quarta-feira, 7 de junho de 2023

Angola | GASOLINA NA FOGUEIRA E PÉS DE BARRO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A fogueira está pegada e não vou atirar com gasolina para as chamas se agigantarem. Mas tudo leva a crer que o aumento do preço do combustível não foi devidamente preparado por quem tomou a decisão ao nível do Executivo. Mais uma vez funcionou o princípio Angola é Luanda e o resto mera paisagem que ninguém quer ver quanto mais desfrutar. Notícias fidedignas garantem que há protestos em várias províncias porque fornecedores de transportes públicos (legais ou candongueiros) não receberam o cartão que permite comprar o combustível ao preço anterior.  

O Patrício Bicudo da Dona Vera é verdadeiramente um cretino esférico. Não tem bico por onde se lhe pegue. Mais uma vez falo sem números exactos mas vou ter o cuidado de pecar por excesso. Por isso afirmo que mais de 90 por cento da população de Luanda que tem carro precisa dele para trabalho ou ir trabalhar. E esses milhões de Luandenses não andam de Lexus. Isso é para os acomodados e os deputados eleitos pelo povo.

Um aumento de 100 por cento no litro da gasolina está a criar muitas dificuldades a quem precisa de carro para ir todos os dias trabalhar. Simplesmente porque a oferta de transportes públicos em Luanda é irrisória. E vai continuar a ser. As empresas que prestam esse serviço essencial são geridas como se a capital tivesse os mesmos habitantes que tinha no dia da Independência Nacional. 

Os arautos da Dona Vera dizem que a gasolina não pode ser ao preço da chuva. Pode sim. Pelo menos enquanto os salários rastejarem pela poeira e o carro dos trabalhadores for um bem de primeira necessidade, para se deslocarem de casa até ao local de trabalho.  

Salários pagos ao custo da poeira e uma rede de transportes públicos altamente deficitária exigem gasolina barata. Até digo mais. As entidades patronais, nomeadamente o Estado, deviam pagar um suplemento salarial com senhas para os transportes públicos e talões de combustíveis. Isto em Luanda.

No interior do país o problema é muito mais grave. O aumento cego da gasolina deitou por terra sonhos e esperanças que nasceram quando o mundo rural foi inundado de motorizadas e triciclos kawezeki. Quando via governadores provinciais ou membros do Executivo distribuir motorizadas e triciclos nas nossas aldeias ficava mais feliz do que os contemplados.

A destruição (pela UNITA!) da rede viária secundária e terciária votou as populações ao isolamento total seguindo o princípio “tornar a vida impossível às pessoas nas aldeias e vilas”. Veículos de duas ou três rodas foi a solução ideal para quebrar esse isolamento e mudar radicalmente a qualidade de vida das comunidades.

Eu vi, durante a campanha eleitoral, candidatas e candidatos do MPLA distribuírem motorizadas e triciclos nas comunidades rurais. Milhares de unidades. Que maravilha! Os jovens logo montaram serviço do moto-táxi. Mas muitos não tiraram licença. É um trabalho informal. Os triciclos chegavam carregados de produtos do campo aos mercados das vilas e cidades. A vida começou a fluir. O isolamento foi quebrado. Muto obrigado ao MPLA.

Agora milhares de motorizadas e triciclos vão ficar encostados, sem qualquer préstimo. Pagar a gasolina ao dobro do preço está fora de questão. Tudo parado de novo. Todos os sonhos ruíram. Todas as esperanças murcharam. Esse truque do cartão multicaixa para abastecer, não funciona nas vilas e aldeias da Angola profunda. Nos municípios em morte social. Onde grassa perigosamente a desertificação humana porque isso quer dizer que Luanda vai tendo cada vez mais milhões de habitantes.  

Sabem como se resolve? Mandam imprimir senhas SONANGOL e entregam-nas às administrações comunais e municipais. Só são válidos nos postos abastecedores dessas localidades. E a vida continua a fluir. O milho, a batata, as hortaliças regressam aos mercados. As famílias camponesas voltam a sorrir. Não custa nada ao Estado. Pelo contrário só vai ganhar. Ver o povo feliz vale mais do que milhões nos bancos.  

O contrabando é uma maka mundial ou pelo menos internacional. Mas nada de grave ou de difícil solução. A SONANGOL e restantes empresas distribuidoras entregam diariamente às autoridades mapas com a existência em stock. Dão conta dos combustíveis que recebem e a data em que são descarregados para se fazer um controlo rigoroso.  

Ninguém pode comprar nos postos abastecedores mais do que uma determinada quantidade por dia. E essa venda fica registada na rede de postos abastecedores com matrícula da viatura. Assim não há açambarcamento nem compras gigantescas para o contrabando com os países vizinhos. Provavelmente há soluções mais fáceis. Mas ninguém peça às autoridades que fiscalizem fronteiras com centenas de quilómetros. Isso é o mesmo que facilitar e estimular o contrabando.

A vida está muito difícil para os ídolos. A Dona Vera deu uma queda das antigas. Nada de grave. Levanta-se com facilidade se for capaz de emendar os erros. O MPLA nunca se engana mas desta vez a direcção estava distraída quando permitiu ao Executivo aumentar o preço da gasolina em cima do joelho. Tem tanta força que daqui a poucos dias está tudo no seu lugar.

O grande Cristiano Ronaldo, orgulho dos portugueses e com fãs em todo o mundo, deu uma queda da qual nunca mais se levanta. O seu clube ficou em segundo lugar no campeonato da Arábia Saudita país que está no 95º lugar do ranking da Federação Internacional de Futebol (FIFA). E na lista dos melhores marcadores ficou num honroso quinto lugar. Só ainda mexe porque é o dono da selecção portuguesa. Os ídolos nunca se lembram que têm pés de barro. 

*Jornalista

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