sexta-feira, 22 de novembro de 2013

QUEM QUER O QUÊ?

 

Diário de Notícias, editorial
 
Quando se fala de Portugal e da sua saída do programa de assistência (PAEF) em curso, afinal, quem é que verdadeiramente traduz fielmente o pensamento e a ação da Comissão Europeia (CE)? É que, num mesmo dia, assistimos a três posições contraditórias.
 
Olli Rehn, o comissário europeu para os Assuntos Económicos, louvou-se na redução para metade dos défices públicos na Europa e, reconhecendo serem ainda incipientes os sinais de viragem da economia europeia, decretou ter chegado a hora de abrandar o ritmo das quedas futuras dos défices de Estado na União Europeia e de apostar em medidas que reforcem o crescimento económico e a criação de emprego.
 
Por seu lado, o relatório da CE com as conclusões das 8.ª e 9.ª avaliações insiste na necessidade de atingir sem falhas as metas traçadas para 2014 e assinala mesmo os obstáculos que teriam de ser superados se alguma das medidas de corte na despesa pública viesse a provocar novo veto do Tribunal Constitucional, complicando, segundo a CE, a perceção dos credores quanto à capacidade de Portugal poder regressar autonomamente aos mercados da dívida.
 
Finalmente, as sempre solícitas fontes anónimas da troika, entre elas as da burocracia central de Bruxelas, vão mais longe, sussurrando à imprensa financeira global que a desconfiança é a moeda de troca perante Portugal e que os credores hesitam em esperar novo resgate ou um programa cautelar na saída do PAEF, no próximo mês de junho.
 
Em que ficamos? Trava-se, mantém-se a velocidade ou acelera-se a contração orçamental? O que quer afinal a CE de Portugal e dos portugueses? Bem precisamos que acertem o discurso e clarifiquem a sua posição, no fim da próxima vinda a Lisboa, daqui a duas semanas.
 
A defesa da Constituição
 
Nunca como nos últimos anos, a pretexto do ajustamento imposto, a Constituição da República Portuguesa e o Tribunal Constitucional (TC) estiveram tão sob escrutínio. De um lado, o Governo e os seus aliados pressionam para que a interpretação do texto fundamental seja o menos restritiva possível. Do outro, as oposições pressionam, igualmente, para que a Constituição se cumpra e o Presidente da República e os juízes do Palácio Ratton a façam cumprir. A democracia também é feita destas tensões.
 
A Constituição, como é óbvio, não deve nem pode ser sacralizada e, muito menos, considerada imutável. Mas, num Estado de direito, não pode, em circunstância alguma, deixar de ser respeitada. E aquilo a que temos assistido durante o consulado da troika em Portugal, a coberto da "situação de emergência", é, no mínimo, uma tentativa de atropelo do texto constitucional que só não é mais grave porque os juízes do TC têm cumprido a missão para que foram empossados: verificar a conformidade das normas aprovadas com a Constituição.
 
É evidente que se trata de um manifesto exagero pretender afirmar que aquilo que se tem passado nos últimos anos é uma ameaça à democracia. Aliás, a tentação da retórica radical, que ontem se ouviu na Aula Magna, é que representa um mau sintoma para o regime. Porém, e em nome da responsabilidade, é bom não desvalorizar os sucessivos episódios de ataque às instituições democráticas. Sobre este assunto, aquilo que importa dizer é que quem considera que a Constituição está desajustada e deve ser alterada tem a obrigação de apresentar propostas e promover os consensos necessários à sua revisão. Mas enquanto isso não acontece, manda o dever que se cumpra a Lei que está em vigor.
 

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