terça-feira, 10 de junho de 2014

Portugal: A prostituição pode salvar contas do país



Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião

Calma! As exigências de mais e mais austeridade para combater os danos provocados pela sucessiva queda do rendimento nacional vs. multiplicação da dívida pública parecem ter os dias contados. Há o espetro de maiores feridas a caminho provocadas pelo cutelo de exigências do Tratado Orçamental subscrito e que obriga ao recuo do défice das contas públicas para um máximo de 0,5%, mas está escancarada uma via original para escapulirmos a mais angústia e sofrimento. Falta pouco para o clamar de um "estamos safos!"....

A criatividade contabilística ajuda qualquer pelintra a disfarçar-se de rico. Ora, é interessante a via em congeminação para a União Europeia parecer mais forte do que verdadeiramente é: pega-se nas economias paralelas e integram-se nas contas do Produto Interno Bruto!

O "Wall Street Journal" de ontem abriu o debate e enunciou casos de estratégias em movimento. O Reino Unido, a Itália e a Irlanda preparam-se para incluir na estatística os balúrdios gerados a partir do tráfico de droga ou da prostituição, para só citar dois casos. O resultado de um tal exercício tem um natural efeito de perlimpimpim. Soma-se a não passagem de recibos das prostitutas à massa faturada sem impostos da cocaína e da heroína, do ecstasy e canábis e, zás!, num efeito de harmónio, o PIB cresce, cresce, cresce e a dívida desce, desce, desce. De repente, os balancetes deixam de estar tão marcados a vermelho e fica-se mais perto do cumprimento do Pacto Orçamental.

Em Portugal, quer o Governo quer a Oposição têm passado ao lado da contabilidade criativa salvífica, preferindo entreter-se numa troca de galhardetes sobre o PIB (magrinho crescimento de 1,3% no primeiro trimestre do ano) e a dívida pública (agora nos 132,3%). Lá virá o dia em que uns ou outros farão o passe de mágica de agregar os 44 mil milhões de euros de economia paralela estimada ao PIB debilitado - cifrado agora à volta de 160 mil milhões. E é bom de ver: de um dia para o outro, os mais de 215 mil milhões de dívida transformar-se-ão numa percentagem bem mais baixa do que a atual. Será na mesma um balúrdio, mas, pelo menos nas folhas de Excel, tornar-se-á mais tolerável aos olhos de todos - exceto aos dos credores.

Mais cedo do que tarde é previsível, pois, passar o país a discutir em moldes diferenciados dos atuais. O garrote do Tratado Orçamental assinado pelos chamados partidos do arco da (des)governação funcionou como impulsionador de um novo faz de conta, obviamente tolerado por Bruxelas, e no qual os problemas de fundo permanecem intocáveis, mas acabam sarapintados de mais cor de rosa.

À falta de outras vias de entendimento, façamos votos para que Governo e Oposição ao menos se entendam sobre quanto vale o negócio das prostitutas.

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