sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Portugal: ESTA GENTE É DE CONFIANÇA?



António Galamba – Jornal i, opinião

Já Séneca afirmava que "os factos devem provar a bondade das palavras". E os factos desmentem quase toda a propaganda do governo

Há quase três anos, como maior partido da oposição, o PS reafirmou o compromisso com as metas do Memorando, mas com outro caminho, que conjugasse o rigor nas contas públicas com uma estratégia e com políticas para o emprego e o crescimento económico. Dizia António José Seguro que Portugal precisava de mais tempo e de juros mais baixos. Invariavelmente, Pedro Passos Coelho e os repetidores da maioria, disseram não a tudo e prescindiram do contributo do PS. Estava tudo no bom caminho.

Há quase três anos, Pedro Passos Coelho assumia que o Memorando correspondia ao seu programa político e era preciso "surpreender e ir mais além [das metas] do acordo". Queria e foi. Pode até ter enriquecido o léxico dos portugueses com palavras como " modelar", "densificar", "mitigar" ou "calibrar", mas esse enriquecimento e o dos ricos mais ricos foram os únicos registados. Tem razão quem afirma que houve uma redistribuição sem precedentes. Sim, houve. Mas foi uma redistribuição de desemprego, de pobreza e de emigração.

Durante dois anos, a maioria exercitou os preconceitos contra o Estado, deixou os mercados funcionarem a seu bel-prazer, eliminou direitos e fez implodir avanços civilizacionais. Tudo em nome do cumprimento das metas. E sempre de olhos postos no passado e com profundo desprezo pelos contributos do PS. Foram centenas de propostas chumbadas no parlamento e demasiadas opções políticas assumidas, sem qualquer consulta ao PS, em matérias estruturais, nas privatizações ou nas sucessivas revisões do Memorando. Sempre de tesoura em riste.

Durante dois anos, a tónica foi: sigam--nos que nós fazemos, só têm de avalizar! Subitamente no Verão passado, na conversa, tudo mudou. Portas demitiu-se de forma irrevogável e Gaspar demitiu-se de forma efectiva com estrondo, invocando " o incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013".

Já Séneca afirmava que "os factos devem provar a bondade das palavras". E os factos desmentem quase toda a narrativa de propaganda do governo em torno do milagre económico e o exasperante discurso de assédio ao PS.

O governo PSD/CDS falhou no défice, na dívida pública e no desemprego, apesar de ter ido muito além nos cortes e nos sacrifícios. Os ténues sinais positivos nas taxas de juros, nas exportações e na criação de emprego não são sólidos nem sustentáveis. Ainda ontem o FMI sublinhava que o ajustamento externo da economia portuguesa está a ser feito à custa da contracção das importações e do crescimento das exportações de combustíveis. Com tanta incompetência, impreparação e falta de resultados, será difícil que os credores não se questionem sobre se o governo é de confiança. Só isso justifica a sucessão de exigências de mais cortes e garantias.

Mas os factos desmentem também a bondade dos apelos do primeiro-ministro e dos acólitos aos consensos com o PS, que mais parecem desvios comportamentais em função do passado e do presente.

Alguém acredita que uma maioria que foi incompetente a executar a sua estratégia para a consolidação das contas públicas pode ser competente a executar políticas de que discordou? Alguém acredita que uma maioria que insistiu na extinção de freguesias, na extinção de tribunais, de repartições de Finanças ou do Programa Novas Oportunidades, sempre com a oposição do PS e sem criar alternativas para pessoas e territórios possa mudar?

Alguém acredita que uma maioria resignada com as consequências dos cortes na educação, na saúde e na protecção social e conformada com a Europa que temos possa mudar de atitude e política?

Ninguém acredita, muito menos nós. Esta gente não é de confiança.

Político (PS)

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