Tiago Mota Saraiva –
Jornal i, opinião
Por pudor
metodicamente construído fomos deixando de os tratar assim. Nem mesmo o
carinhoso "meu velho", tantas vezes usado entre família, escapou a
estes tempos de domínio de palavras adoçantes como Sénior ou ardilosas como
Terceira Idade.
Mas não nos
deixemos enganar. Esse pudor na utilização do vocábulo choca com o destino que
se lhes proporciona. Da eterna ameaça de mais um corte na pensão. Do risco de
não ser prioritário nas filas de espera dos serviços de urgência de um
hospital. Do medo de perder a casa arrendada ou de não conseguir pagar o IMI da
casa própria. Dos tempos de intempérie passados à porta do centro de saúde à
espera de uma miserável consulta ou receita. Do fim da comparticipação nos
remédios, da estação de correios a que estavam habituados, da junta de
freguesia em que eram conhecidos. Do horror pela vida incerta dos filhos e dos
netos que ficaram ou da saudade e do medo de não voltar a ver os que partiram.
Tudo a troika lhes vai levando.
Dos velhos
espera-se que se ajeitem a um canto pouco visível da sociedade, em casa - se
esta não for aprazível para um qualquer negócio - ou num condensador de velhos,
que conspurca o belo vocábulo "lar", tantas vezes gerido por
excretores que só se preocupam em manter a contagem de cabeças brancas para
receber o cheque mensal como instituição de caridade. Deles não se procura a
experiência ou o saber como em sociedades mais evoluídas, mas pretende-se
cortar qualquer veleidade de capacidade reivindicativa e que permaneçam ligados
à máquina dos programas da televisão - autênticas operações de lobotomia em
que, entre saltos e gritos, aparecem os camilos lourenços da nossa praça, em
modo gingão, a papaguear as certezas do regime.
Aos velhos, está-se
a roubar-lhes a vida antes de morrerem.
Escreve ao sábado
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