quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Brasil - Eleições: O movimento negro chapa branca e suas formas de beija-mão e adesismo



Afropress, editoral

Ninguém pode ser contra que os negros do PT e do PC do B, representados por suas articulações e entidades como a CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras) e a UNEGRO (União de Negros pela Igualdade) manifestem sua adesão a candidata que tem o apoio desses partidos no Governo – no caso, a Presidente Dilma Rousseff, do PT, que disputa a reeleição.

Ninguém pode ser contra que os negros do PSB ou da Rede ou de qualquer partido apóiem sua candidata, a ex-senadora Marina Silva, que tem aparecido nas pesquisas sempre em segundo lugar e, a esta altura – a uma semana das eleições – parece ter fôlego para chegar ao Planalto, ainda que em queda nas intenções de voto.

Ninguém tampouco pode ser contra que os negros do PSDB, do DEM, do PMDB, ou de qualquer outra legenda integrante desses aglomerados que conformam a sopa de letras do cenário partidário brasileiro (o Brasil é o único país do mundo que tem 32 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral) se manifeste a favor dos seus preferidos nas eleições.

O que não se pode conceber nem aceitar é que os negros de tais partidos se assumam como porta-vozes dos negros brasileiros e lancem manifestos de apoio a este ou aquele candidato, na condição de representantes da população negra, como se falassem pelo todo, por todos nós.

Trata-se de fraude, que precisa ser denunciada para que a enganação e o embuste não prosperem. Os negros brasileiros nada tem a ver com o "caciquismo negro", com essas tristes figuras que transformaram a ocupação de "puxadinhos" - seja nos partidos, seja no Estado, onde exercitam a subserviência e o jogo da bajulação aos donos desses partidos - em meio de vida. Ninguém deu a eles procuração.

Que se manifestem em campanha por seus candidatos ou candidatas, estão no seu papel, que é exatamente este: o de cabos eleitorais de luxo, símbolos e alegorias dessa inclusão que nunca acontece de verdade, de olho numa emenda parlamentar, num projetinho a ser patrocinado por esta ou aquela estatal, expediente de que o Governo atual usou e abusou para servir a essa gente as migalhas que sobram da farta mesa do poder.

Mas, não falem pelos negros brasileiros, que se constituem em 53,1% da população de 202,7 milhões habitantes, de acordo com a mais recente Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio 2013 (PNAD), 55% dos eleitores, segundo levantamento recente do Instituto Patrícia Galvão.

Ao fazerem, se inserem no movimento de mistificação e da mentira; fazem o jogo dos que, simplesmente, estão preocupados com a manutenção do poder e se fazem de surdos à necessidade de transformações estruturais no Brasil, que comecem por uma agenda que tenha como prioridade a inclusão dos que foram deixados à margem por uma Abolição nunca concluída. O que querem, na prática, é garantir espaço nos "puxadinhos" para os próximos quatro anos, no que revelam o caráter de um movimento negro chapa branca, que tem o adesismo ao Governo (qualquer Governo) gravado no seu DNA.

A maior prova disso é que não tiveram os negros apoiadores da candidata que disputa a reeleição, sequer o cuidado e o pudor de apresentarem um documento com propostas e reivindicações. Foi um ato de pura adesão, um beija-mão explícito transformado em peça de campanha.

Os argumentos utilizados de que estão em jogo “não apenas uma disputa eleitoral, mas projetos políticos” e que a opção feita foi “por aquele que tem conquistas mais próximas às bandeiras historicamente defendidas”, são risíveis, hilários mesmo, um jogo de palavras que que tem um único objetivo: disfarçar, com certa pompa e arroubos de retórica, o adesismo mais xinfrim e a ausência de autonomia e independência, na tentativa de ludibriar incautos e desinformados. (veja matéria em http://www.afropress.com/post.asp?id=17532).

Da mesma forma, os negros apoiadores da ex-ministra do Meio Ambiente do Governo Lula, considerada por ele próprio a “Pelé do Ministério” quando saiu, mas agora satanizada, apresentada como de extrema-direita, apenas pela conveniência eleitoral em que, assim como na guerra, a verdade é a primeira vítima.

O texto divulgado por eles remete a uma reunião ocorrida com a candidata no dia 20 de setembro último em Salvador, e nele há uma série de reivindicações, a sugerir proposta de um suposto programa de Governo. Não há, contudo, uma única explicação sobre o grau de concordância da candidata a tais reivindicações, o que evidencia que se está diante, igualmente, de uma peça de campanha escrita de improviso e nos joelhos.

Tanto num caso como no outro, estamos diante de uma encenação que beira o surreal: tais lideranças negras, que se apresentam como representantes da maioria dos eleitores brasileiros (55%, repetimos) aceitam, passiva e dócilmente, que as duas principais candidaturas não assumam um único compromisso com essa maioria, nos seus eventuais governos.

Não há um único ponto, uma única proposta, com a qual tenham fechado questão como condição para apoio como seria de se esperar. É como se estivéssemos todos muito contentes, todos muito satisfeitos e, portanto, a única coisa a fazer fosse apoiar os benfeitores de plantão, esperando deles favores e benignidade. Não há como não associar isso aos rituais do beija-mão, reverência tão em voga sob o escravismo.

É surreal, sim, mas revela muito do porque o Brasil - a 7ª economia do mundo - é um dos países campeões no quesito desigualdade, e porque após 126 anos da Abolição estamos como estamos.


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