sábado, 8 de fevereiro de 2014

Financial Times: A GUINÉ EQUATORIAL E A MALDIÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS

 

Javier Blas*
 
A sede do Partido Democrático da Guiné Equatorial, num edifício com cinco andares, simboliza o poder que governa este pequeno país.
 
Este ‘pastiche’ que reúne a extravagância do Médio Oriente, o classicismo da arquitectura grega e o estilo brutalista soviético, é a nova casa do partido liderado por Teodoro Obiang, que governa o país com mão de ferro há 35 anos.
 
A poucos quilómetros de distância encontramos a sede do único partido da oposição, confinado a um minúsculo apartamento no último andar de um prédio antigo num bairro degradado da capital, Malabo. As duas assoalhadas do Partido da Convergência para a Social-Democracia (CPSD) reflectem a pequena representatividade que este tem na política nacional: um dos 100 assentos parlamentares. Os seus membros são amiúde perseguidos e detidos durante meses sem acusação formal.
 
A Guiné Equatorial é, talvez, o melhor exemplo da chamada maldição dos recursos naturais. A sua maior riqueza, o petróleo, não gera prosperidade. Apenas fomenta a corrupção, impede o desenvolvimento económico e sustenta uma ditadura. A organização internacional Human Rights Watch é assertiva: “A corrupção, a pobreza e a repressão são um flagelo sem fim à vista. As receitas do petróleo financiam o estilo de vida extravagante da pequena elite que gravita em torno do presidente, enquanto a maior parte da população vive na miséria e não tem os seus direitos económicos e sociais salvaguardados”.
 
Apesar de tudo, o país tem todas as condições para ser um êxito em África: grandes reservas de petróleo, uma dívida residual, terra fértil e 800 mil habitantes. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a produção de petróleo e de gás natural faz com que o país tenha um dos rendimentos per capita mais altos da África subsariana, 22.300 dólares/ano (16.372 euros/ano), ou cerca de quatro vezes mais que a África do Sul e sensivelmente o mesmo que Portugal. Não obstante, três quartos da população vivem abaixo do limiar da pobreza.
 
A família Obiang e respectivo clã controlam toda a esfera política e empresarial do país. O filho mais velho do presidente, Teodoro Nguema Obiang, mais conhecido entre a população como Teodorín, é o vice-presidente e responsável máximo pela segurança nacional. Outro filho, Gabriel Mbaga Obiang, está à frente do ministério do Petróleo. O irmão da Primeira-dama, Candido Nsue Okomo, é o presidente da petrolífera estatal GEPetrol.
 
Na opinião de muitos diplomatas estrangeiros, a Guiné Equatorial é um negócio de família dissimulado com a particularidade de ter assento na ONU. Em 2009, o presidente Obiang venceu as eleições com 95,4% dos votos, num escrutínio que os EUA consideram “indiciar fraude eleitoral sistemática”. Andrés Esono Ondo, líder da oposição, diz que a situação política e económica “é má e está a piorar”. A Guiné Equatorial está entre os 10 piores países em termos de liberdade de imprensa, a par da Coreia do Norte.
 
Os investidores internacionais não se têm coibido de abrir empresas no país, apesar da corrupção, má gestão e opressão. A produção diária de petróleo – 270 mil barris/dia em 2013 – e de gás natural, assim como a perspectiva de novas descobertas de hidrocarbonetos, tem atraído um vasto leque de investidores encabeçado pelos EUA, onde também figuram a China, a França e Espanha, antigo poder colonial.
 
A corrida ao petróleo começou em 1995, depois da ExxonMobil começar a extrair o “ouro negro” da jazida Zafiro. Seguiram-se a Hess e a Marathon, que desenvolveram as reservas de gás natural do país. Em dez anos, a produção petrolífera disparou, atingindo o seu máximo histórico em 2005 – 376 mil barris/dia –, ano em que se tornou no terceiro maior produtor da África subsariana, atrás da Nigéria e de Angola.
 
Daí em diante, a produção começou a cair devido, por um lado, ao envelhecimento da jazida Zafiro e, por outro, à ausência de novas descobertas. Diplomatas e executivos do sector petrolífero também apontam o dedo à má gestão por parte da GEPetrol, por não conseguir atrair novas empresas para explorar as reservas existentes. A situação mudou quando o ministério do Petróleo ficou incumbido de atribuir as licenças necessárias. Em 2012 tornou-se o único interlocutor e fechou nove contractos de gás e petróleo – entre 2006 e 2011 a GEPetrol assinou apenas oito.
 
