quarta-feira, 28 de maio de 2014

Portugal: OS DIAS INFERNAIS NO PARTIDO SOCIALISTA



Ana Sá Lopes – jornal i, editorial

Se Costa tivesse arriscado perder há ano e meio teria hoje legitimidade acrescida

O resultado das europeias é terrivelmente frágil para um PS na oposição, três anos depois do choque em cadeia que tem sido a gestão do país pela troika e por um governo PSD/CDS empenhado em “ir além da troika”. António José Seguro não conseguiu, ao contrário do que seria minimamente expectável, transformar o PS numa alternativa credível. A vitória à justa nas europeias conseguiu pôr os derrotados da noite, no meio daquele caos, a mostrar ânimo com o vislumbre de que nem tudo pode estar perdido nas legislativas, o que seria um fenómeno a ser obrigatoriamente estudado pelos especialistas em ciência política. Pior do que as alucinadas declarações de Passos e Portas – os responsáveis nacionais pela redução do país a estilhaços – foram as sondagens divulgadas no dia seguinte  que deram um sinal inequívoco de que este PS não é uma alternativa consistente à presente governação do país. Evidentemente, isto é um susto.

Seguro percorreu um terrível caminho de pedras, herdando um partido devastado pela derrota de Sócrates, um partido que esperou pacientemente que lhe caísse no colo – raramente divergindo do ex-líder e remetendo-se ao silêncio durante longos anos. Quando chegou a vez de ser entronizado no Largo do Rato, optou pela estratégia do assim-assim, convencido de que bastaria esperar pelo apodrecimento de um governo em desagregação para se tornar primeiro-ministro. Crispou-se, fechou-se, refugiou-se numa trincheira. Abrir-se à sociedade não é só fazer uma convenção num hotel com Joana Amaral Dias.

Dito isto, António Costa é co-responsável pela fraca vitória do PS. Foi ele que achou que estava tudo bem e recuou numa famosa noite no Largo do Rato depois de ter tudo preparado para ser candidato à liderança do partido. Aquele era o momento certo para começar a construir a alternativa interna: aliás, nada se passou entretanto de novo, a não ser uma vitória nas autárquicas e uma vitória pouco expressiva nas legislativas. Mas foi Costa que nos disse que tinha chegado a um acordo com Seguro sobre não sei o quê (nunca ninguém soube muito bem em redor do que era o acordo). Era o tempo certo para discutir a liderança e foi marcado um congresso onde o candidato Costa não compareceu. Se tivesse arriscado perder teria hoje uma legitimidade acrescida. Ao recusar, tornou-se co-responsável pelos resultados de domingo. Agora, há uns estatutos blindados que toda a gente já sabia que existiam. Vai ser um calvário doloroso e era escusado. Se é verdade que António Costa é um dos quadros mais inteligentes do PS, também é verdade que junta à sua volta uma amálgama de gente totalmente contraditória entre si, que vai desde os que defendem alianças à esquerda aos que as abjuram e estão prontos para o bloco central. Costa já mostrou que é capaz de aglutinar – mas não se lhe pode exigir menos do que a maioria absoluta. Quer dizer, se houver congresso e ele ganhar.

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