Die
Welt, Berlim – Presseurop – foto AFP
A colocação sob
escuta do telemóvel de Angela Merkel prova sobretudo uma coisa: o descontrolo
dos serviços secretos dos Estados Unidos, após os ataques de 11 de setembro,
ganhou claramente proporções alarmantes.
É provável que
Vladimir Putin tenha ido para a cama, na noite passada, com um sorriso de
orelha a orelha. De facto, as revelações de que os serviços secretos
norte-americanos terão escutado
conversas telefónicas privadas da chanceler alemã começam por parecer uma
brincadeira.
Um chefe de Estado
europeu que nunca manifestou atitudes antiamericanas ao longo da sua carreira
política, que defendeu fortemente o eixo transatlântico, é colocado sob escuta
pelos norte-americanos? No Kremlin, devem ter-se rebolado a rir.
No entanto, na
presente situação, esta notícia clamorosa não parece desprovida de fundamento.
As reações da Chancelaria Federal e da Casa Branca sugerem que, pelo menos, a história revelada pelo Spiegel
não é uma efabulação. Embora seja ainda muito cedo para avaliar a extensão do
escândalo, temos já uma ideia de algumas questões que levanta.
Atitude paranoica
Que crédito dá o
BND [os serviços secretos alemães] a essas escutas? Para começar, era bom saber
a razão pela qual esta incrível “quebra de confiança” não foi descoberta pelas
autoridades alemãs, mas por jornalistas. Considerará o BND que a colocação sob
escuta do mais poderoso dirigente político da Europa é um caso de somenos
importância?
Depois, há que
perceber quem controla os serviços secretos dos Estados Unidos. Angela Merkel
não é a primeira chefe de Estado a quem isto acontece. A Presidente do Brasil,
Dilma Rousseff, está manifestamente na
mira da NSA [os serviços de informação dos EUA] – e cancelou mesmo, em
setembro, uma visita oficial aos Estados Unidos.
Passados poucos
dias, o embaixador dos Estados Unidos em França foi convocado
pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em Paris, porque havia suspeitas de
espionagem industrial dos EUA, a coberto da luta contra o terrorismo.
A questão foi
levantada por Peer Steinbrück, candidato às eleições alemãs, durante a recente
campanha eleitoral. Muitos consideraram, então, uma atitude paranoica. Hoje,
parece que era uma desconfiança mais do que legítima.
Coesão política
ameaçada
O facto de a
República Federal da Alemanha ser tributária da proteção dos Estados Unidos,
isso de forma alguma autoriza a potência protetora a colocar-se acima da lei e
das regras diplomáticas. Nos Estados Unidos, o descontrolo dos serviços
secretos a partir dos ataques de 11 de setembro ganha claramente proporções
alarmantes. Este tipo de práticas mina os valores e a coesão política do
Ocidente.
É muito cedo para
avaliar as implicações políticas deste escândalo. Será ainda possível acreditar
nos protestos de Washington, que alega não passar tudo de um mal-entendido?
Provavelmente não. Quando os chefes de Estado são transformados em alvos, não
se trata de um acaso, mas de uma estratégia cuidadosamente amadurecida. O caso
das escutas da NSA pode ter repercussões políticas consideráveis e levar a um
espetacular encontro de placas tectónicas dos dois lados do Atlântico.
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