Afropress,
editoral
Ninguém
pode ser contra que os negros do PT e do PC do B, representados por suas
articulações e entidades como a CONEN (Coordenação Nacional de Entidades
Negras) e a UNEGRO (União de Negros pela Igualdade) manifestem sua adesão a
candidata que tem o apoio desses partidos no Governo – no caso, a Presidente
Dilma Rousseff, do PT, que disputa a reeleição.
Ninguém
pode ser contra que os negros do PSB ou da Rede ou de qualquer partido apóiem
sua candidata, a ex-senadora Marina Silva, que tem aparecido nas pesquisas
sempre em segundo lugar e, a esta altura – a uma semana das eleições – parece
ter fôlego para chegar ao Planalto, ainda que em queda nas intenções de voto.
Ninguém
tampouco pode ser contra que os negros do PSDB, do DEM, do PMDB, ou de qualquer
outra legenda integrante desses aglomerados que conformam a sopa de letras do
cenário partidário brasileiro (o Brasil é o único país do mundo que tem 32
partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral) se manifeste a favor dos
seus preferidos nas eleições.
O
que não se pode conceber nem aceitar é que os negros de tais partidos se
assumam como porta-vozes dos negros brasileiros e lancem manifestos de apoio a
este ou aquele candidato, na condição de representantes da população negra,
como se falassem pelo todo, por todos nós.
Trata-se
de fraude, que precisa ser denunciada para que a enganação e o embuste não
prosperem. Os negros brasileiros nada tem a ver com o "caciquismo negro",
com essas tristes figuras que transformaram a ocupação de
"puxadinhos" - seja nos partidos, seja no Estado, onde exercitam a
subserviência e o jogo da bajulação aos donos desses partidos - em meio de
vida. Ninguém deu a eles procuração.
Que
se manifestem em campanha por seus candidatos ou candidatas, estão no seu
papel, que é exatamente este: o de cabos eleitorais de luxo, símbolos e
alegorias dessa inclusão que nunca acontece de verdade, de olho numa emenda
parlamentar, num projetinho a ser patrocinado por esta ou aquela estatal,
expediente de que o Governo atual usou e abusou para servir a essa gente as
migalhas que sobram da farta mesa do poder.
Mas,
não falem pelos negros brasileiros, que se constituem em 53,1% da população de
202,7 milhões habitantes, de acordo com a mais recente Pesquisa Nacional de
Amostras de Domicílio 2013 (PNAD), 55% dos eleitores, segundo levantamento
recente do Instituto Patrícia Galvão.
Ao
fazerem, se inserem no movimento de mistificação e da mentira; fazem o jogo dos
que, simplesmente, estão preocupados com a manutenção do poder e se fazem de
surdos à necessidade de transformações estruturais no Brasil, que comecem por
uma agenda que tenha como prioridade a inclusão dos que foram deixados à margem
por uma Abolição nunca concluída. O que querem, na prática, é garantir espaço
nos "puxadinhos" para os próximos quatro anos, no que revelam o
caráter de um movimento negro chapa branca, que tem o adesismo ao Governo
(qualquer Governo) gravado no seu DNA.
A
maior prova disso é que não tiveram os negros apoiadores da candidata que
disputa a reeleição, sequer o cuidado e o pudor de apresentarem um documento
com propostas e reivindicações. Foi um ato de pura adesão, um beija-mão
explícito transformado em peça de campanha.
Os
argumentos utilizados de que estão em jogo “não apenas uma disputa eleitoral,
mas projetos políticos” e que a opção feita foi “por aquele que tem conquistas
mais próximas às bandeiras historicamente defendidas”, são risíveis, hilários
mesmo, um jogo de palavras que que tem um único objetivo: disfarçar, com certa
pompa e arroubos de retórica, o adesismo mais xinfrim e a ausência de autonomia
e independência, na tentativa de ludibriar incautos e desinformados. (veja
matéria em http://www.afropress.com/post.asp?id=17532).
Da
mesma forma, os negros apoiadores da ex-ministra do Meio Ambiente do Governo
Lula, considerada por ele próprio a “Pelé do Ministério” quando saiu, mas agora
satanizada, apresentada como de extrema-direita, apenas pela conveniência
eleitoral em que, assim como na guerra, a verdade é a primeira vítima.
O
texto divulgado por eles remete a uma reunião ocorrida com a candidata no dia
20 de setembro último em Salvador, e nele há uma série de reivindicações, a
sugerir proposta de um suposto programa de Governo. Não há, contudo, uma única
explicação sobre o grau de concordância da candidata a tais reivindicações, o que
evidencia que se está diante, igualmente, de uma peça de campanha escrita de
improviso e nos joelhos.
Tanto
num caso como no outro, estamos diante de uma encenação que beira o surreal:
tais lideranças negras, que se apresentam como representantes da maioria dos
eleitores brasileiros (55%, repetimos) aceitam, passiva e dócilmente, que as
duas principais candidaturas não assumam um único compromisso com essa maioria,
nos seus eventuais governos.
Não
há um único ponto, uma única proposta, com a qual tenham fechado questão como
condição para apoio como seria de se esperar. É como se estivéssemos todos
muito contentes, todos muito satisfeitos e, portanto, a única coisa a fazer
fosse apoiar os benfeitores de plantão, esperando deles favores e benignidade.
Não há como não associar isso aos rituais do beija-mão, reverência tão em voga
sob o escravismo.
É
surreal, sim, mas revela muito do porque o Brasil - a 7ª economia do mundo - é
um dos países campeões no quesito desigualdade, e porque após 126 anos da
Abolição estamos como estamos.
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