terça-feira, 3 de maio de 2011

O “ARCO DE CRISE” EM DIRECÇÃO A ÁFRICA




MARTINHO JÚNIOR

Dois acontecimentos mediáticos violentos e relevantes, separados por escassas horas, ocorreram:

- O ataque à residência de Kadafi em Tripoli, Líbia.

- O pretenso abate de Bin Laden em Abbottabad, no Paquistão (cidade a norte de Islamabad).

De entre as múltiplas leituras que se podem fazer relativamente a esses dois acontecimentos mediáticos de “primeira água”, há três que me parecem relevantes:

- Que o clímax emocional conseguido à escala global propicia de forma estratégica às forças coligadas ocidentais desencadear mais ofensivas ao longo dos próximos anos, incrementando desde já as suas acções, tirando partido dos efeitos psicológicos obtidos, das expectativas de resposta por parte de radicais não necessariamente islâmicos, ou islamizados e das constantes manipulações “sob controlo” que estão em vigor abrangendo para já sobretudo o espaço do mundo árabe.

- Que o “arco de crise” se alargue a ocidente, tendendo a penetrar profundamente em África, onde atingiu um dos principais produtores africanos de petróleo (a Líbia) e, a sul do Sahara, ainda que numa conjuntura distinta, um país chave para a África Ocidental (a Costa do Marfim).

- Que em relação a África, onde as sequelas da Conferência de Berlim continuam evidentes e onde proliferam elites mais ou menos afins, geradas pelo espectro do capitalismo, o campo está fértil, mesmo que alguns líderes procurem respostas apelando à unidade continental, condenando as sucessivas intervenções “cirúrgicas” contra Kadafi, ou propondo políticas de diálogo e de concertação.

Vários indícios de que a coligação ocidental sob a égide norte americana tem sido montada implicando subidas de patamar da fasquia organizacional, estrutural e tecnológica podem ser recolhidas desde a segunda eleição de George W. Bush, a começar pelos sucessivos “records” dos orçamentos para a Defesa e Serviços de Inteligência norte americanos e iniciativas afins dos seus aliados.

De entre as questões organizacionais e estruturais, são de relevo a criação ou revitalização de três Comandos do Pentágono: o CYBERCOMMAND, o AFRICOMMAND e o USSOUTHCOMMAND (com a reentrada em vigor da IVª frota naval).

São também de relevo as acções francesas que levaram à criação duma base no Golfo Pérsico (onde mantêm importantes unidades navais), à participação na primeira linha das acções na Líbia e na Costa do Marfim (o que é esclarecedor do seu empenho neo colonial e servilismo ao “diktat” norte americano na vastidão da antiga África Francófona).

A componente tecnológica não leva apenas às possibilidades militares de utilização de satélites, de sofisticados sistemas de comunicação, ou dos aviões não tripulados.

As ingerências podem ser multiplicadas desde as possibilidades de interferência de comunicações, até ao lançamento de planos massivos de mensagens via twitter, via facebook, ou por via de outros dispositivos da Internet, intimamente associadas ao trabalho psicológico de massas e adaptadas aos momentos específico de cada uma das “revoluções coloridas”, em cada país.

O comportamento dos média de referência indiciam o que está a acontecer nesse campo, por exemplo: o ênfase que é dado aos acontecimentos na Líbia em contraste com o silêncio imposto às ocorrências no Bahrein… por exemplo: a visibilidade conferida ao Egipto enquanto Mubarak esteve no poder e a diminuição progressiva de intensidade dessa visibilidade em relação ao processo que se lhe seguiu, quando os militares assumiram o controlo da situação e passaram ao domínio sobre o poder…

Houve uma evolução significativa do tempo das primeiras “revoluções coloridas” padronizadas no âmbito da “Open Society”, de acordo com o tandem George Soros – James Baker, uma evolução que as integrou nas condutas operativas tácticas e estratégicas, aproveitando as suas capacidades, mas multiplicando-as com a aplicação e utilização de novas tecnologias, tirando partido da panóplia de satélites, associada aos agentes no terreno, recrutados nas “novas gerações”.

As elites africanas que se formaram ao longo dos últimos vinte anos, estimuladas pelos interesses e conveniências das multinacionais afins ao império, apesar de começarem a estar alerta em relação à força das ingerências que se vão expandindo no “arco de crise” em direcção a ocidente, sabem que estão a pisar um terreno política, económica e socialmente minado, que tende a explorar contradições evidentes, (entre elas contradições entre gerações), o que aumenta o potencial dos riscos.

A previsão de riscos aliás, parece estar muito além das possibilidades de conhecimento dos africanos, mesmo aquelas elites mais expeditas: de facto os factores organizacionais, estruturais e tecnológicos conferem ao império possibilidades de ingerência e manipulação incomensuráveis e imprevisíveis face às imensas vulnerabilidades africanas.

