Ana Sá Lopes – i online, opinião
Como é possível que
a Europa do Sul não discuta em conjunto a saída do euro?
Com a honrosa
excepção da famosa fotografia tirada em vestido de noite, que mais à frente se
reproduz, a imagem de Angela Merkel é um prodígio de identificação com o velho
estereótipo da “fraülein” – a preceptora de meninos dura e castigadora. Também
este cliché contribui para personalizar no rosto do poder alemão a aversão a
uma política que está a atirar a Europa para uma recessão profunda, a Grécia,
Portugal, Espanha e Itália para as trevas e a própria Alemanha para o
crescimento zero.
E, no entanto, se amanhã
Merkel desaparecesse do mapa político alemão, tudo ficaria na mesma na Europa.
O problema é mais profundo e é incurável – está em curso uma espécie de guerra
de secessão europeia, com a Mitteleurope, a Finlândia e Holanda de um lado e o
Sul pecaminoso e católico do outro. A Europa é hoje uma casa dividida – como
Lincoln chamou aos Estados Unidos no outro tempo. A única diferença é que esta
não tem cura.
A crise do euro tem
servido para trazer ao de cima tudo aquilo que esteve recalcado nos últimos 50
anos no Norte da Europa, porque havia uma urgência primacial: esquecer o
nazismo, inventar uma unidade política despojada do Mal que promovesse a
reconciliação da Alemanha com os vizinhos e, finalmente, a reunificação alemã.
Agora que o nazismo
está oficialmente esquecido, os europeus do Norte já não precisam de esconder
os seus preconceitos contra o Sul no super-ego ou lá onde é. Os fundadores da
Europa não contaram com isto, na sua ilusão de que todo o esquecimento seria
glorioso.
Digamos que, lá do
sítio de onde ela vem, há muito pior do que Merkel – na semana passada, a
chanceler levou uma reprimenda do seu conselho de sábios económicos por ter
ousado avançar com umas medidas de crescimento.
O Bundesbank não se
contentou que os europeus tivessem decidido criar o BCE à sua imagem e
semelhança – é hoje, mais ainda do que Angela Merkel, um dos mais poderosos
símbolos da ideologia que vai acabar com a Europa, porque o fim desta história
é também o fim da Europa.
O que é mais extraordinário é a total impotência que revelam os povos do Sul – no nosso caso com genuíno síndrome de Estocolmo institucional. Como é que é possível que a Europa do Sul não discuta em conjunto a saída do euro, a única arma de negociação com peso de que dispõe? Tal como está, o euro vai matar o Sul da Europa e dar pouca saúde ao Norte. Esperar uma mudança substancial na Alemanha é sonhar com ladrões.
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