Nuno Saraiva – Diário
de Notícias, opinião
Esta semana, como
noutras destes mais de mil dias de governação, o Governo saiu ao caminho dos
mais velhos e meteu-lhes medo. Quinta-feira as manchetes, que citavam
"fonte oficial", gritavam que a ministra das Finanças já tinha cortes
definitivos para as pensões, que até aqui eram provisórios.
Ao final da manhã,
a minha avó Luísa, reformada de 95 anos e de quem já aqui falei, ligou-me
aflita depois de dividir o pânico com as amigas do centro de dia. "Filho,
que mais é que estes bandidos me querem tirar?", perguntou-me com a voz
trémula de quem não consegue parar de fazer novas contas à vida. É a água e a
luz, o gás e a comida, os remédios e a ração para os pássaros companheiros das
tardes de fim de semana, a renda da casa e mais as outras despesas imprevistas
próprias de quem chega a esta idade. Desde então, foram duas noites, como
muitas outras destes mais de mil dias de governação, sem pregar olho.
Pouco me importa se
não há ainda decisão, se foi erro, calhandrice ou incompetência. Não me
interessa se é ruído ou especulação. Não quero saber se Passos Coelho sabia ou
se Poiares Maduro foi ignorado. Sei que isto, como tantas outras coisas nestes
mais de mil dias de governação, não se faz.
A verdade é que, em
matéria de choque e pavor, o Governo tem o cadastro cheio. Fez soar o alarme
com a chamada TSU dos idosos. Causou o pânico com a pretensão de cortar a eito,
em função da idade, as pensões dos funcionários públicos, pretendendo que os
nonagenários sofressem um esbulho de 10% na reforma. Lançou o terror com o
primeiro anúncio de corte nas pensões de viuvez. E tudo com a mesma tática ou
estratégia: deixar escapar à bruta uma má notícia para testar reações a ver se
pega. E depois, mais adiante, vir compungido anunciar que nunca foi bem assim,
que houve manipulação da informação, que o Governo é socialmente sensível e
que, por isso, protege os mais frágeis de entre os mais fracos.
Isto não é jogo
limpo. Isto é terrorismo social.
Por mais
proclamações inflamadas que façam, Pedro e Paulo escrevem epístolas cada vez mais
vazias de social-democracia ou de democracia cristã. A matriz doutrinária
destas duas correntes é humanista e socialmente preocupada. E determina que com
a vida das pessoas não se brinca, muito menos tratando-se de idosos.
Aos mais velhos
devemos respeito porque sim. Solidariedade porque sim. Apoio porque sim.
Assistência porque sim. Não por caridade, apenas porque sim. E essa dívida, em
parte ou no todo, não pode ser reestruturada nem perdoada.
O que o lamentável
episódio desta semana revela é que o programa de empobrecimento ainda não está
concluído, por mais que o Presidente da República reabilite a tese - foi o que
ontem fez quando apelou a que "se for necessário reduzir o rendimento
disponível de alguém no futuro, tem que ser àqueles que têm elevados rendimentos
e que, até este momento, não foram seriamente prejudicados no seu
bem-estar" - de que há limites para os sacrifícios que se podem pedir ao
comum dos cidadãos.
E o que também
ficou demonstrado é que existe, de facto, uma nova agenda de cortes que a
maioria queria escondida. Mas apenas até às próximas eleições europeias.
Não sei, até porque
não acredito nessas coisas, se o Governo vai parar ao inferno. Tenho no entanto
a certeza que o purgatório a que os velhos estão a ser sujeitos, porque desumano
e desleal, não tem perdão.
Foto: Miguel
Baltazar, Negócios
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