sábado, 18 de janeiro de 2014

Observatório Político Social Angolano exibe ‘cartão vermelho’ ao Executivo

 

Mário Paiva – Diário Angolano
 
Um orçamento expansionista com as contas públicas a registar um défice na orla dos 630 mil milhões de Kz, o primeiro saldo negativo desde 2009, equivalentes a 4,9% do PIB, permitindo uma derrapagem das contas públicas ao optar pela aposta no investimento em detrimento da poupança - estão entre as principais críticas contidas na posição da OPSA (Observatório Político Social Angolano) face ao OGE 2014.
 
Num documento divulgado no início deste ano, o OPSA realiza o seu tradicional diagnóstico do Orçamento Geral do estado (OGE) 2014, desta feita depois da provação pela Assembleia Nacional, naquilo que se vem tornando uma referência ao nível da sociedade civil, trazendo para o espaço público e descodificando um tema do maior interesse nacional.
 
O OPSA suscita novamente reflexões sobre a vulgarização de lugares-comuns do discurso oficial relativos ao reflexo automático das despesas no sector social no aumento do desenvolvimento humano e indaga-se sobre a natureza do modelo de desenvolvimento subjacente ao OGE - "já que não são suficientemente notórias realizações comprometidas com uma luta radical contra a pobreza"?
 
A repetida inclusão no "sector social 2 além das tradicionais rubricas da educação e saúde, de despesas com subsídios aos combustíveis, considerada mais uma medida de beneficência dos segmentos mais ricos do que dos pobres; a excessiva preocupação com os investimentos de betão de maior visibilidade e somenos qualidade e sustentabilidade, assim como o persistente défice no investimento humano - servem para o OPSA ilustrar a crítica de que à disponibilização de maiores verbas nem sempre corresponde maior desenvolvimento.
 
Até porque, desde 1990, Angola apresenta sempre um intervalo entre o lugar no ranking do desenvolvimento humano (153º em média) e o lugar do ranking do PIB per capita (120º em média) - o que se traduz na existência de uma média de 33 países que obtêm melhores resultados com menos dinheiro, em matéria de desenvolvimento humano.
 
Para o OGE 2014, considerando uma taxa de câmbio de Kz 100 por dólar norte-americano, as receitas deverão situar-se nos $47,4 mil milhões USD e as despesas nos $53,8 mil milhões USD, com um défice correspondente de 6,3 mil milhões USD. "Comparando com as estimativas de execução do OGE 2013, em 2014 as receitas aumentam 4,6%, enquanto os gastos públicos sobem 19,3%. O excedente dos 30,5 mil milhões de Kwanzas em 2013 transforma-se no referido défice de 630,3 mil milhões, em 2014, indiciando uma política orçamental fortemente expansionista" - salienta a análise do OPSA.
 
Neste sentido o Observatório alerta para o aumento das pressões sobre a inflação, evitando- se cenários de vulnerabilidade como o ocorrido na crise de 2008, para não colocar em causa os progressos obtidos nesta matéria, sendo digno de nota a descida da inflação para 8,4 por cento em Outubro de 2013.
 
Ainda assim, o OPSA considera exequível a meta do executivo que aponta para uma taxa de inflação no intervalo entre os 7 e 9 por cento em 2014. Entretanto, "o forte crescimento das despesas públicas previsto no OGE 2014 será agravado pela vigência plena das novas regras cambiais que obrigarão as petrolíferas a efectuarem os pagamentos através das contas abertas em bancos nacionais" deverá aumentar a pressão sobre a liquidez na economia, segundo o OPSA. Para o Observatório, "esta dupla pressão volta a pôr em causa a autonomia do BNA (banco central) face ao poder político e jogará um papel decisivo na estabilidade dos preços".
 
MAIS INVESTIMENTO, MENOS POUPANÇA, MENOS TRANSPARÊNCIA
 
No OGE 2014 existe um notório aumento do investimento público em 49,6% para Kz 1.701,2 mil milhões, dos quais Kz 1.270,8 inseridos no Programa de Investimento Público (PIP) que aumenta apenas 11,8% em relação a 2013. Segundo o OPSA "os restantes Kz. 430,4 mil milhões são classificados como outras aquisições que aumentam 143.366,7% face a 2013, sem que o Executivo esclareça a que se referem, o que mostra uma falta de preocupação com a transparência, como tem sido denunciado".
 
Mas a opacidade não fica por aqui. Os investimentos do Estado previstos para 2014 ascendem a Kz. 1.970,9 mil milhões, repartidos por aquisições de bens de capital fixo (kz. 1.964,7 mil milhões), compra de terras ( Kz 3,8 mil milhões) e compra de activos intangíveis (Kz 2,4 mil milhões).
 
O Observatório descobriu um gato escondido com um rabo de fora aqui, pois "feitas as contas, os investimentos inscritos no relatório de fundamentação em Kz. 269,7 mil milhões" para arrematar deste modo: "divergências que o Executivo não esclarece. Como não esclarece porque se destina uma verba tão elevada á compra de terras, um bem que constitucionalmente pertence ao Estado".
 
Trocando em miúdos: o país vai gastar mais no presente OGE, mas corre o risco de mais uma vez não compensar as despesas com a subida de receitas e mesmo com baixos níveis de endividamento, tal situação aumenta a vulnerabilidade caso o preço do petróleo baixe. Este risco aumenta com a derrapagem das contas públicas em 2014.
 
