terça-feira, 10 de junho de 2014

Angola – Relatório mundial: Repressão violenta de protesto da oposição



Folha 8 – 07 junho 2014

AUTORIDADES IMPLICADAS EM ASSASSINATO DE ORGANIZADORES DE PROTESTO E CONTRA VENDEDORES AMBULANTES

A ONG HW apresentou o relatório Mundial sobre o ano de 2014 e não deixou de fazer uma incursão sobre Angola, digna de ser registada. F8 coloca ao dispor dos leitores para que cada um tenha noção do que a comunidade internacional, distante da corrupção do petróleo, pensa sobre o actual regime de Angola

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

José Eduar­do dos Santos é presidente da Angola há 34 anos e garantiu mais um mandato de cin­co anos nas eleições de Agosto de 2012. Embora as urnas tenham consolidado o controlo do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) que está no poder, as autori­dades intensificaram as medidas repressivas com a finalidade de restringir a liberdade de expressão, associação e reunião em 2013.

O governo ingressou com vários processos judiciais por difamação criminal contra jornalistas e acti­vistas que expressam suas opiniões. Além disso, con­tinua utilizando abuso po­licial, prisões arbitrárias e intimidação para impedir a realização de protestos pa­cíficos contra o governo, greves e outras reuniões. Em 2013, o governo tam­bém retomou os despejos forçados em massa de as­sentamentos informais e lançou uma nova iniciativa para remover os comer­ciantes de rua de Luanda (capital do país). As duas medidas afectam as co­munidades mais pobres de Angola e foram aplicadas com brutalidade.

A liberdade de expressão é gravemente restrita na Angola devido à limitação da mídia independente, autocensura e repressão do governo. Somente 3% da população angolana tem acesso à Internet e a redes sociais, que são os principais canais para co­mentar as políticas do go­verno.

As autoridades utilizam leis de difamação criminal para silenciar e intimidar jornalistas e blogueiros. Em 05 de Julho, os blo­gueiros José Gama e Lucas Pedro foram acusados de “abuso da liberdade de im­prensa” e difamação por artigos publicados no site de notícias www.club-k.net, que está hospedado fora de Angola. Ajuizados pelo procurador-geral de Angola e pelo director da polícia de investigação criminal, os processos ju­diciais são baseados em artigos publicados entre janeiro e maio, nos quais o procurador-geral foi acusado de corrupção e agentes da polícia de in­vestigação criminal foram acusados de tortura.

Entre Março e Julho, o jornalista investigativo e defensor dos direitos hu­manos Rafael Marques, ganhador do Prémio de Transparência da Inte­gridade Internacional em 2013, foi acusado de difa­mação em 11 processos judiciais. Os autores das acções são generais de alto escalão, seus sócios e três empresas privadas que atuam na província de Lunda Norte, que é rica em diamantes. Marques acu­sou os autores das acções de envolvimento em tor­tura, estupro e homicídios em um livro publicado em Portugal em 2011. A Procu­radoria Geral de Angola arquivou uma denúncia feita por Marques contra os generais e seus sócios em 2012; as alegações não foram investigadas. Mar­ques sofreu ameaças, per­seguições e espionagem generalizada, de forma regular, incluindo ataques de hackers aparentemen­te direccionados em seu computador e blog.

Em 11 de Junho, o jorna­lista Domingos da Cruz, que trabalha no jornal semanal privado Folha 8, foi acusado de “instigação de desobediência colecti­va” conforme uma lei de 1978 sobre crimes contra a segurança do Estado. Ela foi revogada e substi­tuída por uma nova lei em 2010. As acusações foram baseadas em um artigo de opinião publicado pelo jornalista em 2009. Um tribunal absolveu-o em 09 de setembro, argumen­tando que a lei havia sido revogada.

DIREITO À REUNIÃO PACÍFICA

Desde 2011, apesar da protecção constitucional para a liberdade de reu­nião, as autoridades têm reagido aos protestos pa­cíficos contra o governo organizados por grupos de jovens (entre outros) em Luanda e em outras cidades com força exces­siva, prisões arbitrárias, julgamentos injustos, per­seguição e intimidação de participantes, jornalistas e observadores. A mídia estatal, controlada pelo partido que está no poder, apresenta os protestos como uma ameaça à paz. Organizadores e partici­pantes dos protestos tam­bém foram alvos de es­pionagem e perseguição; ocasionalmente, sofreram ataques violentos e raptos por parte de agentes de se­gurança em 2013.

