sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Portugal | A ingratidão e usura dos bancos portugueses

António Capinha | Diário de Notícias, opinião

Caiu o Carmo e a Trindade quando o Partido Socialista apresentou no Parlamento, na sequência da discussão do Orçamento de Estado, uma proposta para que fossem anuladas as comissões que os bancos aplicam quando os seus clientes reembolsam à respectiva entidade bancária o valor dos empréstimos que fizeram para adquirirem a sua habitação.

Numa primeira fase o PS propôs a anulação total dessas comissões. Mas, num segundo momento, a pressão da Associação Portuguesa de Bancos e as intervenções públicas de vários presidentes de bancos a criticarem a posição do PS, levou a um recuo socialista que veio depois propor que essa redução não fosse além de um tecto máximo de 0,5 por cento. E, em má hora, os socialistas “deram o braço a torcer” e alteraram a sua posição.

Bem sabemos o que a “casa gasta” nesta história de bancos, onde bailam os cifrões, os lucros são astronómicos e as comissões sobre as contas bancárias dos cidadãos surgem do nada, de mansinho, perdidas no meio dos extractos, sem que por vezes o cliente de um banco consiga antever uma explicação lógica para as mesmas. Experimentem olhar com atenção para o vosso extracto bancário e por lá encontrarão, perdidas no meio de parcelas dos movimentos bancários, um ror de taxas e taxinhas que os bancos aplicam. Querem alguns exemplos? Há comissões sobre a própria conta, comissões sobre os cartões de débito ou de crédito, comissões sobre gestão de crédito privativo, sobre movimentos de numerário, sobre os cheques, sobre as ordens permanentes de transferências bancárias, sobre transferências a crédito. Isto, entre muitas outras! Enfim, como sabemos muito bem, quem dirige os bancos não são, propriamente, “meninos de coro” e não lhes escapa uma oportunidade para aplicarem aos cidadãos comissões e taxas “por dá cá aquela palha”.

Dir-se-á que estes são os instrumentos naturais utilizados pela banca para obterem o justo ganho e lucro da sua actividade. E, de facto, são! Contudo, o problema é que há no sector bancário lucros exagerados que deixam qualquer comum mortal de “queixo caído”. 

Os cinco maiores bancos portugueses – Caixa Geral de Depósitos, BCP, Santander, Novo Banco e BPI – obtiveram lucros de 3,9 mil milhões de euros nos primeiros nove meses de 2024. Nada mais do que uma subida de 19% relativamente ao mesmo período de 2023 e o dobro (leram bem) do registado nos mesmos nove meses em 2022.

Vale a pena passar o olhar sobre os lucros de cada um dos bancos, sempre no período de Janeiro a Setembro de 2024. Ora vejam! Na CGD os lucros atingiram os 1,369 milhões de euros, uma subida de 39% relativamente ao mesmo período do ano anterior. O Santander registou 778 milhões de euros de lucro, uma subida de 25,2%. O BCP teve lucros de 714,1 milhões de euros e assinalou, assim, ganhos de mais 9,7% relativamente ao ano anterior e, finalmente, o Novo Banco sinalizou lucros de 610 milhões de euros.

Portanto, há boas almofadas financeiras na banca portuguesa. Esse facto resultou da subida das taxas de juro decididas pelo BCE para combater a inflacção. Mas, nem por isso, os bancos subiram o valor dos juros que pagam aos seus clientes pelos depósitos a prazo. E, apesar dos muito significativos ganhos, ainda despediram trabalhadores. Em 2023 foram dispensados 331 funconários bancários e os postos de atendimento ao público reduzidos em 26 por cento. 

Há na relação da banca com o público uma enorme dose de ingratidão para não lhe chamar outra coisa. Os portugueses, com os seus impostos, em nome da sobrevivência do sistema financeiro, têm pago os desmandos na gestão de alguns bancos, de que é expoente máximo os 3950 milhões de euros entregues ao BES/Novo Banco para reparar os disparates do antigo DDT (dono disto tudo), Ricardo Salgado.

Foi, praticamente, inexistente a ajuda que os bancos deram às famílias durante o período das subidas de taxas de juros em que o valor mensal dos pagamento dos créditos à habitação se tornou insuportável para quase todos os que tinham pedido dinheiro emprestado à banca para a aquisição de habitação própria. Não há, pois, justificação financeira para esta posição dura que a banca tomou sobre as comissões de quem quer e, felizmente, tem condições para devolver aos bancos o dinheiro que pediu emprestado para a compra de sua casa. Ingratidão e usura é, então, a classificação que se pode dar à atitude da banca portuguesa. 

* Cartoon em Periferias

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