Folha
8 – 07 junho 2014
AUTORIDADES
IMPLICADAS EM
ASSASSINATO DE ORGANIZADORES DE PROTESTO E CONTRA VENDEDORES
AMBULANTES
A
ONG HW apresentou o relatório Mundial sobre o ano de 2014 e não deixou de fazer
uma incursão sobre Angola, digna de ser registada. F8 coloca ao dispor dos
leitores para que cada um tenha noção do que a comunidade internacional,
distante da corrupção do petróleo, pensa sobre o actual regime de Angola
LIBERDADE
DE EXPRESSÃO
José
Eduardo dos Santos é presidente da Angola há 34 anos e garantiu mais um
mandato de cinco anos nas eleições de Agosto de 2012. Embora as urnas tenham
consolidado o controlo do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA)
que está no poder, as autoridades intensificaram as medidas repressivas com a
finalidade de restringir a liberdade de expressão, associação e reunião em
2013.
O
governo ingressou com vários processos judiciais por difamação criminal contra
jornalistas e activistas que expressam suas opiniões. Além disso, continua
utilizando abuso policial, prisões arbitrárias e intimidação para impedir a
realização de protestos pacíficos contra o governo, greves e outras reuniões.
Em 2013, o governo também retomou os despejos forçados em massa de assentamentos
informais e lançou uma nova iniciativa para remover os comerciantes de rua de
Luanda (capital do país). As duas medidas afectam as comunidades mais pobres
de Angola e foram aplicadas com brutalidade.
A
liberdade de expressão é gravemente restrita na Angola devido à limitação da
mídia independente, autocensura e repressão do governo. Somente 3% da população
angolana tem acesso à Internet e a redes sociais, que são os principais canais
para comentar as políticas do governo.
As
autoridades utilizam leis de difamação criminal para silenciar e intimidar
jornalistas e blogueiros. Em 05 de Julho, os blogueiros José Gama e Lucas
Pedro foram acusados de “abuso da liberdade de imprensa” e difamação por
artigos publicados no site de notícias www.club-k.net, que está hospedado fora
de Angola. Ajuizados pelo procurador-geral de Angola e pelo director da polícia
de investigação criminal, os processos judiciais são baseados em artigos
publicados entre janeiro e maio, nos quais o procurador-geral foi acusado de
corrupção e agentes da polícia de investigação criminal foram acusados de
tortura.
Entre
Março e Julho, o jornalista investigativo e defensor dos direitos humanos
Rafael Marques, ganhador do Prémio de Transparência da Integridade
Internacional em 2013, foi acusado de difamação em 11 processos judiciais. Os
autores das acções são generais de alto escalão, seus sócios e três empresas
privadas que atuam na província de Lunda Norte, que é rica em diamantes. Marques
acusou os autores das acções de envolvimento em tortura, estupro e homicídios
em um livro publicado em Portugal em 2011. A Procuradoria Geral de Angola arquivou
uma denúncia feita por Marques contra os generais e seus sócios em 2012; as
alegações não foram investigadas. Marques sofreu ameaças, perseguições e
espionagem generalizada, de forma regular, incluindo ataques de hackers
aparentemente direccionados em seu computador e blog.
Em
11 de Junho, o jornalista Domingos da Cruz, que trabalha no jornal semanal
privado Folha 8, foi acusado de “instigação de desobediência colectiva”
conforme uma lei de 1978 sobre crimes contra a segurança do Estado. Ela foi
revogada e substituída por uma nova lei em 2010. As acusações foram baseadas
em um artigo de opinião publicado pelo jornalista em 2009. Um tribunal
absolveu-o em 09 de setembro, argumentando que a lei havia sido revogada.
DIREITO
À REUNIÃO PACÍFICA
Desde
2011, apesar da protecção constitucional para a liberdade de reunião, as
autoridades têm reagido aos protestos pacíficos contra o governo organizados
por grupos de jovens (entre outros) em Luanda e em outras cidades com força
excessiva, prisões arbitrárias, julgamentos injustos, perseguição e intimidação
de participantes, jornalistas e observadores. A mídia estatal, controlada pelo
partido que está no poder, apresenta os protestos como uma ameaça à paz.
