi negligenciada por dois dias, deixando-a com cicatrizes para o resto da vida, foi encontrada” - Relatório do Guardian sobre o tratamento de requerentes de asilo detidos em Kent, 16 de dezembro.

Para os cristãos, a narrativa do Natal oferece um lembrete anual do dever ético de oferecer hospitalidade ao estrangeiro. As circunstâncias difíceis do nascimento de Jesus em um estábulo de Belém e a subsequente fuga da sagrada família de Herodes para o Egito, identificam Cristo com a situação de todos os vulneráveis, exilados e necessitados. Para os não crentes - a maioria de nós hoje em dia - sempre existe o ponto de referência do direito internacional. Dois mil anos depois de Jesus ter vivido, o compromisso judaico-cristão com o forasteiro - com o que o filósofo judeu Emmanuel Levinas chamou o rosto do outro "em sua nudez e indefeso" - encontrou expressão legal na forma da convenção de refugiados de 1951 . Infelizmente, em tempos cada vez mais isolados e introspectivos, a fé nisso também parece estar diminuindo.

A convenção tornou-se parte integrante da era pós-guerra, originalmente oferecendo direitos de asilo a milhões de pessoas deslocadas na Europa. Os horrores do totalitarismo, duas guerras mundiais e o Holocausto irrevogavelmente moldaram os corações e mentes daqueles que viveram por eles e buscaram aprender com a experiência. O direito de buscar e receber refúgio em um país seguro fazia parte de uma nova arquitetura liberal de direitos universais. Mas 70 anos depois, a proliferação de barreiras e cercas ao longo das fronteiras europeias testemunha um clima mais severo. À medida que a noção de “Fortaleza Europa” é normalizada , o direito inviolável de pedir asilo - de fazer a sua causa e ser devidamente ouvido - já não é incontestável.

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