segunda-feira, 7 de abril de 2014

Portugal: TRÊS ANOS DE TROIKA E PRODUÇÃO DE CULPA



Ficou-nos um país mais pobre, com mais medo, atarantado com as alternativas

Ana Sá Lopes – jornal i

Fez ontem três anos que Teixeira dos Santos chamou a troika através de uma declaração ao "Jornal de Negócios" depois do chumbo do famoso PEC-IV. Ouvir o discurso de Pedro Passos Coelho nesse particular momento vale a pena - é um bocadinho como ouvir os discursos socialistas do PSD em 1976 ou Durão Barroso, nos tempos do maoísmo, numa reunião geral de alunos.

Faz parte do conhecimento geral que o PSD se preparava para dar luz verde ao PEC-IV (independentemente de, no meio da crise que abalava a Europa, ser praticamente impossível evitar o resgate). Nessa manhã, Miguel Relvas dá uma conferência de imprensa na sede nacional do PSD onde abre a porta à aprovação do documento. Para Relvas, "tudo o que seja reforçar" a possibilidade de Portugal atingir os objectivos orçamentais "é sempre positivo". Depois, Passos Coelho é avisado de que "ou há eleições no país, ou há eleições do PSD". A seguir ao aviso, decide chumbar o PEC porque o governo está "a atacar os alicerces do Estado social" e tem "o despudor de transferir para os portugueses os custos dos seus sucessivos erros" e ainda porque volta com "exigências adicionais sobre aqueles que são sempre sacrificados".

Pouco depois, diria à imprensa internacional - Reuters e Wall Street Journal precisamente o contrário. Tinha chumbado o PEC-IV porque as medidas eram "de menos". A partir daí nasce o Memorando da troika benzido pelo PS, PSD e CDS e fotografado por Eduardo Catroga, que reclamou como seu boa parte do articulado. Depois, desencadeia-se o mecanismo da produção de culpa, inspirado pelos deputados de direita alemães e de outros países do Norte. É a fase do "vivemos acima das nossas possibilidades", um mantra que se transforma num sucesso. É repetido à exaustão por boa parte da opinião pública, incluindo muitos dos afectados pelas medidas, e consegue manter o governo de Passos num misterioso estado de graça nos primeiros tempos. É fácil engendrar a culpa nos portugueses - Salazar não fez outra coisa em 40 e tal anos, com um incrível sucesso em termos de durabilidade. Absorvida a "culpa" e os cortes - hoje festeja-se que os cortes sejam definitivos e não vão ainda mais além - ficou-nos um país muito mais pobre, com ainda mais medo de tudo, atarantado com as possíveis alternativas e debaixo de uma ditadura de instituições europeias não eleitas. Para comemorar os 40 anos do 25 de Abril, é o pior dos retratos.

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