Mário Paiva –
Diário Angolano
Um orçamento
expansionista com as contas públicas a registar um défice na orla dos 630 mil
milhões de Kz, o primeiro saldo negativo desde 2009, equivalentes a 4,9% do
PIB, permitindo uma derrapagem das contas públicas ao optar pela aposta no
investimento em detrimento da poupança - estão entre as principais críticas
contidas na posição da OPSA (Observatório Político Social Angolano) face ao OGE
2014.
Num documento
divulgado no início deste ano, o OPSA realiza o seu tradicional diagnóstico do
Orçamento Geral do estado (OGE) 2014, desta feita depois da provação pela
Assembleia Nacional, naquilo que se vem tornando uma referência ao nível da
sociedade civil, trazendo para o espaço público e descodificando um tema do
maior interesse nacional.
O OPSA suscita
novamente reflexões sobre a vulgarização de lugares-comuns do discurso oficial
relativos ao reflexo automático das despesas no sector social no aumento do
desenvolvimento humano e indaga-se sobre a natureza do modelo de
desenvolvimento subjacente ao OGE - "já que não são suficientemente
notórias realizações comprometidas com uma luta radical contra a pobreza"?
A repetida inclusão
no "sector social 2 além das tradicionais rubricas da educação e saúde, de
despesas com subsídios aos combustíveis, considerada mais uma medida de
beneficência dos segmentos mais ricos do que dos pobres; a excessiva
preocupação com os investimentos de betão de maior visibilidade e somenos
qualidade e sustentabilidade, assim como o persistente défice no investimento
humano - servem para o OPSA ilustrar a crítica de que à disponibilização de
maiores verbas nem sempre corresponde maior desenvolvimento.
Até porque, desde
1990, Angola apresenta sempre um intervalo entre o lugar no ranking do
desenvolvimento humano (153º em média) e o lugar do ranking do PIB per capita
(120º em média) - o que se traduz na existência de uma média de 33 países que
obtêm melhores resultados com menos dinheiro, em matéria de desenvolvimento
humano.
Para o OGE 2014,
considerando uma taxa de câmbio de Kz 100 por dólar norte-americano, as
receitas deverão situar-se nos $47,4 mil milhões USD e as despesas nos $53,8
mil milhões USD, com um défice correspondente de 6,3 mil milhões USD.
"Comparando com as estimativas de execução do OGE 2013, em 2014 as
receitas aumentam 4,6%, enquanto os gastos públicos sobem 19,3%. O excedente
dos 30,5 mil milhões de Kwanzas em 2013 transforma-se no referido défice de
630,3 mil milhões, em 2014, indiciando uma política orçamental fortemente
expansionista" - salienta a análise do OPSA.
Neste sentido o
Observatório alerta para o aumento das pressões sobre a inflação, evitando- se
cenários de vulnerabilidade como o ocorrido na crise de 2008, para não colocar
em causa os progressos obtidos nesta matéria, sendo digno de nota a descida da
inflação para 8,4 por cento em Outubro de 2013.
Ainda assim, o OPSA
considera exequível a meta do executivo que aponta para uma taxa de inflação no
intervalo entre os 7 e 9 por cento em 2014. Entretanto, "o forte
crescimento das despesas públicas previsto no OGE 2014 será agravado pela
vigência plena das novas regras cambiais que obrigarão as petrolíferas a
efectuarem os pagamentos através das contas abertas em bancos nacionais"
deverá aumentar a pressão sobre a liquidez na economia, segundo o OPSA. Para o
Observatório, "esta dupla pressão volta a pôr em causa a autonomia do BNA
(banco central) face ao poder político e jogará um papel decisivo na estabilidade
dos preços".
MAIS INVESTIMENTO,
MENOS POUPANÇA, MENOS TRANSPARÊNCIA
No OGE 2014 existe
um notório aumento do investimento público em 49,6% para Kz 1.701,2 mil
milhões, dos quais Kz 1.270,8 inseridos no Programa de Investimento Público
(PIP) que aumenta apenas 11,8% em relação a 2013. Segundo o OPSA "os
restantes Kz. 430,4 mil milhões são classificados como outras aquisições que
aumentam 143.366,7% face a 2013, sem que o Executivo esclareça a que se
referem, o que mostra uma falta de preocupação com a transparência, como tem
sido denunciado".
Mas a opacidade não
fica por aqui. Os investimentos do Estado previstos para 2014 ascendem a Kz.
1.970,9 mil milhões, repartidos por aquisições de bens de capital fixo (kz.
1.964,7 mil milhões), compra de terras ( Kz 3,8 mil milhões) e compra de
activos intangíveis (Kz 2,4 mil milhões).
O Observatório
descobriu um gato escondido com um rabo de fora aqui, pois "feitas as
contas, os investimentos inscritos no relatório de fundamentação em Kz. 269,7
mil milhões" para arrematar deste modo: "divergências que o Executivo
não esclarece. Como não esclarece porque se destina uma verba tão elevada á
compra de terras, um bem que constitucionalmente pertence ao Estado".
Trocando em miúdos:
o país vai gastar mais no presente OGE, mas corre o risco de mais uma vez não
compensar as despesas com a subida de receitas e mesmo com baixos níveis de
endividamento, tal situação aumenta a vulnerabilidade caso o preço do petróleo
baixe. Este risco aumenta com a derrapagem das contas públicas em 2014.