Na Líbia as primeiras coisas conseguidas, antecipando a iniciativa rebelde, foram:

- O não pagamento de dívidas do petróleo e do gás por parte de muitos países receptores, o que é muito importante para a União Europeia, a braços com uma crise prolongada que afecta agora o euro e a estabilidade; muitos dos enredos entre governantes europeus e Kadafi enquadram-se nesse contencioso.

- O congelamento e o uso para fins próprios de fundos financeiros colossais, que deu seguimento a essa “linha”; alguns desses fundos provavelmente foram já aplicados no conflito em benefício dos rebeldes líbios aliados e agentes da OTAN.

Os ganhos estratégicos conseguidos na Líbia, precisam que as alterações em relação á cúpula do regime de Kadafi cheguem tão cedo quanto o possível e o mandato conseguido a partir do Conselho de Segurança da INU, é uma cobertura legal que confere todas as vantagens tácticas nesse sentido; resta agora que a tecnologia resolva o mais rapidamente possível, já que este momento psicológico é o ideal…

As sucessivas tentativas de matar Kadafi, tentativas obsessivas que se vão incrementar tirando partido das vantagens psicológicas correntes, são extremamente sensíveis: sem Kadafi e as figuras principais do seu regime, está garantido que os fundos líbios jamais terão retorno ao país de origem e que as dívidas de petróleo e gás jamais serão pagas.

O fim do regime abrirá a porta estratégica da Líbia, não só na direcção do petróleo e do gás explorados aos mais baixos custos, mas no controlo da água fóssil que existe abaixo do deserto, assim como a outras riquezas, entre elas o urânio que não se esgota no Níger…

A Líbia tem na sua posição geográfica de proximidade à Europa, um poder de atracção geo estratégico extra.

As tentativas da Unidade Africana de pôr fim aos combates e partir para o diálogo entre as partes, resultou e resultará num patético esforço que não terá em princípio qualquer tipo de audiência, será como que um brado no deserto, daí a renitência dos rebeldes em aceitá-la agora que a OTAN persegue Kadafi sob pretexto de atacar postos de comando de suas “operações contra civis”…

Na pior das hipóteses, que cada vez se vai tornando a menos provável, a Líbia poderá ser dividida, mantendo a OTAN na Cirenaica uma “testa de ponte” estratégica, com base nas raízes históricas e sociais da monarquia que ali teve início sob a forma de Emirato, tirando partido da situação tribal.

Uma Líbia dividida pode ser muito importante para se continuar o “jogo africano”, explorando as sequelas da Conferência de Berlim e de outros Tratados coloniais de conveniência, entre eles o de Simulambuco.

Em relação a esse tipo de cenários a considerar, Angola indicia pois ser presa que pode não ser posta de parte: terá a oportunidade da sua hora, particularmente em relação ao caso de Cabinda.

Os Estados Unidos não esqueceram a derrota de Henry Kissinger e da CIA em 1975, a derrota das forças obedientes à estratégia na disputa de Angola, quando perderam sobre o 11 de Novembro as batalhas de Cabinda, de Kifangondo e do vale do Keve e as possibilidades de colocar no poder em Luanda os seus agentes e aliados...

Pela força das armas não conseguiram obter resultados em 1975, mas as vantagens que possuem neste momento, um momento em que indiciam manipulações sem limites escoradas na sua enorme capacidade organizativa, estrutural e tecnológica, para além das vantagens obtidas nos relacionamentos para com Angola e no terreno à volta de Malongo, podem até levar os Estados Unidos a mover interesses intermédios, entre eles a França, no sentido de incrementar as ingerências em Cabinda de forma a tornar muito difícil a posição do governo angolano.

A proverbial pouca eficácia do governo angolano em lidar com os assuntos relativos ao espaço geográfico que constitui Cabinda, espelhada na decisão da última mudança de Governador Provincial, pode criar condições para facilitar as imensas possibilidades de ingerência, por vezes surgidas de áreas e entidades aparentemente “inocentes”, “independentes”, ou com “imaculada roupagem ética”…

Cabinda não é só petróleo, não é só ouro, não é só madeira… é também urânio…

Deter poder sobre um Koweit desses enquanto plataforma de acesso e ingerência extra, apontada à nevrálgica bacia do Congo, é evidente que é um projecto que não é só dirigido a Angola.

A década corrente trará para o império ingerências nunca antes experimentadas e o baixo custo das operações em África são aditivos que ele não pretende desaproveitar, em relação a um renovado apetite para com todas as suas riquezas naturais!

O “arco de crise” evolui para dentro de África!

Martinho Júnior - 02 de Maio de 2011

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