segunda-feira, 7 de abril de 2014

Portugal: Presidência da República e parlamento escondem as compras que fazem



João D' Espiney – Jornal i

Presidência da República, municípios, freguesias, institutos e empresas públicas, hospitais, inspecções-gerais e fundações "escondem" compras

Há milhares de organismos e entidades públicas que não publicam qualquer procedimento de aquisição de bens e serviços no portal Base dos contratos públicos (http://www.base.gov.pt/base2/).

A publicitação dos procedimentos contratuais no portal é obrigatória e o Código dos Contratos Públicos (CPC) determina até que a não publicitação tem como consequência a sua "ineficácia", nomeadamente em termos de pagamentos.

A pesquisa efectuada pelo i aos contratos publicados no primeiro trimestre deste ano permitiu constatar que a lista de organismos que não publicou qualquer contrato é muito vasta. E o número de procedimentos divulgados por muitas das entidades que o fizeram é irrisório, tendo em conta que estamos a falar de todo o tipo de compras para o seu funcionamento corrente.

Entre os 22 170 contratos publicados neste período, o i constatou que há centenas de empresas públicas e entidades do Sector Empresarial do Estado (Central, Local e Regional) e instituições particulares de solidariedade social (IPSS) que não publicaram qualquer contrato. O i contabilizou ainda apenas contratos de 87 das cerca de três mil freguesias, de 293 das 308 câmaras e de 23 das várias centenas de fundações com estatuto de utilidade pública e que receberam subsídios.

O MAU EXEMPLO DE BELÉM 

O mau exemplo começa desde logo em alguns órgãos de soberania como a Presidência da República e o parlamento. A AR até divulga os contratos na sua página oficial, e já publicou seis contratos de 2008 mas desde então mais nada. O i confrontou a secretária-geral da AR com esta informação mas não obteve resposta. O i questionou também o porta-voz de Cavaco Silva sobre o facto da Presidência da República nunca ter publicado qualquer contrato mas também não obteve resposta.

No relatório da "Contratação Pública em Portugal de 2012", divulgado em Março, o Instituto da Construção e do Imobiliário - organismo que gere o portal Base - admitia que ainda se está longe de uma "efectiva generalização das obrigações" decorrentes do CPC. "O número de entidades que reportaram contratos públicos parece ser, em termos absolutos, menor do que o número expectável atendendo à estrutura da administração pública". Apesar do número de entidades adjudicantes que reportaram contratos em 2012 (3383) ter aumentado 11,7% face de 2011 "continua, todavia, num nível que suscita dúvidas sobre se todas as entidades adjudicantes estarão realmente a proceder aos reportes obrigatórios, nomeadamente no caso dos ajustes directos", lê-se no documento.

MINISTÉRIOS NÃO REAGEM 

Entre a lista dos organismos que não publicaram qualquer contrato encontram-se centenas de empresas públicas e entidades do SEE. O i tentou obter um comentário dos Ministérios das Finanças e da Economia mas sem sucesso.

Uma dessas entidades é o grupo Caixa Geral de Depósitos(CGD). Questionada sobre o facto de nenhuma empresa do grupo e a Fundação Culturgest publicar os seus contratos, fonte oficial respondeu: "a CGD tem natureza de sociedade comercial, embora de capitais públicos. Tendo em consideração esta natureza, e ainda o facto de não praticar actos materialmente administrativos, não é considerada contraente público para efeitos do Sistema Nacional de Compras Públicas".

Entre as quinze câmaras que não publicaram nenhum contrato, só a de Fornos de Algodres respondeu à solicitação do i e para dizer apenas que "o município não publicitou nenhum procedimento de aquisição de bens e serviços no primeiro trimestre, porque não realizou nenhum contrato com esse âmbito".

TDC REFORÇA A OBRIGATORIEDADE 

Solicitado a comentar toda esta informação, a posição do Tribunal de Contas(TdC) não deixa margem para dúvidas. "O Código dos Contratos Públicos prevê no seu art.o 465.o a obrigação de publicitação no portal da internet dos elementos referentes à formação e à execução dos contratos públicos, cabendo à entidade contratante o cumprimento dessa obrigação", começou por dizer a porta-voz do TdC, lembrando que "o art.o 127 do CPC prevê que a não publicitação gera a ineficácia dos contratos, nomeadamente em termos de pagamentos".

"O TdC e o Conselho de Prevenção da Corrupção têm recomendado o cumprimentos das regras respeitantes à transparência" e "têm insistido nestes pontos, verificando-se que o legislador tem seguido estas preocupações", afirmou ainda a mesma fonte. Em relação às falhas dos órgãos de soberania referidos, o TdC limitou-se a referir que "tem procedido à sistemática análise e acompanhamento das suas contas".

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