segunda-feira, 7 de abril de 2014

PARLAMENTO EUROPEU: RISCOS DE UMA CAMPANHA ELEITORAL FALHADA



Octávio Teixeira [*]

É visível que entrámos já na campanha eleitoral para o parlamento europeu. 

Mas, pelo que "vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar", parece que nessa campanha não haverá espaço para discussão do problema central que é a saída do Euro ou, pelo menos, que nenhuma força política defenderá a saída da zona Euro. 

É uma situação para mim incompreensível, designadamente no que respeita aos partidos de esquerda. Quer pelos efeitos nefastos que a adesão ao Euro gerou, e a permanência no Euro continuará a gerar, sobre a economia e sobre a sociedade, em particular sobre os trabalhadores. Quer pelo que o Euro significou, e continuará a significar, nas perspectivas da divisão internacional do trabalho no âmbito da zona Euro e do aprofundamento do neoliberalismo. 

O Euro tem enormes efeitos nefastos sobre a economia portuguesa:   a) degrada as nossas capacidades de exportação nos sectores em que a procura é mais sensível ao preço e aumenta a pressão sobre as empresas no mercado interno devido à baixa do preço em Euros dos produtos importados de países exteriores à zona Euro, com consequências pesadas para as PMEs, reduzindo as suas capacidades de investimento e consequente competitividade futura e obrigando-as a endividarem-se acrescidamente;   b) acentua a desindustrialização do país, o agravamento dos défices externos, o endividamento externo das empresas e do Estado, a recessão ou prática estagnação do crescimento;   c) impede o financiamento da dívida pública com recurso ao Banco Central, obrigando o Estado a financiar-se exclusivamente nos mercados financeiros e a reduzir a despesa pública (veja-se o tratado orçamental) com a consequente pressão em baixa sobre a procura agregada. Em resultado destes efeitos, o Euro impõe a redução das remunerações e das pensões de reforma, com efeitos negativos sobre a redistribuição do rendimento, a prestação de serviços públicos e o emprego. 

Ou seja, a pertença à zona Euro agrava os grandes desequilíbrios, tem grande impacto sobre a estrutura do aparelho produtivo à escala macro e micro, conduz a uma elevada e insuportável taxa "estrutural" de desemprego e a um modelo económico assente nos baixos salários, é um obstáculo à preservação de um modelo social digno desse nome. Independentemente dos erros cometidos (e muitos são) pelos diversos Governos, os constrangimentos ditados pela moeda única e pela política monetária única impedem que Portugal tenha um crescimento económico equilibrado e sustentado a ritmos elevados e promova o progresso social da sua população, dos trabalhadores. 

Por outro lado, a ausência de risco de cambial na zona Euro beneficia a especialização produtiva dos países em função das suas vantagens comparativas, conduzindo à desindustrialização dos países periféricos em benefício dos países mais desenvolvidos do centro, como a Alemanha, Holanda e Finlândia. Reforçando a posição destes como exportadores de bens de equipamento e de consumo e como importadores da procura e dos baixos salários dos países periféricos como Portugal. Ou seja, como alguém já escreveu, o Euro "alimenta uma divisão internacional do trabalho com dinâmica colonialista". 

Em terceiro lugar, o Euro é instrumento essencial do projecto neoliberal em que estamos atolados e onde não há uma perspectiva de progresso social. O objectivo subjacente ao primado da estabilidade de preços na condução da política monetária é o da redução dos custos unitários do trabalho, fazendo recair sobre os salários e o emprego todos os custos de ajustamentos a choques económicos, tendo por desígnio aumentar o "exército de reserva" para reduzir direitos laborais e travar o crescimento dos salários. E a manutenção do Euro como "moeda cara" visa tornar as aquisições financeiras no exterior da zona mais baratas para os empórios económicos e financeiros do centro da Europa. 

Ou seja, o Euro é um obstáculo à recuperação económica, um elemento de agravamento da recessão e um mecanismo de exploração de classe. E inclusivamente é um obstáculo para o próprio processo de construção europeia num sentido progressista. Porque, como escreveu Engels, há que não confundir "a confraternização das nações" com "o cosmopolitismo hipócrita e egoísta do livre cambismo" . 

