quinta-feira, 30 de junho de 2011

CUIDADOS MENTAIS POR DIVULGAR




MARIA CAETANO – PONTO FINAL (Macau)

A terapia coerciva dos distúrbios mentais está regulamentada em Macau há 12 anos. Mas os especialistas entendem que a lei não é suficientemente conhecida. As baixas taxas de internamento compulsivo não acontecem por falta de pacientes.

A Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau organiza amanhã, pelas 19h no Clube Militar, um debate sobre os aspectos ético-legais do tratamento compulsivo dos distúrbios mentais. O encontro “com interesse para as comunidades médica e jurídica”, decorre com a participação do psiquiatra Carlos Duarte e do jurista Rui Cascão em torno do Regime da Doença Mental, e dos pressupostos para a imposição de internamento ou ambulatório coercivo a pacientes diagnosticados com perturbações graves do foro psicológico.

A legislação local que enquadra a protecção da pessoa portadora de distúrbio mental data de 1999, replicando o modelo da lei de saúde mental portuguesa adoptada pouco tempo antes, e ainda permanece actual para o psiquiatra Carlos Duarte, que tem vindo a produzir alguns estudos sobre a matéria.

O especialista entende porém que, 12 anos após a entrada em vigor do diploma, este carece ainda de divulgação, tal como parece indicar a baixa taxa local de recurso ao tratamento compulsivo de distúrbios mentais.

O clínico é co-autor de um estudo publicado em 2006 na revista científica da Ordem dos Médicos de Portugal, a “Acta Médica Portuguesa”, no qual se faz um historial analítico da dados relativos aos tratamentos compulsivos ordenados no território durante os primeiros cinco anos de aplicação da lei. O artigo, assinado com outros cinco especialistas chineses, conclui que entre 1999 e 2004 apenas ocorreram 24 casos de pedidos de internamento, com uma taxa máxima de 1,7 doentes forçados a tratamento por cada 100 mil pessoas.

“As quotas e taxas dos tratamentos compulsivos afiguram-se inferiores às verificadas, por exemplo, na União Europeia”, concluiu o documento, onde se reconhece a importância de um mecanismo que permite “iniciar terapêuticas que, de outro modo, seriam inviáveis e ultrapassar situações perigosas”.

A situação manter-se-á actualmente. Num outro estudo a ser publicado em breve pela “Revista de Ciências de Saúde de Macau”, o psiquiatra indica que “as reduzidas quotas e taxas de internamentos compulsivos apontam para a possível existência na RAEM de uma quantidade apreciável de pessoas que não efectuam TC [tratamento compulsivo] apesar de apresentarem critérios para fazerem estes tratamentos”.

O autor, afecto ao serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar Conde de São Januário – o único do território –, considera por isso fundamental familiarizar os profissionais de saúde com a regulamentação vigente, de forma a que estes estejam capacitados para identificar pacientes em risco.

De acordo com a lei, o internamento ou tratamento em ambulatório compulsivos podem ser decretados em caso de “distúrbio mental grave”, quando o indivíduo em causa possa criar “uma situação de perigo” para si próprio ou para outros e recuse submeter-se a tratamento. O mecanismo também pode ser accionado quando o portador de distúrbio não tenha “discernimento” para dar consentimento à terapêutica e o seu estado de saúde se possa agravar “de forma acentuada”. O internamento ou tratamento carece de autorização judicial e da autoridade de saúde pública – apenas no primeiro caso há revisão periódica da situação dos pacientes, obrigatória a cada dois meses.

No período analisado no estudo publicado pela revista da Ordem dos Médicos de Portugal, dos 24 pedidos de internamento verificados, e recomendados por psiquiatras, todos foram autorizados. A maioria, 14, disse respeito a indivíduos do sexo masculino e a esquizofrenia foi também o principal diagnóstico a motivar o pedido, verificando-se em 15 casos. O internamento urgente deu-se em 18 situações. O recurso ao tratamento ambulatório ocorreu nas restantes seis situações.

“O internamento compulsivo concluiu-se com os doentes clinicamente melhorados quando da alta hospitalar em 23 casos”, refere o artigo de 2006, realizado pela equipa da unidade de psiquiatria do São Januário. Em apenas um caso se deu a fuga de um paciente, não diagnosticado com psicose, mas com “um perturbação aguda de stress” – o internamento destinava-se a reduzir o risco de suicídio.

Médicos lusófonos de Macau organizam convénio

A Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau, constituída no ano passado, acolhe em Novembro próximo um encontro de clínicos lusófonos num convénio que irá também formalizar a adesão da organização à Comunidade dos Médicos de Língua Portuguesa (CMLP) – grupo internacional da iniciativa da Ordem dos Médicos de Portugal que integra profissionais de saúde portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos e cabo-verdianos. 

A reunião terá um programa científico de dois dias, com a realização de vários workshops e palestras, recebendo o apoio da Fundação Henry Fok. Com a adesão à CMLP, os médicos lusófonos do território – mais de quatro dezenas que integram a associação – pretendem servir de “ponte” entre a China e os países de língua portuguesa na área da medicina, de acordo com Dulce Trindade, uma das fundadoras da organização local. “Queremos que a nossa associação seja um veículo de apoio a outras comunidades”, explicou, dando como exemplo a possibilidade dos profissionais locais apoiarem a formação de clínicos nos países africanos, no Brasil e em Timor-Leste.

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