Tomás Vasques –
jornal i, opinião
A lata de certas
luminárias é tão grande que não tarda muito estão a dizer que a democracia só
chegou a Portugal com este governo
1 - Não foi,
certamente, por falta de talento ou desleixo que Franz Kafka não deu por
acabado, até morrer, o seu romance "O Processo". Ele adivinhava que a
insaciável mão invisível do poder absoluto e absurdo sobre os cidadãos, sobre
todos os Joseph K, não tinha limites, pelo que o seu livro seria sempre uma
obra inacabada. Todos os dias temos notícias que nos remetem para os ambientes
kafkianos. As multas de milhões de euros, aplicadas aos poderosos, prescrevem,
dispensando-os do cumprimento de avultadas penalizações. Por sua vez, as multas
aplicadas aos cidadãos comuns, ora por atraso na entrega de uma declaração de
impostos, ora pelo pagamento com meia dúzia de dias de atraso do imposto de
circulação são cobradas, na hora, sob a ameaça de penhora do recheio da casa ou
do automóvel ou descontos nos parcos salários. O mesmo se passa com os
contratos celebrados pelo Estado. Se os contratos são celebrados com poderosos,
sejam bancos ou grandes empresas, são intocáveis. Nos contratos de parceria
público-privada - as PPP - ou os swaps, por exemplo, não se toca (e quando se
alteram ou se rompem é à custa do Estado entregar fortunas à outra parte).
Nestes casos, nunca é invocado o estafado e falso argumento de que não há
dinheiro. Mas, quanto aos contratos celebrados pelo Estado com cidadãos comuns,
sejam firmados com funcionários públicos ou com pensionistas e reformados,
estes, são alterados discricionariamente, reduzindo salários e pensões de
reforma quando e como o governo lhe dá na gana. Se um cidadão não pagar uma
piza, dois quilos de arroz ou uma embalagem de feijão-verde num supermercado,
no valor de 77 cêntimos - cada um destes aconteceu -, é aberto processo-crime,
é julgado, às vezes por um tribunal colectivo e, uma ou outra vez, condenado.
Mas os poderosos, autores de fraudes, vigarices e roubos de milhões e milhões
de euros, servindo por todos o exemplo da cáfila que fundou o BPN, mantêm-se
por aí passeando em infindáveis processos judiciais, uns, ou a banhos e em
novos "negócios", outros. É esta protecção iníqua e esta impunidade
imoral dos poderosos, desenhada sobre os sacríficos e os sofrimentos da imensa
maioria dos cidadãos, que faz com que a democracia, a nossa democracia, neste
percurso de quarenta anos, seja hoje pouco mais do que uma palavra morta.
Qualquer alteração significativa na sociedade portuguesa passa mais por
reinventar a democracia, colocar toda a acção do Estado ao serviço dos cidadãos
comuns e alterar este pano de fundo, do que actuar sobre os controlos
orçamentais e outras engenhocas financeiras de dívidas e juros com que se
camufla a verdadeira natureza da nossa representação política. Uma sociedade
democrática, muito mais democrática, precisa-se!
2 - No mês em que
se comemora o quadragésimo aniversário da queda da ditadura e da instauração da
democracia, os ideólogos do actual situacionismo desmultiplicam-se em
entrevistas a explicar que a democracia em Portugal só começou, o mais cedo em
1982. Outros, mais afoitos, já situam a data em 1989. Não tarda muito chegam à
conclusão que a nossa democracia foi fundada no dia da tomada de posse do
actual governo.
3 - Uma nova Dona
Supico Pinto restabeleceu o movimento nacional feminino sob novas roupagens, e
há dias mandou os desempregados procurar emprego ou trabalharem à borla em vez
de ficarem em casa a ler o que circula nas redes sociais.
4 - Os banqueiros
do costume, esses, continuam a pedir ao governo que se corte ainda mais nos
salários e nas despesas do Estado com saúde, educação e segurança social.
5 - O nosso 18 de
Brumário, à medida da nossa pequenez, está em curso. E não vai ser alterado por
se baixar o IVA na restauração ou se aumentar em cinco euros o salário mínimo.
Nem sequer por se defender a mutualização da dívida externa.
Jurista - Escreve à
segunda-feira
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