Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
José Luís Arnaut
foi ministro de Durão Barroso e de Santana Lopes. Anda nos corredores do poder
há muitos anos e teve direito, claro está, a uma comenda. Nos tempos em que
parecia que Arnaut se dedicava à política, era uma espécie de Relvas que sabia
ler e escrever. Mais polido do que o aprendiz de Tomar, dedicou-se a uma das
mais antigas profissões das democracias: fazer uma ponte entre o mundo dos
negócios e o Estado, quase sempre com vantagem clara para o primeiro. Era e
continua a ser, usando alguma liberdade de linguagem, um facilitador.
A Rui Pena &
Arnaut, sociedade de advogados de que é um dos sócios, esteve ligada à
privatizações da REN e da ANA e envolvida na fracassada privatização da TAP.
Nunca sendo muito claro de que lado joga, como foi o caso da REN, onde o
escritório tinha como cliente da Rede Elétrica Nacional e, em simultâneo,
participava na elaboração das propostas de lei de base e diplomas
regulamentares do novo enquadramento legislativo nos sectores da energia. Essa
é, aliás, uma das funções destes escritórios: autênticos órgãos não eleitos de
produção legislativa para o Estado, sem qualquer verdadeira fiscalização de
conflitos de interesses. A RPA também participou nas negociações dos swaps com
o Estado e representou os interesses da Goldman e da JP Morgan.
Resumindo: o
escritório de José Luís Arnaut é, com mais um ou outro, uma placa giratória
onde os interesses de alguns políticos mais ambiciosos e empresários que
dependem de decisões do Estado se cruzam, num emaranhado de cumplicidades em
que se perde o rasto de quem representa quem e mais não se pode fazer do que
escrever, com cuidado, em textos como este, o que toda a gente sabe: que por
ali se faz o que a democracia não deveria tolerar.
A ida de José Luís
Arnaut para a Goldman Sachs não me choca rigorosamente nada. Não se pode dizer,
desta vez, que alguém mudou de campo. É apenas a conclusão lógica de toda uma
carreira. Fazer lá fora o que já se faz cá dentro é o que se lhe pedirá, como
administrador não executivo daquele gigante bancário, com participação tão
ativa na crise financeira que o mundo vive hoje. Servir de apoio para os
principais clientes em todo o mundo, é o que fazem estes administradores.
Traduzindo para a realidade: sacar das agendas de contactos e pô-las a render.
E a agenda de Arnaut será pequena quando comparada com a de alguns senhores que
lhe farão companhia.
É isso mesmo que lá
fará Otmar Issing. O alemão foi, como membro da Administração do Bundesbank e
do Banco Central Europeu, um dos principais arquitetos dum Euro mal parido e da
catastrófica política monetária europeia. Ou Robert Zoellick, que, depois de
trabalhar no Departamento do Tesouro dos EUA, foi para a Goldman Sachs, da
Goldman Sachs para a presidência do Banco Mundial e do Banco Mundial regressou
para a Goldman Sachs. No meio, trabalhou para a Enron e teve, como
representante dos EUA, um papel central nas negociações para a entrada da China
na Organização Mundial de Comércio. Ou Lord Griffiths, antigo conselheiro de
Margaret Thatcher, grande amigo, na política, dos interesses da banca e autor
da ideia de que devemos "tolerar a desigualdade [promovida pelos brutais
bónus dados aos banqueiros] como uma forma de atingir a maior prosperidade para
todos". Ou o antigo ministro das finanças sueco, o social-democrata Erik
Asbrink, um dos autores dum código de ética empresarial.
Mas os caminhos
paralelos dos organismos públicos, da burocracia europeia e internacional e da
Goldman Sachs são tantos que um texto não chegaria. Basta lembrar Peter
Sutherland, ex-procurador-geral irlandês, comissário europeu para a
concorrência e com um papel central no vergonhoso resgate à banca irlandesa.
Homem que foi diretor não executivo do Royal Bank of Scotland, até este
colapsar e ser, claro, nacionalizado. Chegou a diretor não executivo da Goldman
Sachs. Ou Mario Draghi, atual presidente do Banco Central Europeu. Antes de
regressar ao Banco de Itália foi, entre 2002 e 2005, vice-presidente da Goldman
Sachs. Ou o falecido António Borges, que foi responsável do FMI para a Europa e
conselheiro do governo português para as privatizações (algumas das que Arnaut
também participou). Foi vice-presidente da Goldman Sachs. Ou Mario Monti,
primeiro-ministro italiano nunca eleito (e que, depois, nas urnas, não
conseguiu mais do que 10%). Foi conselheiro sénior da Goldman Sachs. Ou Petros
Christodoulou, que, à frente Banco Nacional da Grécia (privado), e com a ajuda
da Goldman Sachs, participou num esquema para esconder o défice do Estado antes
da crise rebentar. Começou a sua carreira na Goldman Sachs e a última vez que
ouvi falar dele estava à frente da agência governamental da dívida pública
grega.
Resumindo: em todos
os momentos fundamentais da desregulação económica e financeira do mundo e da
Europa e da transformação do projeto europeu no monstro que hoje conhecemos
encontramos gente da Golman Sachs. Generais, como Otmar Issing, Zoellick,
Griffiths, Draghi ou Monti. Ou soldados, como Arnaut. Porque um dos ramos
fundamentais da atividade deste colosso é a compra da democracia, pondo os
Estados a decidir contra os seus próprios interesses, roubando o sentido do
nosso voto e entregando o poder que deveria ser do povo a quem tem dinheiro
para o pagar. São um verdadeiro partido invisível, um poder acima das nações
que regula as nossas vidas independentemente das nossas vontades. Privatiza o
que é nosso, vende lixo aos Estados, armadilha leis, governa em favor de poucos
e premeia quem lhe preste vassalagem.
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