Em 22 de Dezembro de 2012 e 30 de Março, 27 de Maio e 19 de Setembro de 2013, a polícia usou força excessiva para dispersar protestos pacíficos fei­tos por jovens em Luan­da. Manifestantes foram presos arbitrariamente e, em muitos casos, houve ameaças a jornalistas. A maioria dos manifestantes foi libertada no mesmo dia sem acusações. No entan­to, Emiliano Catumbela (22 anos), preso em 27 de Maio, foi acusado de le­são corporal e, mais tarde, tentativa de assassinato de um comandante de polícia. O acesso aos seus advoga­dos lhe foi negado por vá­rios dias. Ele declarou que foi espancado e torturado sob custódia. Em 25 de Ju­nho, foi libertado sem acu­sações.

Em 12 de Setembro, a po­lícia prendeu o activista e organizador de protestos Manuel Chivonde Nito Alves (17 anos), enquanto buscava camisetas pro­duzidas para um protesto marcado para o dia 19 do mesmo mês. Ele foi acu­sado de “ultraje” contra o presidente por causa do slogan da camiseta, que chamava o presidente de “ditador nojento”. De acor­do com a legislação ango­lana, “ultrajes” contra o presidente são considera­dos um crime contra a se­gurança do Estado desde 2010. Ele obteve liberdade condicional em 08 de No­vembro (depois de passar quase dois meses preso de forma arbitrária) e está aguardando julgamento.

Três jornalistas—Rafael Marques, Alexandre Neto e Coque Mukuta—foram presos em 20 de Setem­bro depois de entrevis­tar vários manifestantes recém-libertados nas ruas. Enquanto estavam sob custódia da polícia, foram gravemente espancados e ameaçados.

Durante esses protestos, grupos de jovens exigiram uma explicação oficial so­bre o paradeiro de Isaías Cassule e António Alves Kamulingue. Cassule e Kamulingue foram rap­tados por desconhecidos após organizar um protes­to com antigos membros da guarda presidencial em 27 de Maio de 2012. Em Março de 2013, a polícia prendeu Alberto Santos, que havia testemunhado o rapto de Cassule. San­tos afirmou que a polícia havia tentado obrigá-lo a incriminar activistas da oposição como sendo os responsáveis pelos raptos. Ele foi libertado em 01 de Outubro sem acusações. Em 09 de Novembro, um site angolano publicou detalhes de um relatório confidencial que vazou do Ministério do Interior.

Ele revelava que Kamu­lingue e Cassule foram sequestrados, torturados e mortos pela polícia e por agentes de inteligência logo após o rapto.

Em Abril, as autoridades proibiram uma greve do sindicato dos professores em Lubango, na província de Huíla. Os líderes sindi­cais receberam ameaças anónimas e sofreram inti­midação. Em 30 de Abril, a polícia deteve dois líderes sindicais e acusou-os de desobediência e difama­ção das autoridades. Um tribunal absolveu-os por falta de provas em 02 de Maio.

DETENÇÕES ARBITRÁRIAS NO ENCLAVE DE CABINDA

Apesar de um acordo de paz feito em 2006, uma in­surgência separatista inter­mitente ainda persiste no Enclave de Cabinda, que é rico em petróleo. O gover­no tem usado a segurança como pretexto para repri­mir a dissidência pacífica. As forças de segurança continuam prendendo ar­bitrariamente partidários do movimento guerrilhei­ro separatista Frente de Li­bertação do Enclave de Ca­binda (FLEC). Meios como tortura e custódia militar são utilizados para forçar os detentos a confessar ou incriminar outras pessoas. Tais violações dos direitos ao devido processo, bem como a perseguição aos jornalistas que documen­tam esses casos e ameaças contra advogados de defe­sa, prejudicaram a credi­bilidade dos julgamentos por supostos crimes de segurança nacional em Ca­binda.

Entre 10 de Agosto e 12 de Setembro de 2013, mi­litares e agentes de segu­rança prenderam, maltra­ram e, em muitos casos, torturaram pelo menos 20 homens em Cabinda, incluindo um assessor do vice-governador. Eles fo­ram acusados de rebelião armada e permanecem em prisão preventiva.