Organizadores e participantes dos protestos também foram alvos de espionagem
e perseguição; ocasionalmente, sofreram ataques violentos e raptos por parte de
agentes de segurança em 2013.
Em
22 de Dezembro de 2012 e 30 de Março, 27 de Maio e 19 de Setembro de 2013, a polícia usou força
excessiva para dispersar protestos pacíficos feitos por jovens em Luanda.
Manifestantes foram presos arbitrariamente e, em muitos casos, houve ameaças a
jornalistas. A maioria dos manifestantes foi libertada no mesmo dia sem
acusações. No entanto, Emiliano Catumbela (22 anos), preso em 27 de Maio, foi
acusado de lesão corporal e, mais tarde, tentativa de assassinato de um
comandante de polícia. O acesso aos seus advogados lhe foi negado por vários
dias. Ele declarou que foi espancado e torturado sob custódia. Em 25 de Junho,
foi libertado sem acusações.
Em
12 de Setembro, a polícia prendeu o activista e organizador de protestos
Manuel Chivonde Nito Alves (17 anos), enquanto buscava camisetas produzidas
para um protesto marcado para o dia 19 do mesmo mês. Ele foi acusado de
“ultraje” contra o presidente por causa do slogan da camiseta, que chamava o
presidente de “ditador nojento”. De acordo com a legislação angolana,
“ultrajes” contra o presidente são considerados um crime contra a segurança
do Estado desde 2010. Ele obteve liberdade condicional em 08 de Novembro
(depois de passar quase dois meses preso de forma arbitrária) e está aguardando
julgamento.
Três
jornalistas—Rafael Marques, Alexandre Neto e Coque Mukuta—foram presos em 20 de
Setembro depois de entrevistar vários manifestantes recém-libertados nas
ruas. Enquanto estavam sob custódia da polícia, foram gravemente espancados e
ameaçados.
Durante
esses protestos, grupos de jovens exigiram uma explicação oficial sobre o
paradeiro de Isaías Cassule e António Alves Kamulingue. Cassule e Kamulingue
foram raptados por desconhecidos após organizar um protesto com antigos
membros da guarda presidencial em 27 de Maio de 2012. Em Março de 2013, a polícia prendeu
Alberto Santos, que havia testemunhado o rapto de Cassule. Santos afirmou que
a polícia havia tentado obrigá-lo a incriminar
activistas da oposição
como sendo os responsáveis pelos raptos. Ele foi libertado em 01 de Outubro sem
acusações. Em 09 de Novembro, um site angolano publicou detalhes de um
relatório confidencial que vazou do Ministério do Interior.
Ele
revelava que Kamulingue e Cassule foram sequestrados, torturados e mortos pela
polícia e por agentes de inteligência logo após o rapto.
Em
Abril, as autoridades proibiram uma greve do sindicato dos professores em
Lubango, na província de Huíla. Os líderes sindicais receberam ameaças
anónimas e sofreram intimidação. Em 30 de Abril, a polícia deteve dois líderes
sindicais e acusou-os de desobediência e difamação das autoridades. Um
tribunal absolveu-os por falta de provas em 02 de Maio.
DETENÇÕES
ARBITRÁRIAS NO ENCLAVE DE CABINDA
Apesar
de um acordo de paz feito em 2006, uma insurgência separatista intermitente
ainda persiste no Enclave de Cabinda, que é rico em petróleo. O governo
tem usado a segurança como pretexto para reprimir a dissidência pacífica. As
forças de segurança continuam prendendo arbitrariamente partidários do
movimento guerrilheiro separatista Frente de Libertação do Enclave de Cabinda
(FLEC). Meios como tortura e custódia militar são utilizados para forçar os
detentos a confessar ou incriminar outras pessoas. Tais violações dos direitos
ao devido processo, bem como a perseguição aos jornalistas que documentam
esses casos e ameaças contra advogados de defesa, prejudicaram a credibilidade
dos julgamentos por supostos crimes de segurança nacional em Cabinda.
Entre
10 de Agosto e 12 de Setembro de 2013, militares e agentes de segurança
prenderam, maltraram e, em muitos casos, torturaram pelo menos 20 homens em
Cabinda, incluindo um assessor do vice-governador. Eles foram acusados de
rebelião armada e permanecem em prisão preventiva.
