Artur Queiroz*, Luanda
O Acordo de Bicesse marcou o início da democracia representativa em Angola, pendurada na economia de mercado ou o capitalismo, quantio mais selvagem, melhor para os ricos. Savimbi estava a assinar o documento e ao mesmo tempo os seus sicários escondiam em bases secretas do Cuando Cubango milhares de homens armados e as melhores armas, inclusive os mísseis stinger que o “amigo Reagan” ofereceu aos racistas de Pretória, via UNITA.
As eleições correram mal aos mentores do banditismo político e a UNITA foi estrondosamente derrotada. Savimbi e seus sicários convenceram-se de que bastava gritar fraude eleitoral para tomarem o poder sem dificuldades. Um engano trágico que custou a vida a milhares de angolanos, causou milhões de refugiados e deslocados, biliões de prejuízos em equipamentos sociais destruídos, empresas saqueadas ou simplesmente arrasadas. Na altura, Marcolino Moco denunciou que “a UNITA quer matar a democracia ainda no ovo”. Estava cheio de razão. Por isso, todos os partidos com deputados na Assembleia Nacional aceitaram fazer parte do seu governo, excepto os sicários da UNITA, empenhados no assassinato do regime democrático que começava a dar os primeiros passos.
Uma jovem comentadora apareceu ante as câmaras da TPA dizendo que não quer saber desses tempos porque “nessa altura eu ainda nem era nascida”. Disse isto com convicção, não foi uma boca despejada à maneira do Ismael Mateus ou qualquer outro guru do Presidente João Lourenço. E a juventude caminha alegremente para o desastre, porque faz gala da sua ignorância. Sobretudo, muitos jovens hoje fazem questão de apagar o passado, para não terem que pensar muito. É mais cómodo pensar pela cabeça dos outros e reivindicar casas, apoios nos estudos ou nas actividades económicas, empregos o mais bem remunerados possível. Os outros que se lixem.
Os que lá no passado lutaram até
ao sacrifício das suas vidas, pela Soberania Nacional e a Integridade
Territorial, não existem. E se teimam em existir, que não se metam no caminho
dos jovens de hoje, ensinados, treinados e mobilizados para receber tudo e não
darem nada
Quando eu era miúdo, nas férias grandes tinha que trabalhar na tonga, de bitola e catana na mão. Capinava os pés de café ao longo de horas, sob um sol ardente. Quando tocava a sineta, às cinco da manhã, se continuava enroscado na cama, logo vinha meu Pai e berrava: Aqui, quem não trabalha não come! Quem não estuda vai vergar a mola. Quem reprova vai para mafuka do armazém carregar sacos de café. Quem queria casa, alugava. Quem queria emprego, lutava por ele. Quem queria divertimento ganhava primeiro o dinheiro para se divertir.