De uma só vez, Segurança Social atira nove imigrantes timorenses para as ruas de Lisboa
Foi-lhes dado um ultimato: ou aceitavam ir para um qualquer canto desconhecido do país, onde não lhes era assegurado acompanhamento, ou lhes era retirado o único apoio até aqui prestado: um teto. Desumanidade, descoordenação e manifesta insuficiência: assim se regem as políticas de acolhimento de imigrantes.
Lisboa “ganhou” na segunda-feira mais nove sem-abrigo, o mais novo com dezanove anos. Estão a dormir em tendas cedidas pela sociedade civil. À chuva. A história de cada um deles tem contornos distintos, mas uma matriz comum: um sistema e instituições desumanos que não se compadecem com os direitos de quem procura uma vida digna.
Não são os primeiros sem-abrigo timorenses a morar nas ruas de Lisboa. Depois de um grupo alargado de mais de 40 pessoas a viver no largo do Martim Moniz, também o Terreiro do Paço, junto ao cais fluvial, chegou a acolher perto de 70 pessoas. O longo período em que estes imigrantes estiveram sem respostas adequadas daria para escrever várias linhas, ou talvez vários artigos, mas agora urge falar sobre o presente, e sobre os desafios com que nos defrontamos.
As nove pessoas estavam alojadas na pensão Beirã pela Segurança Social (SS). No passado dia 13 de janeiro foi realizada uma reunião, nas instalações da Segurança Social na Avenida de Berna, em Lisboa, que contou também com a presença de representantes do Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Durante este encontro, foi comunicado aos cidadãos timorenses que, se não aceitassem ir para local desconhecido fora de Lisboa, ser-lhes-ia retirado o apoio prestado, que se resumia ao alojamento no estabelecimento já citado.
De acordo com os seus relatos pormenorizados, algumas destas pessoas tiveram o cuidado de explicar que já passaram por locais para onde têm sido encaminhados, pelo ACM, imigrantes timorenses, como é o caso de unidades em Fátima e Fundão. Nesses sítios, não lhes foi prestado apoio no que respeita à sua inserção no mercado laboral, e também não tiveram auxílio no que respeita ao seu processo de regularização e obtenção de documentos. Também tiveram oportunidade de referir que, ao serem enviados para sítios recônditos, veem a sua mobilidade totalmente cerceada, já que não dispõem de qualquer meio financeiro para assegurar as deslocações. Permanecer ad aeternum num local onde a sua vida se limita a comer e dormir é um luxo ao qual estas pessoas não se podem prestar, na medida em que têm dívidas associadas às despesas da viagem para Portugal que pendem sobre as suas cabeças, e que a digna sobrevivência das suas famílias depende do seu esforço em autonomizarem-se.
Acresce que assinalaram que já têm procurado ativamente trabalho em Lisboa, que já têm entrevistas agendadas, e que na capital usufruem de uma rede de apoio de associações e coletivos que não encontraram noutras regiões.
Por ironia, os dois elementos mais novos têm agendamentos no CNAIM - Centro Nacional de Apoio a Integração de Migrantes na próxima quinta-feira, para efeitos de obtenção do número de identificação fiscal (NIF). Ambos, assim como outros elementos que compõem o grupo, têm de se deslocar aos Registos Centrais de Lisboa para acompanharem o seu processo de obtenção de nacionalidade. Isto porque a maioria destes jovens tem direito à nacionalidade portuguesa(link is external), mas os seus processos arrastam-se, em alguns casos, desde 2018/2019. Ou há mais anos ainda.
Todos estes argumentos foram insuficientes para que SS e ACM repensassem a sua decisão. Na segunda-feira, os nove timorenses foram atirados para as ruas de Lisboa, permanecendo em situação de sem abrigo - sem teto. Atualmente, estão a dormir em tendas na freguesia de Arroios. Entretanto, a presidente da respetiva junta, que, por acaso, assistiu à sua instalação, prontamente afirmou que o espaço onde se encontram vai ser “limpo” antes do final do presente mês, pelo que se adivinha que, mais uma vez, o seu paradeiro será incerto.
É importante referir que estes cidadãos foram colocados inicialmente na pensão Beirã pela 144 - Linha Nacional de Emergência Social (LNES), e o seu alojamento foi posteriormente assumido pelo núcleo local da Segurança Social de Lisboa. Isto porque a Santa Casa da Misericórdia se recusou, como tem vindo a fazer reiteradamente, a dar a apoio a estes cidadãos. Na Unidade de Atendimento à Pessoa em Situação de Sem-Abrigo (UAPSA), para onde já se dirigiram vezes infindáveis imigrantes timorenses, é alegado que existe um acordo que desresponsabiliza a SCML nestes casos, e que, portanto, os imigrantes timorenses não são elegíveis para os apoios desta entidade.