quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Portugal: Trabalhadores transferem para as empresas dois mil milhões por ano

 


Grupo de investigação da Universidade de Coimbra coordenado por Carvalho da Silva revela impacto do novo Código do Trabalho.
 
Micael Pereira - Expresso
 
No seu primeiro relatório anual, com quase 300 páginas e que é apresentado esta quarta-feira, o Observatório sobre Crises e Alternativas fez uma análise quantitativa inédita que chegou a um número: os trabalhadores passaram a transferir todo os anos para as empresas 2,1 a 2,5 mil milhões de euros do rendimento que tinham.
 
A equipa de investigadores do observatório, que faz parte do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, tem estado a estudar a crise desde a primavera do ano passado com o objectivo de apresentar soluções alternativas. Foi nesse contexto que calculou a perda de rendimentos dos trabalhadores e a poupança conseguida pelas empresas com as alterações introduzidas em 2012, com o novo Código do Trabalho.
 
"O conjunto das alterações, cujo impacto foi estimado, parece ter uma dimensão inesperadamente semelhante ou superior ao efeito pretendido com a alteração da TSU (Taxa Social Única), que visava reduzir os custos salariais das empresas", lê-se no relatório.
 
"Na altura, a redução de 23,75 para 18% dos encargos patronais, por contrapartida da subida dos encargos dos trabalhadores de 11 para 18%, pretendia obter um acréscimo de rendimentos das empresas de 2300 milhões de euros. Ou seja, um valor da mesma ordem de grandeza do impacto das alterações introduzidas com as alterações ao Código do Trabalho em 2012."
 
No capítulo dedicado às reformas laborais e à desvalorização do trabalho, o terceiro do relatório, o grupo de investigadores coordenado por Manuel Carvalho da Silva, antigo secretário-geral da CGTP, admite que a estimativa até foi "calculada por defeito", uma vez que não tem em consideração "o impacto da criação de bancos de horas nas empresas na redução do trabalho suplementar remunerado, bem como de um conjunto diverso de requisitos legais associados aos custos de pessoal".
 
Menos 20,8% de descanso
 
De acordo com as contas dos investigadores, um dos aspectos com maior impacto nessa transferência de rendimentos do trabalho para o capital tem a ver com "o corte no tempo de lazer do trabalhador e na sua transformação em tempo de trabalho". A eliminação de quatro feriados, três dias de férias e do descanso compensatório pelo trabalho suplementar "provocaram em termos médios um corte de 20,8% do tempo de descanso dos trabalhadores, sem qualquer compensação adicional".
 
O relatório conclui que ao fim de um ano os trabalhadores passaram a dar às empresas mais 7,9 dias úteis de trabalho sem qualquer tipo de compensação.
 
José Reis, professor catedrático de Economia, escreve na nota introdutória do documento que o estudo da Universidade de Coimbra assume "a austeridade como uma forma de economia política, que conheceu alternativas nas fases iniciais de gestão da crise, mas que a seguir passou a ser sistematicamente formulada tendo em vista agir sobre o modelo social e político, revolucionando-o estruturalmente através do modo como considera o trabalho e o Estado". Para os investigadores, a austeridade não é nem uma "necessidade técnica e transitória" nem uma "condição funcional para uma fase seguinte".
 
Com o título "A Anatomia da crise: Identificar os problemas para construir as alternativas", o relatório é apresentado esta quarta-feira à tarde durante uma sessão na Fundação Calouste Gulbenkian. Além dos investigadores e de uma palestra de Boaventura Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, a sessão inclui uma mesa redonda com Isabel Guerra, João Ferreira do Amaral, Vieira da Silva e Silva Peneda.
 
Criado em abril de 2012, o Observatório sobre Crises e Alternativas tem cerca de 20 investigadores envolvidos e parte do seu financiamento depende de um grupo de doadores, que inclui empresas e fundações. Carvalho da Silva, o seu coordenador, é responsável pelo polo do CES em Lisboa desde 2011. Doutorou-se em 2007 e desde 2009 que é investigador da Universidade de Coimbra. Em 2012 deixou de ser secretário-geral da CGTP, cargo que ocupava desde 1986.
 
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