quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Portugal: RACIONAR A VIDA

 

Luís Rainha – i online, opinião
 
Uma idosa cai e fractura o colo de um fémur. No hospital, a sua família recebe uma breve lição dos factos da vida, ainda que tartamudeada por meias palavras: naquela idade talvez não valha a pena uma cirurgia onerosa. Esta pode nem resultar, deixando, de qualquer forma, a senhora acamada para o resto (escasso, é bom de ver) dos seus dias. Como toda a gente sabe ou imagina, isto acontece quotidianamente. E não é de agora, destes dias em que tudo, da dignidade à decência, tende a ser cada vez mais racionado.
 
Há semanas, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida produziu um parecer em que abordou o “actual racionamento implícito” na administração de terapias. Expondo o carácter “inaceitável” de decisões sujeitas a subjectividades e a “contingências múltiplas”, propondo modelos transparentes para a escolha de prioridades, capazes de conviver com a inevitável economia de meios.
 
Do Zé da Esquina à Ordem dos Médicos, tudo bramou contra tal ideia. “Aberração ética”, “desumano”, processos aos médicos envolvidos... o “racionamento” ficou anatematizado como invenção do demo, fazendo-se de conta que não é habitual – mesmo sem normas escrutináveis. Em suma: pratica-se, mas é feio falar disto em público.
 
Ah, falta o fim da história verídica. Após um telefonema para amigos no ministério, a operação da septuagenária ficou marcada num piscar de olhos. Dez anos volvidos, a senhora ainda anda por aí, viva e móvel. É o direito à saúde dos bem relacionados. Sem racionamentos.
 
Escreve à quarta-feira
 

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