Diego Pautasso* | Outras Palavras | #
Publicado em português do Brasil
Introdução
Lula se encontra não apenas
diante do imperativo da reconstrução nacional, mas de retomar o protagonismo
internacional do Brasil. Esse desafio se torna particularmente complexo tendo
em vista a transição sistêmica e a crescente competição sino-estadunidense.
1. Notas sobre a visita aos EUA
No dia 10 de fevereiro, o
presidente Lula visitou Joe Biden, chefe de Estado dos EUA. Na delegação
brasileira, além do presidente, foram a Washington os ministros Mauro Vieira
(Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente),
Anielle Franco (Igualdade Racial), o Assessor Especial, embaixador Celso
Amorim, o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento Econômico e
Comércio, Márcio Elias Rosa, e o senador Jaques Wagner.
Antes do encontro com o
presidente Biden, Lula concedeu entrevista exclusiva a Christiane Amanpour, da
rede CNN. Nela, abordou temas diversos, tais como os ataques à democracia no
Brasil, o papel dos militares na política, os processos contra o ex-presidente
Bolsonaro, a guerra na Ucrânia, a polarização política e a força da extrema
direita, bem como temáticas ambientais.
A questão democrática certamente
foi um ponto que aproximou os dois presidentes. Os episódios golpistas do 8 de
Janeiro em Brasília e os paralelos com o processo que culminou com a invasão do
Capitólio em Washington, em 2021, revelaram a necessidade recíproca de isolar a
extrema direita. Lula, apesar do grande apoio nos círculos internacionais de
poder, precisa fortalecer sua legitimidade interna, dado que boa parte do
empresariado e das classes médias são fortemente anti-lulistas, e ter força
para enfrentar a oposição bolsonarista no Parlamento.
Contudo, há divergências nessa
agenda democrática. Biden organizou uma Cúpula pela Democracia, em dezembro de
2021, dirigindo seu discurso contra países não-alinhados, notadamente China,
Rússia, Irã e Venezuela. Já Lula, apesar do interesse na frente democrática
voltada contra a ascensão da extrema-direita, segue seu pragmatismo e o
princípio de não intervenção em assuntos domésticos. Não apenas isso, Lula
demonstrou não aderir à linha de tentar isolar Venezuela e Cuba e ainda se
opõem às sanções estadunidenses como forma de lidar com estes países.
Além da democracia, o encontro
trouxe ainda outros temas para a agenda bilateral, tais como as questões
ambientais, em especial a questão climática; de investimentos produtivos,
sobretudo em energia limpa; e de direitos humanos, em particular no combate à
pobreza e ao racismo. Na Declaração Conjunta, entre outros indicativos, “se
comprometeram a revitalizar o Plano de Ação Conjunta Brasil-EUA para a
Eliminação da Discriminação Racial e Étnica”; “reconhecem o papel de liderança
que o Brasil e os EUA podem desempenhar por meio da cooperação bilateral e
multilateral, inclusive sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança
do Clima (UNFCCC) e o Acordo de Paris”; e decidiram discutir “o combate ao
desmatamento e à degradação, o fortalecimento da bioeconomia, da implantação de
energia limpa, das ações de adaptação e a promoção de práticas agrícolas de
baixo carbono”1.
O presidente Lula disse ainda que
o presidente Joe Biden se dispôs a participar do Fundo Amazônia com valor
estimado em US$ 50 milhões. O fundo, criado há 15 anos para financiar ações de
redução de emissões provenientes da degradação florestal e do desmatamento na
Amazônia, conta com doações internacionais e já recebeu recursos da Noruega e
Alemanha. Lula deixou claro, porém, ao falar com a imprensa na frente da Casa
Branca, residência oficial do governo norte-americano, que não quer
“transformar a Amazônia em um santuário da humanidade” nem abrir mão da
soberania brasileira sobre a região.
Lula disse ainda que o Brasil se
auto-marginalizou nos últimos quatro anos, pois Jair Bolsonaro “não gostava de
manter relações com nenhum país” e “menosprezava relações internacionais”.
Segundo Lula, Bolsonaro é uma cópia fiel [de Trump]. Não gosta de sindicatos,
não gosta de trabalhador, não gosta de mulheres, não gosta de negros, não gosta
de conversar com empresários, não gosta de falar com a imprensa”2.
Ao término da fala de Lula, Biden sorriu e disse ser muito familiar – em alusão
ao modo de fazer política de seu antecessor.
O pragmatismo e experiência de
Lula juntos não permitiram que Biden pautasse a reunião. O atual presidente
estadunidense pressionou para que o Brasil tomasse partido ao lado de Zelenski
na Guerra na Ucrânia. Contudo, o presidente Lula já havia negado o envolvimento
no conflito na reunião com o presidente francês, Emmanuel Macron, e com o
chanceler alemão, Olaf Scholz, na semana passada, em visita recente a Brasília.
Lula não apenas rejeitou em ambos os casos, como seu intento de criar um grupo
de países para buscar a paz. O presidente brasileiro deixou claro em coletiva à
imprensa que não vai aderir a uma Nova Guerra Fria – e inclusive já marcou
visita à China.
Lula também se encontrou com os
deputados democratas Pramila Jayapal (Washington), Alexandria Ocasio-Cortez
(Nova York) e Sheila Jackson Lee (Nova York) na Blair House e, ainda, o senador
Sanders, do Partido Democrata. Sanders e Lula destacaram o imperativo de
fortalecer as bases da democracia, com destaque para os riscos da
desinformação. Tanto Trump quanto Bolsonaro basearam suas atuações políticas na
disseminação de fake news e no enfraquecimento das instituições estatais.
O que se observa claramente é que
os EUA estão disputando a posição internacional do Brasil agora com o novo
governo Lula. É sabido que a influência brasileira é expressiva em toda a
região sul-americana e que a atual diplomacia brasileira deve convergir com os
movimentos internacionais voltados ao fortalecimento da ordem multipolar. Para
Lula, não se tratava de obter grandes conquistas dos EUA – que estes parecem
sem condições de ofertar, como ficou claro. O objetivo é estabelecer um bom
canal de diálogo e evitar que os EUA se transformem num empecilho à
movimentação global da diplomacia brasileira.