sábado, 26 de outubro de 2013

ANGOLA E PORTUGAL, QUE PARCERIA?...

 


Eugénio Costa Almeida* - Novo Jornal - publicado em Pululu
 
O senhor presidente da República, José Eduardo dos Santos, em discurso pelo Estado da Nação, no início da 3ª sessão legislativa da 2ª legislatura, abordou várias matérias sendo que um provocou um quase caos institucional nas relações luso-angolanas quando afirmou que nas actuais relações entre os dois Estados o ambiente ”não aconselha à construção da parceria estratégica antes anunciada”.
 
Recorde-se que esta parceria surgiu após uma cimeira entre os dois presidente das repúblicas angolana (Eduardo dos Santos) e portuguesa (Cavaco e Silva) e teve como base a simpatia e respeito mútuos que os dois estadistas mantêm entre si. Uma parceria que foi abordada e assinada pelos dois citados estadistas mas que nunca – não vejo em espaço algum da memória cibernética acerca deste dado –, nunca, dizia, tenha sido ratificada pelos dois parlamentos nacionais.
 
Ora, como pode o senhor presidente falar num processo institucional que nunca passou de boas intenções e de um papel subscrito sobre o respeito mútuo presidencial? Na realidade, o presidente Eduardo dos Santos só esclareceu a comunidade interna e lusófona que estava a mandar às urtigas uma proposta que nunca teve o condão de ver publicada em jornais oficiais e ratificadas pelos dois presidentes como mandam as respectivas constituições.
 
Por isso quando a polémica, surgiu com particular destaque em Portugal, quando fui contactado por diferentes órgãos comunicacionais portugueses, enquanto Investigador, e só neste cargo, afirmei sem qualquer dúvida que esta afirmação de Eduardo dos Santos foi mais para consumo interno que, propriamente, para o espeço lusófono.
 
E por falar em espaço lusófono, que não será o mesmo que lusofonia, não esquecer o editorial do Jornal de Angola, do início desta semana, onde colocava, claramente, a questão de momento, ou a ancestral questão que perpassa pelos angolanos; o que é a Lusofonia e a quem lhe interessa? Recordemos como a expressão nos soa a neocolonialismo em parte, devido às políticas de Champs-Élysées e de Quai d’ Orsay quer nas suas antigas colónias, quer junto dos Estados que aderiram à francofonia. Daí que os angolanos tenham alguma certa urticária sempre e quando se fala não em países lusófonos mas só em lusofonia.
 
E voltando à referida polémica, porquê consumo interno? Recordemos que tudo teve início na polémica entrevista – só o foi para a comunicação social lusa – de Rui Machete, Ministro dos Estrangeiros português à RNA quando referiu – violando quer segredo de justiça, quer conhecimentos obtidos na sua função profissional – que os processos que incidem sobre personalidades angolanas estariam arquivados. E isto sem se dar ao trabalho de perguntar à PGR.
 
Ora é aqui que as makas começam. Em Portugal, como em todos os países claramente democráticos, há uma total separação de poderes entre o Judicial e o Governativo. Não quer dizer que estes não tentem, por vezes e não poucas vezes, imiscuir-se nos assuntos internos um do outro. E é esta separação clara que não temos no nosso ordenamento.
 
E isto é o que parece não entender alguns dos nossos dirigentes políticos e alguns dos nossos comunicadores.
 
Também se esquecem que há normas comunitárias que determinam que certas transferências bancárias, a partir de um certo montante, sejam efectuadas por quem quer que sejam, têm sempre de ser investigadas. E Portugal, face ao seu nº 3 do artigo 8º da sua Constituição, subsume automaticamente todas as directivas comunitárias como é o caso de investigação de transferências bancárias.
 
É certo que os tais processos andam há demasiado tempo a passinho de caracol nas gavetas da justiça portuguesa. Talvez que esta pedrada no charco faça as coisas moverem-se com mais celeridade e prontidão.
 
É que a actual situação ou falta de uma efectiva parceria entre os dois Estados não interessa a ninguém. Nem aos governantes portugueses que continuam a precisar de Angola como suporte financeiro e económico para melhorar as suas contas públicas (somos o 4º parceiro comercial e o primeiro fora da União Europeia) como Angola não pode ver os seus investimentos serem postos em causa (há cerca de 3000 milhões de euros – varia conforme a flutuação bolsista – colocados em empresas portuguesas por parte de investidores angolanos).
 
É altura dos dois presidentes voltarem a se juntar e conversarem sem sentirem os ventos que abundam pelos lados da Rua Ginga ou de certos senhores que só falam alto quando o presidente fala. E nem deverão esperar pela cimeira de Fevereiro que, como já foi dito – apesar daqueles senhores dizerem o contrário –, até pela diplomacia nacional, mantém-se agendada.
 
A Angola também convém manter parcerias com todos os Estados e não com centrar só em dois ou três. Não podemos esquecer que queremos ser uma potência regional credível e directora.
 
©Artigo de Opinião publicado no semanário angolano Novo Jornal, secção “1º Caderno” ed. 301 de 25-Outubro-2013, pág. 21)
 
*Angolano, Africano e Investigador do CEA/ISCTE-IUL
 
Eugénio Costa Almeida* – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.
 

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