O governo PSD/CDS
completou mil dias em funções. Mil dias a levar mais longe a radicalização da
política de direita que há 38 anos afunda o povo e o país. Celebrados com uma
colossal campanha de desinformação e propaganda a querer apresentar como
sucesso do país o sucesso do grande capital, a cujos bolsos vai parar o produto
do roubo aos trabalhadores e ao povo que este governo leva a cabo.
Foi na imprensa e
não na TV que um dia destes encontrei a informação de que Passos Coelho
completava mil dias na chefia do Governo. Achei curiosa a contagem porque o
período de mil dias tem sido relacionado com algumas desgraças ocorridas em
vários lugares do mundo: lembro uma guerra que flagelou a Colômbia na passagem
do século XIX para o século XX e lembro sobretudo o trágico cerco de
Leninegrado pelas tropas nazis no decurso da Segunda Guerra Mundial que de
facto não durou os exactos mil dias mas que ficou associado a esse número
redondo. Creio mesmo que a Sétima Sinfonia de Chostakovich, inspirada pelo
cerco e pela heróica defesa da cidade, que terá motivado o segundo Prémio Staline
atribuído ao compositor, é por vezes designada por Sinfonia dos Mil Dias, se
estou enganado peço desculpa. De qualquer modo, é claro que não vou incorrer no
suposto humor pífio e de mau gosto que levaria a comparar a governação de
Passos Coelho a tamanhas tragédias, a dimensão dos seus crimes é outra, mas o
facto é que estes mil dias que agora se completaram se concretizaram por uma
enxurrada de infelicidades e dramas que cobriram o País de ponta a ponta. E é
claro que quando aqui se fala em país se está falar em povo, em gente, em
cidadãos, pois obviamente recusamos o embuste ridículo protagonizado
recentemente por um deputado PSD que sustentou um imaginário equilíbrio
compensatório entre o agravamento da situação dos portugueses e a suposta (e
efectivamente mentirosa) melhoria da situação do País.
Um repugnante
currículo
De qualquer modo,
já que foi feita a contagem e se resolveu assinalar a chegada ao milésimo dia,
não teria sido absurdo nem inútil que a televisão se desse ao trabalho de
arrolar os resultados calamitosos desta governação. Afinal, é sabido que a TV
gosta de desgraças, aparentemente de saboreá-las e de impor aos telespectadores
o seu acre sabor, e nesse inventário disporia de desgraças de diverso tipo e
intensidade numa espécie de tristíssimo catálogo. Neste seu fascínio por
calamidades, um canal especificamente informativo deu-se recentemente ao gosto
de abrir um seu serviço noticioso com a informação de que em Los Angeles se
sentira um sismo com a intensidade de 4,4 que não provocara qualquer vítima e
se saldara pelo susto. É certo que para a televisão portuguesa, e não apenas
para ela, o que acontece em Los Angeles, que até é zona residencial de muitos
titulares de fortunas e de gente brutamente mediática, é muito mais importante
que o que acontece no Seixal ou no Redondo, onde a maior parte dos habitantes
só parece servir para trabalhar no duro e contar os cêntimos que lhes cabem na
velha situação de «muita força por pouco dinheiro» cantada pelo Sérgio Godinho.
Ainda assim, porém, talvez não fosse má ideia que a informação televisiva
portuguesa nunca se afastasse do bom senso e do decoro, sempre se ativesse ao
importante e significativo, e neste sentido (como diria o camarada Jerónimo) se
aplicasse a informar-nos honesta e objectivamente do assustador cortejo de
cruéis maldades praticadas por este Governo num período de tempo afinal
relativamente curto. Não me atrevo a tentar fazer aqui, no curto espaço que
desta dupla coluna ainda me sobra, o registo desse extenso currículo de facto
repugnante a que bem se poderia chamar cadastro em atenção à conotação negativa
que a palavra arrasta, mas o contacto que os leitores deste nosso jornal têm
com a realidade e a solidária atenção que lhe prestam dispensam-me, de qualquer
modo, dessa tarefa. Todos sabemos dos trabalhadores despedidos que a angústia
estrangula, das lágrimas de mães e pais perante as diversas formas de penúria
que são obrigados a impor aos filhos, do momento pungente em que famílias se
despedem das casas que habitaram durante anos e anos e de onde são agora
expulsas, dos adeuses aos que partem para a aventura incerta da emigração.
Todos o sabemos, como sabemos agora que a sementeira dessa seara de desgraças
começou há mil dias. Restando-nos, é claro, fazer alguma coisa para que não se
prolongue por muitos dias mais.
*Este artigo foi
publicado no “Avante!” nº 2013, 20.03.2014
Sem comentários:
Enviar um comentário