sexta-feira, 3 de outubro de 2014

EGIPTO PROCURA RUMO



Roger Godwin – Jornal de Angola, opinião

À medida que se acentua a aceitação popular do novo presidente, o ex-general  Abdel Sisi, mais confusão faz a incapacidade da justiça em resolver os problemas que ainda impedem o Egipto de reencontrar, de vez, o rumo para um futuro que seja capaz de reerguer as potencialidades do passado, naquilo que poderia ser um amplo programa de reconciliação nacional.

Passados que foram, com distinção, os primeiros cem dias de presidência o general Sisi tem falhado no esforço que se lhe pedia fosse feito para reconciliar a imensa família egípcia, promovendo acções que abrissem caminho ao fim de uma certa marginalização em que actualmente se encontra cerca de 50 por cento da população, uma parte que apoia a numerosa Irmandade Muçulmana e uma outra, ainda que menor, que se revê na politica que foi protagonizada por Hosni Mubarak.

Do ponto de vista dos esforços conducentes a recuperação económica, o Egipto já está a dar passos bastante significativos com a aplicação de projectos capazes de relançar as esperanças deste importante país do norte de África.

Um financiamento de 4 mil milhões de dólares para duplicar as capacidades do canal do Suez, que no prazo de cinco anos representará uma arrecadação de receitas cobradas pela passagem de navios provenientes do Golfo Árabe de 5 para 12 mil milhões de dólares anuais, é suficientemente forte para deixar perceber que não tardará muito para que o Egipto recupere as suas potencialidades financeiras para dar corpo a um necessário amplo plano de socialização das zonas mais carenciadas.

Só que para isso, o Egipto precisa de uma paz social onde o esforço que a população gasta em sucessivas manifestações possa ser canalizado para acções mais positivas e de interesse nacional, como seja o relançamento da capacidades produtiva de uma indústria que, neste momento, está paralisada.

Isso, como dizem vários políticos locais, só será possível com uma paz social resultante da resolução política de casos que os tribunais ainda mantêm pendentes por alegadas “dificuldades processuais”, mas que muito julgam não passar de um aforismo para designar as “pressões políticas” que, inegavelmente, ainda se fazem sentir sobre o próprio presidente Sisi, um antigo militar ainda pouco habituado às regras do jogo democrático que, no caso concerto do Egipto, continua marcado por intrigas bem urdidas.

Ainda na semana passada, foi com alguma surpresa que a população recebeu a notícia do terceiro adiamento do julgamento do recurso apresentado por Hosni Mubarak como uma decisão, em primeira instância, de um tribunal que o havia condenado em 2012 a prisão perpétua pelos crimes de corrupção e de autoria moral das mortes de centenas de manifestantes que em 2011 exigiram a sua demissão do cargo de Presidente da República. 
Emaranhados na apreciação de um processo com cerca de 160 mil páginas, os juízes que estão a julgar este recurso têm dificuldade em esconder as pressões políticas de que estão a ser alvo enquanto esperam por uma decisão política, que tarda a ser tomada, e que encontre uma solução para que um homem que actualmente tem 86 nos de idade possa morrer com alguma dignidade depois de ter servido fielmente o país durante mais de 30 anos, com processos eleitorais regulares e respeitadores das normas constitucionais que na altura estavam em vigor no país.

Um outro problema para o qual a justiça tarda em encontrar uma solução, enquanto aguarda pela tal definição política de uma estratégia de reconciliação, envolve o anterior presidente, Mohamed Mursi, que se encontra detido há dois anos, sem culpa formalmente apresentada e que se confunda com vagas acusações de traição por cumplicidade com alegados “inimigos do Egipto”.

A resolução destes dois casos, que envolvem os dois ainda vivos antigos presidentes do país, é uma condição fundamental para que o actual poder possa ser exercido e entendido de inclusivo em relação a todas as forças políticas internas, independente dos julgamentos individuais que possam ser feitos pelos factos ocorridos durante as anteriores administrações políticas.

Os primeiros 100 dias de governação do presidente Sisi deixam perceber a existência de uma forte determinação em recolocar o Egipto na senda do sucesso e de desenvolvimento social e económico, mas ainda carece de uma atitude mais forte em relação a aceitação daquilo que são as diferenças políticas existentes no seio deste importante país com uma população de cerca de 80 milhões de pessoas.

A importância do Egipto, no contexto regional e internacional, é de tal forma grande que não podem ser marginalizadas as suas potencialidades internas, cabendo ao governo a capacidade de as mobilizar para o esforço comum de afirmação positiva.

Contando com o esforço das grandes potências ocidentais para servir de ponto de concentração dos esforços de mediação dos conflitos que ocorrem na região onde está inserido, o Egipto tem que saber reconciliar-se para que as suas potencialidades se afirmem ainda mais claramente.

O presidente Sisi, nestes seus primeiros 100 dias de governação já mostrou ser capaz de estar a altura de vencer os desafios que o esperam, apenas lhe faltando encontrar a forma de ajudar o poder judicial  a resolver os dois grandes problemas que tem em mãos e que impedem que transmita uma imagem de total integração naquilo que se espera seja um Egipto moderno com a esperança, de no futuro, reencontrar a glória do passado.

Na foto: Abdel Sisi

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