domingo, 26 de março de 2023

Portugal | SÓ MAIS 15

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

Enquanto os bancos rebentam como pipocas e a recessão espreita atrás da porta com a faca nos dentes, António Costa distribui mais um punhado de migalhas. Um punhado de esmolas já que mexer no IVA dos bens essenciais para tirar dois ou três euros no preço do cabaz básico não fará diferença alguma. Igual para a actualização salarial de 1% prometida para a função pública, supostamente para compensar uma inflação de 10%. A dolorosa lista é extensa - mas basta lembrar que a electricidade continua a ser taxada como um bem de luxo, que os maiores aumentos das telecomunicações da UE são portugueses ou que persistem os disparos na prestação mensal do crédito à habitação. Claro que embora tenha os cofres bem estofados, o primeiro-ministro não aumentou o salário mínimo nem avançou com qualquer apoio aos reformados.

As reservas do erário público servirão para salvar as instituições bancárias, mais a pele de meia dúzia de protegidos e nada sobejará para os para os mais novos nem para os nossos velhotes. Esses, como já se percebeu, é para deixar morrer. Já o povo bem pode ir para a rua gritar -- como acontece em França ou em Inglaterra -- que de pouco ou nada lhe valerá. Sim, porque isso de "não ter nada e ser feliz" tem o problema da segunda oração -- quem nada tem sente que nada tem a perder, e daí ao motim é meio fósforo. Seja como for, se por acaso, a revolta já for demais regressa-se rápido e em força aos confinamentos. Com a malta em prisão domiciliária, fica bem mais simples adestrar rebeldias e esmagar a espinha a qualquer luta. Por isso, estão na calha medidas como a Carta de Perigosidade ou a Cidade dos 15 minutos. Mais cedo ou mais tarde, seja para o Rato do Campo, seja para o Rato da Cidade - mas sempre com pretextos piedosos como as alterações climáticas -- estão já previstas ferramentas de controlo e hipervigilância. Se houve algo que ficou patente durante os três longos anos de gestão covid foi que, sobretudo através do medo, é muito fácil mandar todos para a toca, trancar na gruta as hordas ansiosas -- mesmo que famintas. Já existiu perante o estado geral de bovinidade e vincar-se-á adiante a normalização da excepção, com proibição de manifestações, ataques diversos aos mais elementares direitos, liberdades e garantias -- como o de circulação ou expressão -- e o recurso ao confinamento indiscriminado. Perigosidade e prevenção serão a pedra de toque para o amanhã totalitário. Portanto, a tremenda crise económica cujo estado larvar é anterior aos próprios confinamentos -- com a impressão em barda de novas notas e o banco central europeu a comportar-se como uma dona branca -- e que eclodiu com a peregrina ideia do "a economia logo se vê", fez com a que os preços começassem a trepar logo em 2020 e que, em breve, rebentem na nossa cara. Como era óbvio (e se evidencia agora pela mortalidade excessiva) já na altura não era possível clivar saúde da economia. Agora também não será viável cindir a economia da saúde.

Mas pronto, já sabem -- são só mais 15 dias para achatar essa curva teimosa e outros 15 minutos para calar o desassossego ensimesmado. A liberdade, portanto. Se não estiverem satisfeitos comam insectos. Ou pior.

*Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia

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