Neste contexto considero inexplicável como pode haver na esquerda quem defenda a permanência de Portugal no Euro ou, pelo menos, não defenda a saída. 

Uns dizem que o que se deve fazer não é abandonar o Euro mas sim transformar a zona Euro através da conjugação das forças progressistas e de esquerda da Europa. O problema é que não explicam como é que se consegue tornar a esquerda europeia suficientemente forte para conseguir esse desiderato. Ou quanto tempo será necessário para o conseguir, sendo certo que "a longo prazo estaremos todos mortos". 

Outros reconhecem os efeitos desastrosos que a adesão ao Euro provocou no país e que podemos perder muito mais com a permanência ou com o agudizar da crise na zona Euro que empurre o país para uma saída caótica. Mas, então, a lógica parece levar a que defendessem a saída programada, preparada e negociada. Mas não, porque isso seria uma posição aventureira. Ou, ainda, que uma coisa é sair do Euro com um Governo esquerda e outra com um Governo de direita. Não tenho dúvidas que as diferenças são grandes. Mas para quando se perspectiva um Governo de esquerda? E entretanto o país e os trabalhadores estão condenados a suportar os reconhecidos sobrecustos da permanência no Euro que são muito maiores que os da saída e muitíssimo mais prolongados no tempo? Para além do mais e por razões ideológicas, nunca um Governo de direita promoverá a saída do Euro. Mas um Governo de esquerda, se e quando fôr possível, deverá fazê-lo. E por isso as esquerdas devem, de forma clara e transparente, defender essa saída nos seus programas eleitorais. 

Sejamos claros e deixemo-nos de sofismas. Objectivamente a não defesa da necessidade do país sair do euro é, por omissão, contribuir para que se prolongue e agrave a situação actual. 

A crise profunda com que nos confrontamos decorre da acumulação de perdas de competitividade ao longo dos últimos 12 anos e de que resultou o agravamento persistente do défice da balança corrente, com o consequente aumento acelerado da dívida externa, privada e pública. 

É aqui que reside a origem da crise e, por isso, a saída dela tem de ter como questão central e essencial a ultrapassagem dos desequilíbrios externos. Não através da redução das importações decorrente da diminuição do poder de compra da população, mas pela via do aumento da produção nacional suficientemente competitiva para aumentar exportações e substituir importações. 

Ou seja Portugal tem necessariamente de fazer uma forte desvalorização para conseguir recuperar da crise em que está afundado. 

E só existem duas formas de o fazer:   ou através da desvalorização interna ou pela via da desvalorização cambial. A não defesa da possibilidade da desvalorização cambial significa, objectivamente e por inacção, uma permissão ao prolongamento e agravamento da desvalorização salarial. Tenho a certeza de que não é isso que as forças de esquerda querem. Por isso têm de ser coerentes. 

Se se pretende superar a gravíssima crise que atravessamos e romper com o neoliberalismo torna-se essencial e incontornável a saída da zona Euro e a recuperação da soberania monetária e orçamental, visando abrir portas a uma política de desenvolvimento favorável ao Trabalho. 

Como já o escrevi diversas vezes, é evidente que a saída do Euro tem custos. Mas comparam muito favoravelmente com os da permanência. 

E suscita dificuldades políticas. Mas, para além de não poder haver temor de as enfrentar, essas dificuldades parecem-me mais ultrapassáveis que as colocadas quer pela via do federalismo quer pela da ruptura com as sacrossantas orientações neoliberais que norteiam a zona Euro. 

E na óptica jurídica parece inequívoco que é possível sair do Euro sem sair da União Europeia. Porque existem outros países que pertencem à União mas não à zona Euro. E porque se o Tratado da União Europeia, que não prevê a possibilidade a expulsão de um país da União, permite o mais – a saída de um país da União – necessariamente permite o menos – a saída da zona Euro. 

Um apelo às esquerdas que o são:   por favor, não contribuam para que a campanha eleitoral para as europeias se transforme num acto falhado sobre o que é essencial e central. Portugal não tem futuro na união monetária, a não ser um futuro de pobreza, de crescimento débil e instável, de emigração dos jovens, uma sociedade frustrada, desigual e empobrecida. Precisa de romper com o Euro para reabrir as portas que Abril abriu. 

06/Abril/2014

[*] Economista. 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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