Em 22 de Novembro de 2012, foram presos nove homens de origem con­golesa e nacionalidades angolana, belga e france­sa—supostamente, ex­-membros das extintas Forças Armadas do Zaire (FAZ). Eles foram espan­cados e torturados por mi­litares e guardas de fron­teira enquanto estavam incomunicáveis na prisão. Em Maio, foram acusados de rebelião armada contra o governo da República Democrática do Congo, bem como entrada e per­manência ilegais em An­gola. Eles estão em prisão preventiva desde Novem­bro de 2012.

Desde Janeiro de 2013, o advogado Arão Tempo, representante local da Or­dem dos Advogados de Angola, recebeu várias ameaças de morte de agen­tes de inteligência, alertan­do-o para parar de defen­der os 20 homens presos em Cabinda e os nove su­postos membros das FAZ.

BRUTALIDADE POLICIAL DURANTE REMOÇÕES DE COMERCIANTES DE RUA

Em Outubro de 2012, o governador de Luanda or­denou medidas urgentes para reduzir o comércio de rua na capital. Desde então, as autoridades têm aumentado os esforços para retirar os comercian­tes das ruas da cidade.

Durante essas operações, inspectores da polícia e do governo maltratam os comerciantes de rua rotineiramente, incluin­do mulheres grávidas e mulheres com crianças. Eles apreendem suas mercadorias, extorquem suborno, ameaçam com prisão e, em alguns casos, os prendem. Além disso, as autoridades intimidam, perseguem e prendem ar­bitrariamente jornalistas, activistas e testemunhas que tentam documentar a brutalidade das opera­ções.

DESPEJOS FORÇADOS

A maioria da população ur­bana de Angola vive em as­sentamentos informais sem protecção legal. A legislação do país não oferece protec­ção adequada às pessoas contra o despejo forçado nem consagra o direito a uma habitação apropriada. Em 2013, o governo conti­nuou realizando despejos forçados em massa em áreas que, segundo ele, estavam reservadas para uso públi­co. As operações ocorreram sem aviso prévio adequado e as forças de segurança uti­lizaram força excessiva.

No início de Fevereiro, as for­ças de segurança despejaram cerca de 5.000 moradores de um assentamento informal localizado em Cacuaco, mu­nicípio periférico de Luanda. Após os despejos, dezenas de moradores foram presos arbitrariamente. Pelo menos 40 deles foram acusados de ocupação ilegal de terras e desobediência. Estes foram condenados e receberam pe­nas de prisão.

Em 07 de Outubro, Dia In­ternacional do Habitat, as autoridades impediram um protesto contra os despejos forçados em Luanda, que havia sido preparado pela organização não governa­mental SOS Habitat.

PRINCIPAIS ACTORES INTERNACIONAIS

Angola é a segunda maior economia da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (Sou­thern African Development Community ou SADC) e uma potência cada vez mais influente na sub-região e no continente devido ao seu poderio económico e mi­litar. A riqueza associada ao petróleo e o forte cres­cimento económico con­tinuam atraindo empresas do mundo todo. Contudo, poucos de seus parceiros priorizam as preocupações de governança e direitos humanos em suas agendas de cooperação.

Em 2013, considerou-se o re­latório periódico de Angola para a Comissão de Direi­tos Humanos da ONU, o organismo que monitora o tratado para o Pacto Inter­nacional de Direitos Civis e Políticos. A Comissão pediu que o governo acabasse com a impunidade e investigasse assassinatos, torturas, maus­-tratos e desaparecimentos forçados cometidos pelas forças de segurança, entre outras recomendações.

No início de Abril, Navi Pillay, Alta Comissária da ONU para Direitos Huma­nos, visitou Angola a con­vite do governo. Durante a visita, Pillay mencionou várias preocupações rela­cionadas aos direitos hu­manos, incluindo restrições à liberdade de expressão e da mídia, uso excessivo de força para reprimir protes­tos, maus-tratos e violência sexual contra imigrantes irregulares, despejos força­dos e violações de direitos económicos e sociais. A vi­sita de Pillay foi um ponto positivo raro no histórico de direitos humanos de An­gola, que é praticamente ig­norado pelos parceiros re­gionais e internacionais do país em favor de fortalecer as relações comerciais.

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