Na
mesma semana, o cantor teve duas alegrias: recebeu um prémio internacional pela
sua carreira e não recebeu os parabéns do Presidente da República. Isto, para
mim, é a definição de prestígio
Ricardo
Araújo Pereira – Visão, opinião
A
comoção que provocou o facto de Cavaco Silva não ter endereçado votos de
parabéns a Carlos do Carmo é injustificada. Que se lixe Carlos do Carmo, esse
sortudo. Na mesma semana, o cantor teve duas alegrias: recebeu um prémio
internacional pela sua carreira e não recebeu os parabéns do Presidente da
República. Isto, para mim, é a definição de prestígio. Desconfiamos que alguma
coisa está mal na nossa vida quando Cavaco Silva nos distingue. Recordo
que Cavaco distinguiu Dias Loureiro com a sua amizade e Oliveira e Costa com o
lugar de secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. A recusa de fazer chegar um
parabém a Carlos do Carmo acrescenta honra à semana já honrosa do fadista. Foi
dos mais belos ultrajes que já vi, uma das mais dignificantes desconsiderações
que o Presidente já concedeu.
Há
um poema de Bertolt Brecht (que também nunca foi felicitado por Cavaco Silva)
em que um escritor descobre, horrorizado, que as suas obras não constam da
lista de livros que os nazis pretendem queimar em público, e escreve uma carta
indignada ao governo a exigir que o queimem também. Suponho que haja, neste
momento, várias pessoas condecoradas ou parabenteadas por Cavaco a passar
por uma indignação semelhante. Porque é que Carlos do Carmo e José Saramago merecem
o menosprezo do Presidente e elas não? Que mal fizeram elas ao País para terem
caído nas boas graças de Cavaco?
O
que nos leva a uma reflexão mais profunda sobre o mérito de Carlos do Carmo.
Sim, é um excelente cantor e um nome cimeiro do fado. Mas fez assim tanto para
ser abominado por Cavaco? Cristiano Ronaldo e o ciclista Rui Costa também
parecem ser pessoas decentes, e no entanto foram felicitados pelo Presidente,
quando ganharam, respectivamente, uma Bola de Ouro e uma Volta à Suíça. Há
filhos e enteados, nisto dos desdéns que enobrecem?
Talvez
Cavaco não tenha agraciado Carlos do Carmo com o seu
desprezo propositadamente. Há outros factores que podem ter levado o
Presidente a distinguir o fadista com esta ausência de congratulações. Uma
chamada local custa 0,0861€ no primeiro minuto e 0,0391€ por minuto nos minutos
seguintes, já com o IVA incluído. A factura de um telefonema de felicitações a
Carlos do Carmo poderia ascender a cerca de um euro, porque todos sabemos como
são estes fadistas quando a gente os saúda pelo telefone: nunca mais se calam.
É isto, e aquilo, e os tempos da Severa, e quando damos por ela estamos ao
telefone há mais de cinco minutos. Um telegrama tem a vantagem de não fazer
falar o fadista, mas custa à volta de três euros. Ora, Cavaco já disse que o
dinheiro não lhe chega para as despesas, e no fim do ano passado já felicitou o
tenista João Sousa pela vitória no torneio de Kuala Lumpur: "Não
posso deixar de dirigir uma felicitação muito, muito sincera e com um grande
sublinhado porque projecta o nome de Portugal para o 'top' daqueles que se
destacam na prática do ténis". Deve ter sido uma felicitação dispendiosa,
porque era muito, muito sincera e incluía um grande sublinhado. Até 2015, não
deve ter orçamento para mais parabéns.
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