quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Angola: VERGONHOSA LÓGICA DA BATATA NA LEI DA BATOTA

 

William Tonet – Folha 8, 2 novembro 2013
 
É o fim da pi­cada, a de­mocracia de gema, de José Eduardo dos Santos, conseguiu transformar o que se pode considerar como o órgão fundamen­tal e imprescindível de todas as democracias do mundo que se respeitem, a Assembleia Nacional, em peça decorativa, uma espécie de “eunuco políti­co” quase impotente. As­sim o disse, um polémico, mas escolhido jurista de inversões dos factos e da norma jurídica, quando em causa, está uma von­tade, mesmo que essa, colida com os interesses mais gerais da lógica e dos cidadãos. Quando o juiz relator do Tribunal Constitucional, Raul Araú­jo decidiu do pedestal da sua autoridade, através do Acordão 361/2013 de 09 de Outubro, negar aos deputados da Assembleia Nacional, o poder de in­terpelarem, os membros do executivo, segundo o Regimento Interno, em vigor, não prestou tão so­mente um mau serviço ao direito, mas fundamental­mente ao futuro da estabi­lidade da nossa incipiente democracia. É um autên­tico machado de guerra, vir-se, só agora, dizer aos eleitores, ser o parlamento um teatro de marionetes.
 
Mais grave, Raul Araújo e os juízes que o secunda­ram, com este Acórdão, assumiram ser uma treta a tão apregoada separação de poderes, mandando esse instituto, vergonho­samente, para a lama, por comprometimento com a norma ideológica. Adul­terados desta forma os institutos da interpretação jurídica o nosso sistema constitucional demonstra ser muito frouxo e estar totalmente dependente aos ditames partidocratas.
 
Como jurista, sinto-me tão envergonhado que não consigo acreditar no facto de Raúl Araújo, detentor de argumentos jurídicos bastantes, se preste a tão baixa banalidade e vulga­ridade substantiva na aná­lise de um facto de fácil enquadramento. Transfor­mar um órgão não eleito, como o Presidente da Re­pública, em detentor de amplos poderes, contra o órgão eleito democratica­mente: Assembleia Nacio­nal é apunhalar a norma jurídica.
 
O art.º 109.º da Consti­tuição é esclarecedor; “é eleito Presidente da Repú­blica e Chefe do Executi­vo o cabeça de lista, pelo círculo nacional, do par­tido político ou coligação de partidos políticos mais votado no quadro das elei­ções gerais, realizadas ao abrigo do artigo 143.º e se­guintes da Constituição”.
 
Em 2012 não houve a rea­lização de eleições presi­denciais face ao atipismo da Constituição de Feve­reiro de 2010, logo, o ca­beça de lista do partido vencedor deveria confor­mar-se com o ritual legis­lativo e não o contrário, para assumir as funções na Presidência da Repú­blica.
 
Neste quadro, as excessi­vas competências e supre­macia, atribuídas ao pre­sidente José Eduardo dos Santos, eleito primeiro, na qualidade de deputado, para só depois, assumir funções como chefe do poder executivo.
 
Mais comentários para quê?
 
Neste departamento, não pode, por mais medroso e bajulador que seja o ba­talhão, evocar supremacia constitucional, a um órgão acessório, eleito na chapa de um órgão democratica­mente eleito, sob pena de, se tornar num juiz semea­dor e promotor da instabi­lidade social.
 
Ao atribuir exclusividade de interpelação dos minis­tros e pares, ao Presiden­te da República, destapa o exercício arbitrário de funções de JES, que não tomou posse como depu­tado, tão pouco renunciou ao mandato, violando o art.º 149.º da CRA, que considera incompatível o mandato de deputado com o exercício de fun­ções como Presidente da República.
 
O Tribunal Constitucional faz pois, uma adulteração do domínio do facto e no caso o vertido no Acordão trouxe insegurança jurídi­ca, porquanto se a interpe­lação tiver de ser feita, na ausência dos auxiliares, quem teria o domínio do facto completo seria o Presidente da República.
 
Mas este “trungungu” de concentração de poderes é uma faca de dois gumes, como lembra Moreira Franco, se os ministros são meros auxiliares e há prova material contra quem comanda uma ac­ção, a teoria é despicien­da. As provas por si só já servem para condenar e, conforme o nível de par­ticipação do protagonista na condução dos actos delituosos, as penas serão agravadas.
 
A aplicação da teoria do domínio do facto, face a essa concentração bajula­dora de responsabilidade governativa, já levou os antigos presidentes da República, Rafael Videla da Argentina e Alberto Fujimori do Peru, às bar­ras do tribunal e a perda dos mandatos. Embora os crimes tenham sido prati­cados pelos seus subordi­nados, estavam estes sob seu comando, logo, no caso angolano, com esta interpretação constitu­cional, o responsável de todos os actos praticados pelos membros do execu­tivo e até mesmo do legis­lativo, será o Presidente os Santos.
 
O que o juiz Raul Araú­jo fez, pode parece bom para o MPLA e seu líder, mas a médio e longo pra­zo é uma passarela oleosa, assente em sofisticações teoréticas, quando deve­ria basear-se na justeza da norma, face aos ganhos da sua eficácia, uma vez o di­reito dever ser inteligível pela sociedade, pois a cla­reza de um juiz do Tribu­nal Constitucional, atesta a fidalguia da separação de poderes.
 
O direito corre risco de sucumbir e resvalar para a sarjeta, se continuar a atentar contra a demo­cracia. Em nome da paz, da conciliação e da recon­ciliação, entre os povos angolanos, devem ser co­locados fora de bordo de­cisores partidocratas, pe­los malefícios que causam a estabilidade social, como visionários da desgraça colectiva.
 
Em todo o caso, doravan­te, os deputados não pode­rão mais questionar a go­vernação, por esta medida abusivamente sustentada pelo Tribunal Constitucio­nal, retira indirectamen­te aos eleitores o direito, por exemplo, de saber por que razão foi preso um inocente e porquê, aquele que matou, roubou ou vi­rou proxeneta profissional (chulo), continua escorrei­to a passear de jipe pelas ruas de Luanda.
 
Além disso, nunca mais vai faltar luz ou água em Angola, porque, quando o problema se levantar por excesso de apagões e fal­tas de água, essa questão já estará em vias de reso­lução sem que seja possí­vel obter a mais pequena informação credível, por­que as respostas que antes eram dadas aos deputados nesse exercício democrá­tico de perguntas ou audi­ções aos ministros, antes da aprovação da actual Lei Constitucional, deixou de fazer parte da faceta, mais decorativa do que prática, do nosso espaço político. Numa palavra, Angola é prenhe de analfabrutos e só uma elite de profissio­nais alcandorados a rebo­que são “constituciona­listas” e só eles acreditam saber ler nas entrelinhas o texto da Lei Magna. Os outros que vão à escola! O TC decidiu, está decidido!
 
Angola não aguentará por muito mais tempo esta es­tratégia ditatorial, mesmo se socorrendo de decisões jurídicas atípicas.
 
Angola não aguenta mais esta palhaçada, estando pois na hora dos ver­dadeiros angolanos di­zerem: “let’s move on” (vamos em frente), mo­bilizando-nos contra o poder de uma tirania, que se escuda, em uma mino­ria de militantes/juízes, segundo as suas conve­niências, para subverter a fragilidade do actual Esta­do Democrático e de Di­reito, que auguramos ver implementado.
 

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