Do lado da receita,
apesar do peso do petróleo ter baixado 6,2 pontos percentuais para 69,8%,
devido à redução das receitas petrolíferas em 3,9% e ao aumento das receitas
não petrolíferas em 31,7%, a dependência do petróleo ainda se mantém em níveis
muito elevados, mostrando "que a diversificação da economia não está a
traduzir-se numa diversificação das fontes de receita do Estado" -
salienta o OPSA
GASTAR DINHEIRO
PÚBLICO À TOA
No início do ano de
2014 fomos atraídos pela ideia de um exercício elementar mas oportuno:
confrontar as opções do OGE já aprovado e analisado por diferentes forças
políticas e sociais, com o discurso governamental, a prática e alguns desafios
que se colocam em determinados sectores. Em Angola fala-se bonito, mas faz-se
do pior e gasta-se muito dinheiro público à toa. Em matéria de educação, o Presidente
da República, José Eduardo dos Santos, admitiu, ele próprio, na sua mensagem de
Ano Novo à nação divulgada a 27 de Dezembro, ser "de facto, urgente
inverter a actual pirâmide do sistema de formação, em que se regista um número
dez vezes maior no ensino superior do que no escalão profissional de
base".
A constatação e os
factos não são novos. A gravidade reside na repetição desta opção errada pois,
o orçamento do ensino superior sobe 17,7 mil milhões de Kz, ou seja 20,9% em
relação a 2013, com um orçamento superior em cerca de 10% ao ensino secundário.
Por conseguinte,
aparentemente parece existir um "consenso" entre o poder político e a
sociedade civil sobre as consequências negativas desta aposta massiva num
ensino superior sem qualidade e orientação, em termos estratégicos de
desenvolvimento humano e mesmo como resposta ao mercado de trabalho. Há aqui,
como igualmente se constata no relatório do OPSA, não só uma ausência de
correcção desta opção pelo governo, mas também passividade por parte de organizações
da sociedade civil ou instituições vocacionadas para a defesa dos direitos da
criança e de promoção da educação.
A
"inversão" a que se referia o PR pode ser ilustrada do seguinte modo:
como se explica ao país, o facto de com a despesa pública a aumentar em 19,3%,
a população a crescer a uma taxa anual superior a 3%, se reduziram os valores
das dotações orçamentais para o ensino primário em 33% e do secundário em 2,3%,
com o ensino superior a subir em 20,9%? Pior: como explicar que 12 anos depois do
fim da guerra, a rubrica "Defesa, Segurança e Ordem Pública" tem uma
dotação orçamental três vezes superior?
O desafio nesta
matéria, a exemplo de outras, é uma mudança de opções de política, que a
opinião pública gostaria de conferir num orçamento revisto e com outros modelos
de desenvolvimento. A avaliar pelos números e considerações apresentados nesta
análise do OPSA e de outras fontes, as incongruências na distribuição das
fatias do bolo orçamental parecem tornar-se sistémicas, logo reflectirem opções
concretas que os discursos não conseguem disfarçar.
Em matéria de
Justiça, por exemplo, apesar do aumento do valor nominal das verbas destinadas
aos tribunais de 2013 a 2014, passando de 0,6% para 0,41%, com 30 mil milhões
de Kz, o conjunto da fatia orçamental é considerado insuficiente relativamente
ao valor global da rubrica "Defesa, Segurança e Ordem Pública"
(16,5%) ou, pasme-se quem ainda tiver fôlego, ao da "Casa de Segurança do
Presidente da República" que possui uma dotação anual superior ao dobro da
destinada pelo OGE ao poder judicial. Um outro sector igualmente importante e
muito mais badalado, é o da "Agricultura, Silvicultura, Pesca e Caça"
que no OGE 2014 sofre um corte de 20,7% para Kz 59,2 mil milhões, equivalentes
a 0,8% dos gastos totais do Estado, segundo o OPSA.
Na realidade,
segundo dados públicos, desde 2008 que a agricultura é uma parente menor das
grandes opções governamentais, sendo a agricultura familiar recorrentemente
preterida em favor da agricultura empresarial. "Desde 2009 foram aprovados
quase duas dezenas de projectos públicos de produção em larga escala no valor
de aproximadamente 100 mil milhões de Kz, que se encontram em diversas fases de
implementação e consomem mais de 80% das verbas gastas pelo OGE na produção
agrícola" - salienta o OPSA.
O Observatório
alega que, com raras excepções, estes projectos têm apresentado resultados
"pouco animadores em termos de produção e gestão, com erros grosseiros e
com enorme falta de capacidade". Para ilustrar, com o caso do Projecto do
Algodão do Kwanza Sul que já custou o equivalente a 30 milhões USD, sem
produzir sequer uma tonelada, devido ao mau dimensionamento do problema de
energia para irrigação.
O projecto de
produção de milho faliu igualmente, pois os sábios investidores só constataram
que a região não tinha condições hídricas para a cultura do milho no sequeiro,
depois de realizados os investimentos em equipamentos. Um terceiro mas não
menos gravoso exemplo, segundo o OPSA, é "a construção de um matadouro
industrial em Camabatela para abate de 200 animais por dia, quando o efectivo
da região é de poucos milhares de cabeças e não se perspectiva o seu
repovoamento" atempado.
Na foto: Novo edificio da Assembleia Nacional de Angola
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