domingo, 19 de janeiro de 2014

O “HERÓI” ARIEL SHARON

 


José Goulão – Jornal de Angola, opinião
 
Ariel Sharon, ex-primeiro ministro de Israel, morreu com as mãos manchadas de sangue de milhares de inocentes.
 
O secretário-geral das Nações Unidas chamou-lhe “herói”, com a nuance de ser “um herói para o seu povo”, isto é, acobardou-se nas palavras que deveria usar, no cargo que ocupa, para qualificar um cabo militar e um chefe político que fez carreira a violar resoluções da ONU e direitos humanos.

Um pouco por todo o mundo, através do monstruoso aparelho de propaganda que não apenas distorce como chega a inverter a realidade, aparece agora quem se esforce por reescrever a história recorrendo ao método viciador de fazer da morte numa borracha que apaga defeitos e crimes.

Ariel Sharon não foi um homem de paz, muito menos um herói. Ariel Sharon foi um homem da guerra, da morte e da recusa dos direitos humanos como forma de fazer política, e foi também um cobarde – como todos os que usam e ab0usam do poder e da força contra os inocentes e os indefesos.

Ariel Sharon não foi o “homem de paz” que ordenou a retirada de Gaza e a saída dos colonos israelitas deste território palestiniano. Fê-lo sim, mas não em nome da paz.

Olhem para a situação em que está a Faixa de Gaza: uma terra que apodrece, onde se morre da agressão externa e das carências internas provocadas por um cerco cruel e interminável. As decisões de Sharon transferiram os soldados israelitas para o lado de fora do cerco e determinaram a saída dos colonos para que pudesse ser implantada a nova estratégia de guerra que existe desde então. Em vez de uma ocupação passou a ser uma lenta liquidação, uma tortura permanente de milhão e meio de pessoas.

Ariel Sharon foi o homem da invasão do Líbano em 1982, uma guerra que pretendia “relâmpago” e na qual, ao fim de mais de 80 dias, não conseguiu alcançar todos os objectivos. Num país com a capital arrasada e dezenas de milhar de mortos depois – civis na sua esmagadora maioria - estabeleceu-se um acordo, com mediação dos Estados Unidos, para interromper a matança. Sharon, contudo, não saciara a sede de sangue e, numa acção de vingança ao estilo das hordas nazis, o “herói” decidiu quebrar o cessar-fogo patrocinado pelo seu maior aliado e permitiu que os soldados sob o seu comando cercassem os campos de refugiados palestinianos de Sabra e Chatila, onde milícias fascistas libanesas – na verdade um corpo do exército israelita – chacinaram milhares de pessoas indefesas e expatriadas, principalmente mulheres, velhos e crianças.

Um inquérito oficial em Israel comprovou as responsabilidades de Ariel Sharon na matança. O “herói” pareceu retirar-se, mas dez anos depois, com Benjamin Netanyahu e Isaac Shamir, estava à cabeça das manifestações de colonos e bandos de arruaceiros, em Jerusalém, que antecederam o assassínio do primeiro-ministro Isaac Rabin e, através dele, do processo de normalização de relações entre israelitas e palestinianos. Daí, Sharon catapultou-se para primeiro-ministro, onde congelou as negociações ditas de paz e acelerou a colonização, a lenta anexação que impede qualquer respeito pelos direitos dos palestinianos. Provocou situações que forçaram os palestinianos à segunda Intifada, as suas políticas encorajaram os sectores anexionistas do Grande Israel, do fundamentalismo religioso, da xenofobia, da transformação de Israel num Estado de muros, bantustões e apartheid. Esta é a herança de Sharon.

Ariel Sharon partiu sem que a chamada comunidade internacional tivesse mexido um dedo para avaliar se os seus actos eram passíveis de ser considerados crimes de guerra e contra a humanidade.

A Justiça esqueceu-se dele e, sobretudo, da memória e das razões das suas vítimas. Sharon, sendo quem foi, fazendo o que fez, esteve acima da lei, do direito internacional e nunca deixou de pertencer à elite dos dirigentes democratas e do “mundo livre”.

Assim não se estranha que a democracia, liberdade e direitos humanos sejam palavras ocas nas bocas dos chefes mundiais.

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