Do lado da receita, apesar do peso do petróleo ter baixado 6,2 pontos percentuais para 69,8%, devido à redução das receitas petrolíferas em 3,9% e ao aumento das receitas não petrolíferas em 31,7%, a dependência do petróleo ainda se mantém em níveis muito elevados, mostrando "que a diversificação da economia não está a traduzir-se numa diversificação das fontes de receita do Estado" - salienta o OPSA
 
GASTAR DINHEIRO PÚBLICO À TOA
 
No início do ano de 2014 fomos atraídos pela ideia de um exercício elementar mas oportuno: confrontar as opções do OGE já aprovado e analisado por diferentes forças políticas e sociais, com o discurso governamental, a prática e alguns desafios que se colocam em determinados sectores. Em Angola fala-se bonito, mas faz-se do pior e gasta-se muito dinheiro público à toa. Em matéria de educação, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, admitiu, ele próprio, na sua mensagem de Ano Novo à nação divulgada a 27 de Dezembro, ser "de facto, urgente inverter a actual pirâmide do sistema de formação, em que se regista um número dez vezes maior no ensino superior do que no escalão profissional de base".
 
A constatação e os factos não são novos. A gravidade reside na repetição desta opção errada pois, o orçamento do ensino superior sobe 17,7 mil milhões de Kz, ou seja 20,9% em relação a 2013, com um orçamento superior em cerca de 10% ao ensino secundário.
 
Por conseguinte, aparentemente parece existir um "consenso" entre o poder político e a sociedade civil sobre as consequências negativas desta aposta massiva num ensino superior sem qualidade e orientação, em termos estratégicos de desenvolvimento humano e mesmo como resposta ao mercado de trabalho. Há aqui, como igualmente se constata no relatório do OPSA, não só uma ausência de correcção desta opção pelo governo, mas também passividade por parte de organizações da sociedade civil ou instituições vocacionadas para a defesa dos direitos da criança e de promoção da educação.
 
A "inversão" a que se referia o PR pode ser ilustrada do seguinte modo: como se explica ao país, o facto de com a despesa pública a aumentar em 19,3%, a população a crescer a uma taxa anual superior a 3%, se reduziram os valores das dotações orçamentais para o ensino primário em 33% e do secundário em 2,3%, com o ensino superior a subir em 20,9%? Pior: como explicar que 12 anos depois do fim da guerra, a rubrica "Defesa, Segurança e Ordem Pública" tem uma dotação orçamental três vezes superior?
 
O desafio nesta matéria, a exemplo de outras, é uma mudança de opções de política, que a opinião pública gostaria de conferir num orçamento revisto e com outros modelos de desenvolvimento. A avaliar pelos números e considerações apresentados nesta análise do OPSA e de outras fontes, as incongruências na distribuição das fatias do bolo orçamental parecem tornar-se sistémicas, logo reflectirem opções concretas que os discursos não conseguem disfarçar.
 
Em matéria de Justiça, por exemplo, apesar do aumento do valor nominal das verbas destinadas aos tribunais de 2013 a 2014, passando de 0,6% para 0,41%, com 30 mil milhões de Kz, o conjunto da fatia orçamental é considerado insuficiente relativamente ao valor global da rubrica "Defesa, Segurança e Ordem Pública" (16,5%) ou, pasme-se quem ainda tiver fôlego, ao da "Casa de Segurança do Presidente da República" que possui uma dotação anual superior ao dobro da destinada pelo OGE ao poder judicial. Um outro sector igualmente importante e muito mais badalado, é o da "Agricultura, Silvicultura, Pesca e Caça" que no OGE 2014 sofre um corte de 20,7% para Kz 59,2 mil milhões, equivalentes a 0,8% dos gastos totais do Estado, segundo o OPSA.
 
Na realidade, segundo dados públicos, desde 2008 que a agricultura é uma parente menor das grandes opções governamentais, sendo a agricultura familiar recorrentemente preterida em favor da agricultura empresarial. "Desde 2009 foram aprovados quase duas dezenas de projectos públicos de produção em larga escala no valor de aproximadamente 100 mil milhões de Kz, que se encontram em diversas fases de implementação e consomem mais de 80% das verbas gastas pelo OGE na produção agrícola" - salienta o OPSA.
 
O Observatório alega que, com raras excepções, estes projectos têm apresentado resultados "pouco animadores em termos de produção e gestão, com erros grosseiros e com enorme falta de capacidade". Para ilustrar, com o caso do Projecto do Algodão do Kwanza Sul que já custou o equivalente a 30 milhões USD, sem produzir sequer uma tonelada, devido ao mau dimensionamento do problema de energia para irrigação.
 
O projecto de produção de milho faliu igualmente, pois os sábios investidores só constataram que a região não tinha condições hídricas para a cultura do milho no sequeiro, depois de realizados os investimentos em equipamentos. Um terceiro mas não menos gravoso exemplo, segundo o OPSA, é "a construção de um matadouro industrial em Camabatela para abate de 200 animais por dia, quando o efectivo da região é de poucos milhares de cabeças e não se perspectiva o seu repovoamento" atempado.
 
Na foto: Novo edificio da Assembleia Nacional de Angola
 

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