terça-feira, 22 de novembro de 2022

Angola | PÉROLAS VERDADEIRAS E NOTAS FALSAS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Angola tem um dos maiores intelectuais do mundo. Já escreveu 12 livros e reclama ser entrevistado todos os dias. Saiu-lhe uma no Jornal de Angola onde defende a privatização das delegações províncias do audiovisual “para dar voz ao empresariado local”. Isto cheira-me a negócio para o Grupo Carrinho. Porque os Media são obrigados a dar visibilidade a tudo o que é noticia, inclusive se tiver a ver os empresários locais, nacionais e lunares. 

Isto de privatizar os Media é campanha orquestrada. O conselheiro do Presidente João Lourenço,  Ismael Mateus, quer privatizar as delegações provinciais da rádio e da televisão. O Sindicato dos Jornalistas (UNITA) também quer privatizar tudo o que foi nacionalizado com a “recuperação de activos”. 

Sem a mínima intenção de ser desmancha-prazeres, informo os apaniguados do Teixeira Cândido, que o grupo de comunicação social do Manuel Rabelais era tão privado como eu sou membro do Conselho de Estado. Aquilo era público e foi construído, tijolo a tijolo, maquineta a maquineta, câmara a câmara, microfone a microfone, com dinheiro dos cofres públicos.

O Grupo Medianova (Damer, TV Zimbo, Rádio Mais e jornal O País) era propriedade, entre outros, de Manuel Vicente e Manuel Hélder Vieira Dias (Kopelipa). Fui eu que criei tudo na fase inicial. Angola deve estar grata aos dois. Mas não é segredo que Manuel Vicente foi presidente do conselho da administração da Sonangol e Vice-Presidente da República. O general Kopelipa foi ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente da República, José Eduardo dos Santos. O Grupo Medianova não era do Estado. Era de altas figuras do Estado.  

Agora vou ser politicamente incorrecto. Deixem as coisas como estão. Porque assim sabemos quem manda, quem paga, quem dirige, quem elabora os planos de edição, as grelhas e os programas. E sabermos que administrações e direcções dos Media públicos são escolhidas por quem tem a legitimidade do voto popular, é um conforto. No vale tudo menos tirar olhos em que caímos, o sector empresarial do Estado é a garantia de que dificilmente triunfa o banditismo mediático que se instalou nos Media do sector privado. 

Nem imaginam como isso é importante para o Povo Angolano. Olhem como está a TPA, que caiu no domínio da CNN/CIA. Ficam com uma ideia de como é boa a tutela do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de informação e Comunicação Social. Espero que o senhor ministro Mário Oliveira não vá na conversa das privatizações no sector dos Media públicos. Liberdade de Imprensa não é banditismo. Liberdade de expressão não é mentir, difamar, manipular, falsificar. 

Vou dar um exemplo do que é a liberdade de imprensa deles.

CNN Portugal é uma delegação da CIA importada por um barqueiro do rio Douro que chegou a milionário, obviamente num qualquer conluio com o Estado. Uma jornalista da agência, que foi “enviada especial” a Angola, à Ucrânia e às eleições no Brasil, um dia disse que “os russos estão a retirar a população civil da cidade de Kerson”. Uma semana depois disse que “os russos já retiraram 80.000 civis de Kerson”. 

Dois dias depois disse que “já não há civis em Kerson”. Mais um dia e noticiou: “As tropas russas saíram de Kerson mas deixaram a cidade destruída e espalharam minas por todo o lado. Não há água nem luz”. Mais um dia e a azougada jornalista noticiou: “Kerson está libertada. A população festeja nas ruas da cidade”. E as imagens mostravam centenas de pessoas limpinhas, bem vestidas, com ar festivo. Mais um dia e a jornalista do barqueiro do Douro dizia triunfante: “Saiu de Kerson o primeiro comboio com destino a Kiev. Mas esta viagem foi só para passageiros”.

A jornalista mentiu. Só não sei quando. Mas se num dia afirmou que a cidade estava destruída e armadilhada com explosivos por toda a parte, a população tinha sido retirada “pelos russos”, no dia seguinte não podia mostrar a cidade arrumadinha e centenas de pessoas em festa nas ruas, bem vestidas e limpinhas. Um dia diz que está tudo destruído e no dia seguinte mostra a estação ferroviária de Kerson impecável (exibiram uma vista aérea), sem um arranhão e um comboio no cais recebendo passageiros. 

Os jornalistas não são papagaios que debitam ante as câmaras aquilo que lhes põem à frente. Por isso é que agora já chamam “notas” às notícias. A CIA não quer nada com o Jornalismo e muito menos com notícias e reportagens. E começa a fazer caminho uma aldrabice ridícula: Os jornalistas são cientistas socias! Jamais. O marketing e comunicação fazem parte das ciências sociais. São áreas proibidas aos jornalistas. 

Os jornalistas têm um código ético e deontológico, um estatuto profissional que se violarem, são banidos da profissão. Nada de confusões. Deixem-se de fantasias e comecem a fazer notícias, reportagens e entrevistas. 

As nossas pérolas do andebol conquistaram o 15º título africano da modalidade. Depois do triunfo, um repórter da TPA entrevistou duas campeãs, uma delas a capitã da equipa. Felizes, Eufóricas. Mandaram beijinhos para a família e amigos. No final, o jornalista informou que a selecção nacional feminina de andebol ia apanhar um avião para Istambul e de lá seguia para Luanda. Um voo com escala.

Istambul fica metade na Europa e metade na Ásia. O Senegal fica ali no Golfo da Guiné, um pouco mais à frente de São Tomé e Príncipe. África. Pertinho de Angola. No desporto de alta competição, os angolanos orgulham-se das suas selecções nacionais de hóquei em patins e basquetebol. Já se orgulharam dos Palancas Negras quando fomos ao Mundial da Alemanha, onde os nazis cabeças rapadas matam homossexuais e emigrantes. Sobretudo se forem negros. Mas o expoente máximo do Desporto Angolano é a Selecção Nacional de Andebol Feminino. As nossas pérolas. Duas chegaram as ministras do Governo de Angola.

Não havia um avião da TAAG para ir buscar as nossas campeãs africanas e o caneco? Não havia um avião da Força Aérea Nacional para ir buscar as pérolas e o 15º troféu continental? Não havia um avião da Presidência da República para ir buscar as expoentes máximas do desporto nacional? Não há dinheiro para fretar um avião a uma companhia privada para ir buscar as atletas que nos enchem de orgulho? Respondam, mesmo que fiquem envergonhados. Hoje o Chefe de Estado já deu um ar da sua graça e felicitou, em nosso nome, as campeãs. As nossas pérolas. Isto está mau. Anda por aí muita distracção. 

*Jornalista

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