sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Itália: O GOLPE FLORENTINO



José Goulão – Jornal de Angola, opinião

É um imitador de Blair com 20 anos de atraso, um copiador das teses de Thatcher, um bisneto dos rapazes de Chicago que inspiraram e guiaram as gentes que serviram o carrasco Augusto Pinochet no Chile

Não surpreende que Matteo Renzi seja um golpista, civilizado por certo porque agora o sangue não escorre das mãos mas das canetas, vedeta de capa fashion da Vanity Fair, feira das vaidades que cabe em todas as línguas, um homem adequado para um anúncio da Old Spice, enfim, um político moderno, com um programa “fluido” adaptado às circunstâncias do mercado, vale por dizer um dirigente sem programa nem coluna vertebral.

Matteo Renzi é o próximo primeiro ministro de Itália. Para tal demitiu um companheiro do seu partido, o Partido Democrático, depois ter chegado à cabeça da organização com a promessa simples de correr com a velha guarda e de ter chamado à sede o vetusto Silvio Berlusconi, por sinal acabadinho de cair em desgraça, condenado pela justiça, expulso do Senado. Nesse encontro “histórico”, como costuma dizer a comunicação que julga que a História começou há dias, o novato, “ágil e inovador” Renzi e o caduco e ressuscitado Berlusconi combinaram o golpe: fabricar uma lei eleitoral que “acabe com a instabilidade política em Itália” instaurando um sistema bipartidário em que os dois e os respectivos herdeiros ou mandatados partilhem comodamente o poder político, coisa que pertence aos monstros sem rosto da finança mundial. É mais ou menos a fase em que estamos do golpe a que chamam florentino porque Renzi chegou da Câmara de Florença, onde fez florescer a demagogia que o catapultou para os actuais voos. Matteo Renzi, o autoproclamado chefe “da esquerda” em Itália – o Partido Democrático é a ala “de esquerda” do arco político governante, o partido único da finança em formato bicéfalo – acaba de provocar a demissão do governo de Enrico Letta, seu companheiro de partido, e vai tomar-lhe o lugar.

A coligação com Berlusconi dará poderes constituintes à actual legislatura, de modo a formalizar a lei eleitoral que permitirá aos eleitores a escolha simples entre a “esquerda” e a direita do sistema económico neoliberal. Berlusconi declara-se aliviado: assim nunca mais terá de governar aliado “à esquerda”. Pois não: a maioria será sempre, com absoluta certeza ditada por lei, de um ou outro.  Um golpe fino, civilizado.

Quanto à “esquerda” de Renzi não há muito de inovador, desde Blair está espelhada em vários casos como os actuais de Hollande em França e dos sociais democratas na Alemanha. A origem política de Matteo Renzi nada tem a ver com a esquerda, ele chega das áreas da democracia cristã e também essas pouco têm a ver com a original, a doutrina social da Igreja é uma coisa arcaica na política, o Papa Francisco que o diga. Para que conste, o programa do novo primeiro ministro de Itália para tomar conta do seu partido resumiu-se a afastar os poucos restos de comunistas e socialistas que havia desde que os históricos PCI e PSI se diluíram, há 25 anos, nessa bagunça que é o PD à americana, tão nova esquerda como velha direita.

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