Baptista-Bastos – Diário de Notícias, opinião
Parece-me difícil
alguém poder justificar, com honra e decência, o golpe do PSD em mandar para os
fojos, através de um referendo, a questão da coadopção de crianças, por casais do
mesmo sexo. A indignidade não é atitude nova por aquelas bandas políticas.
Porém, esta mascarada atinge aspectos de ruinoso indecoro. A incomodidade na
bancada do Governo dissimulou-se, muito mal, por receio e cobardia, com
declarações de voto. O descrédito da política aumentou mais um patamar.
O número de
equívocos morais praticado por este Executivo não tem equivalência com a
percentagem de votos fornecida pelas sondagens. Apenas 12 pontos separam o PSD
do PS: a escassa percentagem, além de tranquilizar Passos Coelho, fornece a
dimensão ética e a consciência política da população. É verdade que o País está
sob uma tensão impressionante, numa calculada estratégia de medo, que nos
afugenta das mais elementares imposições da cidadania. Porém, a oposição do PS
é degradante pela ineficácia. No interior daquele partido, o António José
Seguro é já conhecido pelo Tó Zero, o que talvez dê a medida do mal-estar entre
socialistas, defraudados nas esperanças de uma mudança que as indicações tornam
desesperantes.
Fora do domínio
estritamente partidário, que faz o PS de Seguro para cativar as franjas de
eleitores, causticadas pela mais violenta chaga social, de que há memória em
quarenta anos de democracia? Nada. Os juízos socialistas, de que temos vagos
conhecimentos apenas nos comícios, e mesmo assim esfarrapados em estribilhos,
constituem uma perda do objecto e do sentido. A par do abandono da forma
ideológica, a mediocridade do que é dito e afirmado queda-se numa
auto-satisfação tão absurda como burra. Isto dá tanto para o PS como para o
PSD, embora este esteja sustentado por uma doutrina, a neoliberal, e o PS anda
numa deriva insana, com dois padrões definidores, qual deles o pior, entre
Francisco Assis e Augusto Santos Silva.
As hesitações ideológicas
do PS e a sua letargia à acção, estão a esvaziar a identidade de um partido
que, sendo de charneira, não deveria perder a responsabilidade para que foi
criado. Sou do tempo em que, nas manifestações de rua, os militantes gritavam:
"Partido Socialista, Partido Marxista", até ficar comprometido entre
o protesto parlamentar e uma notória opção liberal.
Neste melindroso
caso da coadopção era preciso ultrapassar as balizas da heteronímia, para
afirmar uma autonomia individual, e passar das evasivas para os actos sólidos e
para as palavras firmes e contundentes. A verdade, como nestes e noutros
assuntos, é que não sabemos o que, rigorosa e realmente, pensa o Partido
Socialista. Assim sendo, indefinido e tragicamente ambíguo, ignora ou despreza
os pontos essenciais dos encontros para uma contestação, afinal contida na sua
própria génese.
Estará o
secretário-geral do PS à altura de um desafio tão dilemático como a natureza da
circunstância o exige?
Sem comentários:
Enviar um comentário