Leocardo – Hoje Macau, opinião
I - Macau é a Meca
do jogo, dizem. Blasfémia: Macau é a Sodoma e Gomorra do jogo. O jogo é a
principal fonte de receitas de Macau, é o que mostram os números. Facto: a
economia de Macau está perigosamente dependente do jogo. O jogo é um
entretenimento, e é possível jogar “de forma responsável. Puro engano: o jogo
vicia, destrói famílias, arruína vidas, e está na origem dos tipos de crime
mais violentos, e em números que teimam a aumentar. O problema da criminalidade
não tem a ver com o tráfico de droga ou de pessoas, com o trabalho ilegal,
crimes passionais e outros de faca e alguidar. Os delitos mais graves, mais
chocantes e desumanos vão quase sempre parar ao jogo, e basta abrir os jornais
para comprovar isso mesmo. São filhos que roubam dos pais, amigos que se
enganam, famílias destruídas, raptos, homicídios, assaltos à mão armada, o
drama, a tragédia, o horror, como dizia um conhecido jornalista português. Já
alguém se incomodou a contar quantos casos de roubo, burla e abuso de confiança
estão directa ou indirectamente relacionados com o vício e com as dívidas ao
jogo? As autoridades nada mais podem fazer do que ocorrer onde o mal já está
feito, e ironia das ironias, até um alto quadro das Forças de Segurança foi
apanhado recentemente a jogar no casino, quando o seu estatuto não lhe permite
que o faça. É uma realidade que a proliferação de casinos no território foi
benéfica para os cofres da RAEM, o que é óptimo para a quem eles tem acesso e
ainda melhor para as operadoras e os seus executivos, os de cá e os do outro
lado do planeta, os “cowboys” do quase falido faroeste do Nevada. E o que
ganhamos nós com isso, a não ser os subsídios, cheques anuais, vales de saúde e
outras papas e bolos com que enganam os tolos, e que nos vão chegando a
conta-gotas? Podíamos questionar quem de direito sobre o que pensam fazer
quando a brincadeira acabar, e formos apanhados com as calças na mão, com uma
geração de mão-de-obra jovem a quem não ensinaram mais nada a não ser que o
jogo “é uma perspectiva de carreira interessante” – aliás, é praticamente a
única. Mas não, isso dá muito trabalho. O melhor é ficar a olhar para a manada
de elefantes a levar tudo pela frente, enquanto tentamos apanhar algumas
bananas que vão saltando da selva que vai sendo esmagada. E já agora fazendo
figas para não sermos pisados.
II - Portugal ficou
mais pobre no domingo com o desaparecimento de Eusébio da Silva Ferreira, o
“Pantera Negra”, um mito que atravessa três gerações de portugueses e de
amantes do futebol, e não só. Quando se fala do futebol como arte e evento que
arrasta multidões, era Eusébio quem punha o “rei” em “desporto-rei”. O
mediatismo que rodeou a sua morte, que fez capa na imprensa dos quatro cantos
do mundo, e foi no dia seguinte a terceira notícia mais lida na página da
Yahoo!, faz-nos sentir culpados de não termos valorizado aquele património em
forma de atleta e de homem. Por acaso alguém se lembrou dele aquando daquela
foleirice que foi a eleição do “Maior Português” aqui há uns anos? Não, ninguém
se lembrou. Ganhou Salazar. Temos o que merecemos, e somos pequeninos em tanta coisa,
que até na hora de dar o devido valor a quem o merece revelamos a nossa
pequenez. Só que Eusébio era maior que tudo isto, e foi embaixador mesmo em
nome de quem não quer saber de embaixadas, nem percebe nada de diplomacia. Uma
amiga macaense disse-me ter ficado surpreendida por ver tanta gente a chorar
pela morte de um jogador. Respondi-lhe que faz todo o sentido, pois afinal não
há por aí tanta gente que chora ao ver telenovelas ou filmes? Pelo menos o
Eusébio era bem real, e mais que um mero jogador de futebol com uma carreira
que durou 15 anos, é como homem um daqueles exemplos que continuamos a recusar
imitar. Ele parte com a consciência tranquila de quem fez o que pode, e pode
agora descansar no panteão dos deuses, ao lado do restantes imortais.
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