Actualmente, a Guiné Equatorial está a tentar atrair outras indústrias, nomeadamente na área dos petroquímicos, pesca, turismo, exploração mineira e serviços financeiros, para tentar reduzir a sua dependência da indústria energética. O investimento público disparou nos últimos cinco anos, financiado pela receita do petróleo, que ronda os 5 mil milhões de dólares (3,67 mil milhões de euros) por ano e tem sido aplicado, maioritariamente, no sector da construção. O governo reconstruiu estradas e aeroportos, e melhorou o fornecimento de água e electricidade, mas nem tudo é positivo.
 
Segundo a oposição, este ‘boom’ beneficiou a classe governante local através de lucrativos contractos financiados pelo Estado. O país investiu forte em projectos “prestígio”, como centros de conferências, hotéis de luxo para alojar dignitários estrangeiros e auto-estradas de seis faixas raramente usadas pela população. O FMI diz que “os custos e o desperdício são muito elevados”, e os economistas e activistas locais lembram que pouco se investe em soluções que promovam o desenvolvimento a longo prazo.
 
Resultado? A economia deverá contrair este ano. O crescimento negativo é um caso raro na África subsariana, onde a maior parte das economias cresce entre 5% a 10% ao ano. Com a deterioração da economia, aumenta a probabilidade de descontentamento social. Mas o que mais preocupa os investidores internacionais, diplomatas e empresários é a inevitável transição de poder, quando o Presidente Obiang, que assumiu a presidência do país em 1979 depois de depor o tio num golpe sangrento, entender que é hora de passar o testemunho. É o presidente há mais tempo em exercício no continente africano – 35 anos –, à frente de Robert Mugabe, presidente do Zimbabué, e de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola.
 
Em teoria, pode prolongar o seu mandato, visto o “sim” à reforma da Constituição ter sido o grande vencedor no referendo de 2011, mas cujo resultado a oposição e os observadores no terreno dizem ter sido manipulado. A nova lei não só concentra o poder nas mãos do presidente como lhe permite ficar no cargo mais de meio século. Poucos acreditam que isso aconteça, embora seja consensual entre os observadores que dificilmente se afastará em 2016, ano de eleições presidenciais. Estimam que poderá fazê-lo em 2019, ao fim de 40 anos no poder.
 
Seja como for, a corrida à sucessão já começou. Teodorín é o favorito, mas tem anticorpos na família e é acusado de corrupção em França e nos EUA. No ano passado, França leiloou nove automóveis de luxo apreendidos a empresas com ligações a Teodorín, incluindo um Maserati, um Ferrari e um Rolls-Royce. Nos EUA, o Departamento de Justiça (DJ) acusou-o de ter construído uma fortuna no valor de 100 milhões de dólares através de práticas de corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo a “extorsão de milhões de dólares em pagamentos pessoais, solicitação e aceitação de subornos” enquanto ministro da agricultura e das florestas.
 
Não é a primeira vez que a família Obiang tem problemas com a justiça nos EUA. No início da década 2000, as autoridades norte-americanas denunciaram a existência de milhões de dólares em contas secretas numa sucursal do Riggs Bank, nas imediações da Casa Branca. Se processos judiciais impedirem Teodorín de suceder ao pai, o lugar ficará, muito provavelmente, para outro dos seus filhos. Gabriel, que tutela a pasta do Petróleo, é popular entre os investidores estrangeiros, mas, segundo a classe diplomática, tem uma base de apoio interna muito reduzida. Outro contra: é filho da segunda mulher de Obiang, Celestina Lima.
 
Por ora, não se perfilaram mais candidatos além dos dois filhos. Alguns receiam que a transição possa ser violenta num país com uma longa história de golpes falhados. Talvez a resposta esteja na geração mais jovem que estudou no estrangeiro, trouxe ideias novas para a administração pública e anseia pela mudança. Pela frente têm a sombra e o poder dos elementos da velha guarda, a quem a população chama “crocodilos”, e a falta de recursos, como acontece com a oposição. Ou seja, vêm aí tempos difíceis para a nova geração.
 
* Tradução de Ana Pina, em Económico
 

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