domingo, 23 de fevereiro de 2014

Angola: CHEIRA A GOLPE DE ESTADO, REAL OU FORJADO



Orlando Castro – Folha 8 – 22 fevereiro 2014

EUA e alguns países da União Europeia estão em estado de alerta perante as notícias, es­peculações ou indícios que lhes chegam a partir das suas embaixa­das em Angola. O cenário pós-Eduardo dos Santos faz com que os estados com mais interesses no nosso país estejam com os pelos em pé. Temem que possa, a todo o momento, acontecer o pior, ou seja uma onda de violência que poderá dividir aquele que é, até agora, o principal sustentáculo do regime: as Forças Armadas.

“Na Europa ninguém acre­dita que a saída de Eduar­do dos Santos apazigue os ânimos ou signifique um passo na diminuição das clamorosas assimetrias sociais”, diz ao Folha 8 um eurodeputado português, acrescentando que “uma transição pacífica, seja para o filho de Eduardo dos Santos ou para outro dos seus delfins, significará mais do mesmo, ou seja, a manutenção do status quo do clã presidencial, sendo que o que os angolanos querem acabar é exacta­mente com isso”.

Outro motivo de preocu­pação é a crescente onda de escândalos ou roubos financeiros protagoniza­dos por figuras gradas do regime, quase sem­pre envolvendo altas patentes das Forças Armadas.

Ruben Stewart, especialista norte­-americano em as­suntos militares, nomeadamente em África, afirma ao Folha 8 “que a ala moderada das Forças Ar­madas de Angola, nomea­damente os oficiais supe­riores mais novos, sente-se ultrajada por ver o seu nome ligado a negócios ilícitos, ou imorais, pro­tagonizados por generais que apenas usam a patente para viabilizarem algumas negociatas”.

Este especialista acredita que, em simultâneo, “exis­te uma interrogação sub­jectiva por parte dos mili­tares oriundos da UNITA no sentido de, ao contrário do que desejavam, pensa­rem que não foi para ter um país tão desigual que andaram a combater durante muitos anos”.

Ruben Stewart admite como “plausível” que sejam as pró­prias Forças Armadas a dizer ao Presidente Eduar­do dos Santos que tem, rapidamente, de “alterar o actual estado do país”, pois se “o não fizer, Angola cor­re o risco de voltar à guer­ra ou a uma situação de in­findáveis conflitos sociais”.

Apesar dessa eventualida­de, Ruben Stewart admite um outro cenário, “mais grave e que está no topo dos preocupações dos EUA e, certamente, tam­bém da Europa”, e que pas­sa por uma resposta pura e dura de José Eduardo dos Santos no sentido de man­ter o poder nas suas mãos, “alheando-se de tudo quanto de facto o rodeia”.

“É bem possível que se assista em Angola a uma purga interna, dissimu­lada pelo rótulo de uma rebelião ou golpe de Esta­do, tendo como objectivo a manutenção do poder pelo actual núcleo-duro do MPLA/Eduardo dos San­tos e, dessa forma, con­seguindo facturar alguma benevolência internacio­nal”, afirma Ruben Ste­wart, acrescentando que “para o Ocidente é sempre mais fácil dar o benefício da dúvida aos que estão no poder do que, eventual­mente, arriscar um apoio a quem não conhecem”.

Como aqui já foi escrito, a consciência de que subs­tanciais alterações no po­der no nosso país podem acontecer a todo o mo­mento, seja de uma forma pacífica através da evo­lução na continuidade do regime ou, ainda, por força de uma implosão no par­tido maioritário, o MPLA, fazem com que Angola esteja cada vez mais na agenda política dos nossos parceiros mais relevantes, casos do Brasil, EUA e Eu­ropa.

De acordo com o eurode­putado ouvido pelo Folha 8, “Portugal vai a reboque, preocupando-se apenas com as relações comer­ciais, chutando para canto outros valores que, nos EUA por exemplo, são relevantes, sendo disso exemplo as preocupações com os direitos humanos, a liberdade de expressão ou a alternância governati­va, pedra de toque de qual­quer democracia”.

Também o jornalista bra­sileiro Samuel Afonso considera que, “mau gra­do o apoio oficial dado ao regime angolano, Brasília tem consciência de que a todo o momento serão outros os protagonistas que comandarão Angola”, considerando mesmo “ser inevitável uma revolução primaveril em Luanda, sendo desejo de todos que a mesma se faça de forma pacífica, se bem que não exista essa garantia”.

“E não existe a certeza de uma transição pacífica porque, segundo os relató­rios dos serviços de inteli­gência da maioria dos paí­ses que têm interesses em Angola, o próprio regime equaciona um estratagema para ser ele a inventar um conflito violento para, des­sa forma, se perpetuar no poder”, diz Samuel Afonso.

Perante a cada vez mais inevitável alteração dos protagonistas que gerem o nosso país há várias dé­cadas, seja de forma na­tural ou violenta, existem sobretudo na Europa três teses. A de que o MPLA, sob a direcção de Eduardo dos Santos ou de quem ele quiser, continuará no po­der durante muitos mais anos; a de que a ala ultra­-ortodoxa do partido con­sidere que o actual presi­dente está a ser demasiado permissivo, devendo por isso ser substituído por al­guém bem mais radical, e a de que – embora remota e quase utópica - haja al­ternância no poder por via eleitoral.

Mesmo considerando que a alternância por via eleito­ral é uma hipótese a longo prazo, as chancelarias eu­ropeias e dos EUA estão a estreitar as relações com os partidos da Oposição, sobretudo com a UNITA e a CASA-CE, mantendo canais abertos para não serem apanhadas de sur­presa.

Ruben Stewart confirma a existência dos canais com a Oposição, realçando con­tudo a preferência norte­-americana pela UNITA. Isto porque, diz, “não se pode esquecer que muitos dos actuais oficiais supe­riores das Forças Armadas de Angola eram há 12 anos membros das FALA”.

Isto poderá significar, de acordo com Ruben Ste­wart, que, “em caso de con­flito social real ou provoca­do pelo MPLA, os militares poderão desempenhar um papel decisivo, se bem que possam surgir novamente divididos, eventualmente em três facções: uma que defende o actual estado do regime, outra que queira uma mudança pacífica e uma terceira que aposte pura e simplesmente na implosão do país”.

“Pela experiência tudo leva a crer que os ex-militares da UNITA preferem uma mudança pacífica, mas po­dem ser atirados para os extremos se isso interes­sar à estratégia do MPLA”, alerta Ruben Stewart.

Samuel Afonso considera que “Eduardo dos Santos pode já não ter o poder que pensa que tem, razão pela qual poderá ao aperceber­-se disso decidir abrir fogo em todas as direcções como, aliás, é desejo dos seus colaboradores mais próximos”, acrescentando que essa estratégia, “na qual o país já não é vir­gem (27 de Maio de 1977), poderia ajudar também a criar uma cortina de fumo quanto aos escândalos fi­nanceiros do regime e à violação sistemática dos direitos humanos”.

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