Sanear as Forças Armadas e substituir o ministro José Múcio. Iniciar a reforma das polícias e da Segurança Pública. Voltar às ruas, em grandes atos pela Democracia, Igualdade e Reconstrução Nacional
Antonio Martins* | Outras Palavras
A devastação nacional promovida pelo bolsonarismo tem agora uma metáfora imagética adequada. As paredes de vidro estraçalhadas do Palácio do Planalto. A fogueira ateada no Salão Verde do Congresso. O busto de Ruy Barbosa destruído no STF. As obras de arte perfuradas a golpes de estilete – tudo é símbolo de um projeto que tentou tirar proveito da crise brasileira para convocar ressentimentos e recalques, e fazer aflorar o que o país tem de pior.
Mas as consequências desta tentativa troglodita de golpe de Estado ainda não são conhecidas: elas dependerão da resposta que a sociedade oferecer, nos próximos dias. Uma postura complacente estimulará novos atentados, sinalizará fraqueza e tornará o governo refém dos extremistas. Uma atitude firme reforçará a ideia – já evocada por Lula – de que o Brasil chegou ao fundo do poço e precisa olhar para si mesmo e reconstruir-se em novas bases. No campo jurídico, o ministro Alexandre de Moraes adotou nesta madrugada um conjunto de medidas corajosas que começa com o afastamento do governador do Distrito Federal e a ordem para desocupar, em 24 horas, todos os acampamentos montados diante dos quartéis. A ação política, porém, ainda precisa ser construída. Eis, a seguir, três contribuições a ela.
1. Sanear as Forças Armadas e substituir o ministro José Múcio
Nem o caos comove os bolsonaristas enquistados nas Forças Armadas. Na noite de ontem, os extremistas que devastaram a Praça dos Três Poderes voltaram a ser acolhidos no QG do Exército em Brasília, que os protegeu da Polícia Militar (já sob intervenção federal), como relatou o repórter Paolo Capelli, no Metrópoles. Foi a sequência de um longo flerte. Há semanas, comandantes de alguns quartéis acumpliciam-se com golpistas que acampam a seu redor, fingem-se de cegos diante das ilegalidades cometidas e chegam a confraternizar com os líderes da molecagem. Segundo o jornalista Lauro Jardim, “boa parte dos radicais acampados” é “composta de militares reformados e familiares de militares da ativa”.
E as raízes do conluio são anteriores. A ocupação por militares de milhares de cargos civis na Esplanada dos Ministérios não se deveu a um capricho. Foi parte importante do projeto de destruição nacional de Bolsonaro, como mostrou o cientista político Josué Medeiros em entrevista a Outras Palavras. Era preciso colocar, no comando de serviços públicos cruciais (do ministério da Saúde à proteção das terras indígenas), funcionários dispostos a contrariar a própria natureza das funções que exerciam para seguir com “fidelidade e obediência” as ordens do “capitão”.
Esta subordinação – que evidentemente persiste – de parte dos militares a uma corrente política golpista precisa ser apurada e revertida, inclusive para preservar as Forças Armadas. A desocupação dos cargos públicos indevidamente preenchidos precisa ser completa – assim como apurado e punido o apoio de comandantes a atos golpistas. Bem distinto, porém, parece ser o projeto do ministro da Defesa, Múcio Monteiro, como explica Gilberto Maringoni. Filiado ao PTB de Roberto Jefferson e Padre Kelmon, e com origem política na Arena (partido de sustentação à ditadura pós-64), Múcio foi nomeado por Lula numa espécie de acordo com os comandantes militares bolsonaristas. Este aceno pacificador evidentemente fracassou. Não bastasse seu passado, o ministro contemporizou todo o tempo com os golpistas. Qualificou seus acampamentos de “manifestações democráticas”. Disse ter neles “amigos e parentes”. Acobertou e alimentou, na prática, o complô entre extremistas e militares. Precisa ser substituído por alguém disposto a desbolsonarizar as Forças Armadas. O processo pode começar, como sugere o ex-deputado Manuel Domingos Neto, com a investigação e responsabilização de três oficiais claramente identificados com os acontecimentos de ontem: Júlio César Arruda, comandante do Exército; Gonçalves Dias, chefe do Gabinete de Segurança Institucional; e o tenente-coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, comandante do Batalhão da Guarda Presidencial.