sábado, 29 de março de 2014

Portugal: OS VELHOS



Tiago Mota Saraiva – Jornal i, opinião

Por pudor metodicamente construído fomos deixando de os tratar assim. Nem mesmo o carinhoso "meu velho", tantas vezes usado entre família, escapou a estes tempos de domínio de palavras adoçantes como Sénior ou ardilosas como Terceira Idade.

Mas não nos deixemos enganar. Esse pudor na utilização do vocábulo choca com o destino que se lhes proporciona. Da eterna ameaça de mais um corte na pensão. Do risco de não ser prioritário nas filas de espera dos serviços de urgência de um hospital. Do medo de perder a casa arrendada ou de não conseguir pagar o IMI da casa própria. Dos tempos de intempérie passados à porta do centro de saúde à espera de uma miserável consulta ou receita. Do fim da comparticipação nos remédios, da estação de correios a que estavam habituados, da junta de freguesia em que eram conhecidos. Do horror pela vida incerta dos filhos e dos netos que ficaram ou da saudade e do medo de não voltar a ver os que partiram. Tudo a troika lhes vai levando.

Dos velhos espera-se que se ajeitem a um canto pouco visível da sociedade, em casa - se esta não for aprazível para um qualquer negócio - ou num condensador de velhos, que conspurca o belo vocábulo "lar", tantas vezes gerido por excretores que só se preocupam em manter a contagem de cabeças brancas para receber o cheque mensal como instituição de caridade. Deles não se procura a experiência ou o saber como em sociedades mais evoluídas, mas pretende-se cortar qualquer veleidade de capacidade reivindicativa e que permaneçam ligados à máquina dos programas da televisão - autênticas operações de lobotomia em que, entre saltos e gritos, aparecem os camilos lourenços da nossa praça, em modo gingão, a papaguear as certezas do regime.

Aos velhos, está-se a roubar-lhes a vida antes de morrerem.

Escreve ao sábado

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