Em
22 de Novembro de 2012, foram presos nove homens de origem congolesa e
nacionalidades angolana, belga e francesa—supostamente, ex-membros das
extintas Forças Armadas do Zaire (FAZ). Eles foram espancados e torturados por
militares e guardas de fronteira enquanto estavam incomunicáveis na prisão.
Em Maio, foram acusados de rebelião armada contra o governo da República
Democrática do Congo, bem como entrada e permanência ilegais em Angola. Eles
estão em prisão preventiva desde Novembro de 2012.
Desde
Janeiro de 2013, o advogado Arão Tempo, representante local da Ordem dos
Advogados de Angola, recebeu várias ameaças de morte de agentes de
inteligência, alertando-o para parar de defender os 20 homens presos em Cabinda
e os nove supostos membros das FAZ.
BRUTALIDADE
POLICIAL DURANTE REMOÇÕES DE COMERCIANTES DE RUA
Em
Outubro de 2012, o governador de Luanda ordenou medidas urgentes para reduzir
o comércio de rua na capital. Desde então, as autoridades têm aumentado os
esforços para retirar os comerciantes das ruas da cidade.
Durante
essas operações, inspectores da polícia e do governo maltratam os comerciantes
de rua rotineiramente, incluindo mulheres grávidas e mulheres com crianças.
Eles apreendem suas mercadorias, extorquem suborno, ameaçam com prisão e, em
alguns casos, os prendem. Além disso, as autoridades intimidam, perseguem e
prendem arbitrariamente jornalistas, activistas e testemunhas que tentam
documentar a brutalidade das operações.
DESPEJOS
FORÇADOS
A
maioria da população urbana de Angola vive em assentamentos informais sem
protecção legal. A legislação do país não oferece protecção adequada às
pessoas contra o despejo forçado nem consagra o direito a uma habitação
apropriada. Em 2013, o governo continuou realizando despejos forçados em massa
em áreas que, segundo ele, estavam reservadas para uso público. As operações
ocorreram sem aviso prévio adequado e as forças de segurança utilizaram força
excessiva.
No
início de Fevereiro, as forças de segurança despejaram cerca de 5.000
moradores de um assentamento informal localizado em Cacuaco, município
periférico de Luanda. Após os despejos, dezenas de moradores foram presos
arbitrariamente. Pelo menos 40 deles foram acusados de ocupação ilegal de terras
e desobediência. Estes foram condenados e receberam penas de prisão.
Em
07 de Outubro, Dia Internacional do Habitat, as autoridades impediram um
protesto contra os despejos forçados em Luanda, que havia sido preparado pela
organização não governamental SOS Habitat.
PRINCIPAIS
ACTORES INTERNACIONAIS
Angola
é a segunda maior economia da Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral (Southern African Development Community ou SADC) e uma potência cada
vez mais influente na sub-região e no continente devido ao seu poderio
económico e militar. A riqueza associada ao petróleo e o forte crescimento
económico continuam atraindo empresas do mundo todo. Contudo, poucos de seus
parceiros priorizam as preocupações de governança e direitos humanos em suas
agendas de cooperação.
Em
2013, considerou-se o relatório periódico de Angola para a Comissão de Direitos
Humanos da ONU, o organismo que monitora o tratado para o Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos. A Comissão pediu que o governo acabasse com a
impunidade e investigasse assassinatos, torturas, maus-tratos e
desaparecimentos forçados cometidos pelas forças de segurança, entre outras
recomendações.
No
início de Abril, Navi Pillay, Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos,
visitou Angola a convite do governo. Durante a visita, Pillay mencionou várias
preocupações relacionadas aos direitos humanos, incluindo restrições à
liberdade de expressão e da mídia, uso excessivo de força para reprimir protestos,
maus-tratos e violência sexual contra imigrantes irregulares, despejos forçados
e violações de direitos económicos e sociais. A visita de Pillay foi um ponto
positivo raro no histórico de direitos humanos de Angola, que é praticamente
ignorado pelos parceiros regionais e internacionais do país em favor de
fortalecer as relações comerciais.
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