terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Portugal: POLÍTICAMENTE INCORRETO

 


O problema é que (na oposição) também está tudo errado. Está errado o PS, por não ter um líder à altura, e o BE, por estar minado por sectarismos cruzados
 
Boaventura Sousa Santos – Visão, opinião
 
Estou de partida para Ásia, envolvido num projeto científico em que coordeno dezenas de jovens cientistas sociais de diferentes países, todos apostados em defender o património científico que o atual Governo quer desbaratar. Parto com um nó na garganta, ao pensar que neste ano em que celebramos os 40 anos do 25 de Abril talvez estejamos a regressar ao 24 de abril. Não ao tempo, mas à imaginação política sufocada a que o 25 de Abril devolveu a respiração.
 
A brutalidade política que desabou sobre nós atua ora com punhos de aço (quando corta salários e pensões e esmaga com impostos os mais pequenos), ora com luvas de veludo (quando destrói o Serviço Nacional de Saúde, sem que ninguém dê conta: sabia o leitor que fica mais barato ao beneficiário da ADSE ir aos privados do que ao seu Centro de Saúde, para que amanhã ninguém defenda este último e os preços privados possam então subir sem restrições?). É por isso que hoje decidi escrever uma crónica politicamente incorreta, pois só ela me pode permitir expressar o que me vai na alma.
 
Em democracia há sempre alternativas, diz a teoria. Se na nossa não parece haver alternativa, é porque algo está errado com ela. Admitamos que está errado que os portugueses não se decidam a vir para a rua defender pacificamente os direitos que os constitucionalistas da vergonha dizem ser precários (refiro-me, por exemplo, às pensões). Mas se a realidade é esta, poderão os partidos da oposição ser um sinal de esperança?
 
O problema é que aqui também está tudo errado. Está errado o PS, por não ter um líder à altura, e o BE, por estar minado por sectarismos cruzados que continuam a invocar princípios e identidades como se estivéssemos a brincar ao 25 de Abril quando, de facto, é o 24 de abril quem guarda o recreio. Um líder que não tem ego por onde se lhe pegue proclama em letras garrafais nas paredes do Largo do Rato: "Eu quero o Novo Rumo". Não é o PS ou os portugueses que querem, é o "Eu", uma dramatização populista que, colada à personagem, parece um ventriloquismo ridiculamente amador.
 
Que esperar deste "quero" cujo Eu só tem a força do papel pintado? O BE, por sua vez, está minado pelo medo de deixar de existir e por isso não quer deixar existir qualquer vontade política convergente pelo temor de ser comido por ela. O PCP é o menos errado: não toma iniciativas para além da sua história, mas não deixará escapar uma alternativa democrática real quando ela surgir.
 
A alternativa seria simples se o PS e o BE mudassem. Eis o road map. O BE e o Manifesto 3D associam-se para uma plataforma comum nas eleições europeias. Fica claro que há só um partido em jogo: BE. A cabeça de lista é a figura política mais notável da nova geração: Marisa Matias. O segundo nome é Manuel Carvalho da Silva, um dos políticos mais dignos e a quem mais devemos nestes últimos 40 anos. Uma lista forte, munida de uma alternativa que devolva a dignidade aos portugueses, pode atrair parte do eleitorado do PS.
 
Perante um resultado medíocre nestas eleições, o PS agita-se internamente e elege um novo secretário-geral, António Costa. Costa abandona, por agora, o refúgio-armadilha a que o PS o quer condenar (a Presidência da República) e lança-se numa campanha forte e decidida que arrasa o PSD-CDS nas legislativas. Se não tiver maioria absoluta, estará disponível para uma aliança com o BE, que finalmente terá dado uma prova de maturidade política, ao agregar em vez de desagregar nas eleições europeias.
 
Começa assim um novo ciclo político. As condições iniciais serão difíceis. As agências de rating, a Comissão Europeia, e o FMI farão chantagem (o papão do risco político) mas uma liderança forte saberá construir alianças, convencida de que, ante os sinais cada vez mais perturbadores de desagregação (agora na França e logo depois na Itália), a Europa, ou se reinventa com coesão, ou desaparece como entidade política. Para as eleições presidenciais abundam nomes, tanto à direita como à esquerda, e qualquer deles brilhará depois da desertificação cavaquista. À luz da nossa história recente, tudo isto é sonho. Por isso, tantos portugueses vivem num pesadelo.
 

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